sexta-feira,29 março 2024
ColunaDireitos (&) HumanosO Controle de Convencionalidade no Ordenamento Jurídico Pátrio

O Controle de Convencionalidade no Ordenamento Jurídico Pátrio

A Constituição Federal de 1988 trouxe uma grande mudança de paradigma, colocando o homem no centro da discussão acerca dos direitos e garantias fundamentais e como objetivo fim do Estado, conforme fica evidente da leitura do artigo 1º, inciso III, da CF.

Foi neste cenário de uma nova ordem jurídica que o Estado Brasileiro assumiu o compromisso, em plano internacional, de respeitar proteger e promover os direitos humanos (artigo 4º, inciso II, CF), havendo uma harmonização entre o sistema interno e o sistema internacional, com influências significativas no ordenamento jurídico pátrio.

Desta forma, a partir do momento em que o Brasil reconheceu a jurisdição internacional, em especial do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, se obrigou também a cumprir de forma incisiva e regular as disposições do Pacto de São José da Costa Rica e demais tratados, sendo aqui inserida a necessidade de avaliar a aplicação do controle de convencionalidade no território nacional.

Em linhas gerais, os direitos humanos possuem como característica relevante a natureza jurídica de ius cogens, assim o controle de convencionalidade se apresenta como instrumento de efetivação que visa garantir que as normas internas de um Estado estejam em total compatibilidade com os tratados e convenções internacionais de direitos humanos, em relação aos quais os países são signatários.

O controle de convencionalidade busca a complementaridade entre o direito interno e o sistema internacional, formando uma unidade de sistema capaz de assegurar a proteção de direitos humanos, possuindo, destarte, duas funções precípuas, quais sejam: a) realizar o controle de eficácia das legislações nacionais em matéria de direitos humanos; e b) dirimir conflito entre o direito interno e as normas de direito internacional.

A Corte Interamericana vem reiterando sua jurisprudência acerca da incidência do controle de convencionalidade há pelo menos 10 anos, tanto em casos contenciosos como também no consultivo, aparecendo pela primeira vez no julgamento do Caso Almonacid Arrellano vs. Chile, em 2006[1].

O controle de convencionalidade proporciona ainda uma dupla compatibilidade vertical material, na medida em que as normas internas devem ser compatíveis com: a) a Constituição Federal (controle de constitucionalidade); e b) os tratados internacionais ratificados pelo país (controle de convencionalidade).

Além disso, a convencionalidade poderá ser analisada tanto no plano interno como no plano externo.

Desta forma, o controle de convencionalidade em sede internacional se constitui num mecanismo processual para certificação de que o direito interno (Constituição Federal, lei infraconstitucional, ato normativo e jurisprudência) de um Estado-parte não viole um direito humano disposto na Convenção Americana de Direitos Humanos e demais tratados. A competência para realizar o controle de convencionalidade é da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em um caso em concreto. Nesse sentido, Sidney Guerra[2] parafraseando Ernesto Rey Cantor, cita:

[…] el Control de Convencionalidad de las normas de derecho interno es fruto de la jurisprudência de la Corte y como tal el Tribunal tiene competencia inherente para la proteción internacional de la persona humana, según se desprende del segundo considerando del Preámbulo de la Convención Americana que ‘enuncia el objeto y fin del tratado. Además, consideramos que de los artículos 33, 2 y 62.1 de la Convención se infiere el fundamento jurídico de la nueva competência. El primer texto expressa: Son competentes para conocer de los asuntos relacionados con el cumplimento de los compromissos contrídos por los Estados Partes en esta Convención: a) La Comisión Interamericana de Derechos Humanos, y b) La Corte Interamericana de Derechos Humanos’. En otras palavras, si un Estado incumple los compromisos internacionales derivados del artículo 2 de la Convención (‘Dever de adoptar Disposiciones de Derecho Interno’), expidiendo leyes incompatibles con esta disposición y violando los derechos humanos reconocidos en este tratado, corresponde a la Corte verificar dicho incumpliminento, haciendo un exame de confrontación normativo del derecho interno (Constitución, ley, actos administartivos, jurisprudência, prácticas administrativas o judiciales, etc.), con las normas internacionales al que llamamos ‘control’, el que por ‘assegurar y hacer efectiva la supremacía de la Convención denominamos Control de Convencionalidad: es um control jurídico y judicial.

No Brasil, a primeira vez em que houve a aplicação do controle de convencionalidade foi por ocasião do julgamento do Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, em 2010[3]. O Caso Gomes Lund teve por objetivo a responsabilização do Estado Brasileiro pelo desaparecimento de membros da “Guerrilha do Araguaia”, entre os anos de 1972 a 1975. No julgamento a Corte entendeu que a Lei de Anistia de crimes políticos e conexos, era invalida para alcançar sujeitos que praticaram graves violações a direitos humanos, sob pena de sua manutenção ferir os deveres assumidos pelo Estado, no âmbito internacional.

Já no plano interno o controle de convencionalidade deverá ser observado por via difusa (qualquer juiz ou Tribunal) e/ou concentrada (somente pelo STF). Nestas hipóteses será realizada uma confrontação entre o direito interno e as normas internacionais em direitos humanos, devendo haver a prevalência da norma que protege os direitos humanos.

De qualquer forma, a norma interna que estiver incompatível com o direito internacional, especialmente em matéria de direito humanos, mas não só nesses casos, será invalidada e deverá ser conformada ou adaptada aos compromissos assumidos pelo Estado. Pois, como bem afirma Sidney Guerra[4] citando Ernesto Rey Cantor:

[…] si en verdad la justicia de los hombres tendrá un futuro, este no podrá estar fuera de la protección de los derechos humanos; y estos derechos desde ahora se han convertido en una exigência sin fronteras – una exigência precisamente transnacional y tendientemente universal.” (CANTOR, 2008, p. 205)

Por fim, como bem salientou o vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, juiz Eduardo Ferrer, durante um evento realizado pelo CNJ em conjunto com o STF, a manutenção do controle de convencionalidade deve ser de observância obrigatória não somente do Poder Judiciário, mas para todos os órgãos que compõe a estrutura do Estado[5].

 


 

Referências Bibliográficas

[1] Ficha Técnica: Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. (s.d.). Fonte: Corte Interamericana de Direito Humanos: http://www.corteidh.or.cr/cf/jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=335&lang=es. Acesso em: 16.10.2017.

[2] Guerra, S. (s.d.). Controle de Convencionalidade. Fonte: Revista Jurídica – Unicuritiba: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/1994/1275. Acesso em: 20.10.2017.

[3] Ficha Técnica: Gomes Lund y otros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil. Fonte: Corte Interamerica do Direito Humanos: http://www.corteidh.or.cr/cf/jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=342&lang=esh. Acesso em: 10.10.2017

[4] Guerra, S. (s.d.). Controle de Convencionalidade. Fonte: Revista Jurídica – Unicuritiba: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/1994/1275. Acesso em: 20.10.2017.

[5] Zampier, D. Controle de convencionalidade deve ser do Estado, diz vice da Corte IDH. Fonte: Site do Conselho Nacional de Justiça: http://cnj.jus.br/noticias/cnj/82548-controle-de-convencionalidade-deve-ser-do-estado-diz-vice-da-corte-idh. Acesso em: 22.10.2017.

[6]  Mazzuoli, V. d. (s.d.). Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. Fonte:S enado Federal: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/194897/000861730.pdf. Acesso em: 19.10.2017.

[7] Humanos, C. d. (s.d.). Control de Convencionalidad. Fonte: Corte Interamericana de Derechos Humanos: http://www.corteidh.or.cr/sitios/libros/todos/docs/controlconvencionalidad8.pdf. Acesso em: 22.10.2017

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