terça-feira,16 abril 2024
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O contrato de vesting sob o olhar trabalhista

Coordenação: Francieli Scheffer H.

 

No mundo do empreendedorismo, a menção à startup traz a ideia de empresa jovem com aspecto inovador, que apesar das incertezas no seu desenvolvimento, o sucesso pode vir com imensa valorização financeira.

Peter Thiel, o fundador do PayPal define a startup como “o maior grupo de pessoas que você pode convencer sobre um plano para construir um futuro diferente. A principal força de uma nova empresa é pensar o novo (…) é questionar ideias pré-concebidas para repensar o negócio do zero”.

A recém-criada Lei Complementar nº 183 no art. 4º definiu as startups como “organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”.

Em regra, uma startup tem início com uma ideia, um conceito, uma solução, mas sem muito recurso financeiro, tendo como maior patrimônio a competência pessoal dos envolvidos naquele projeto.

O número de talentos em determinada empresa é o ativo mais significativo. Nos Estados Unidos o aumento de aquisições de startups nos últimos anos teve como um dos principais objetivos introduzir essas pessoas em outros projetos. Foi com essa visão que Mark Zuckerberg comentou certa vez: “Compramos empresas para conseguir pessoas excelentes”.

Neste sentido, algumas startups, para angariar e manter talentos têm se utilizado de recurso já bastante consolidado em países como os Estados Unidos, que é contrato de vesting, ou seja, um contrato de opção de compra com participação acionária da empresa, estando vinculado ao tempo de permanência, metas atingidas ou em modelo onde esses dois fatores estejam agregados.

A título de exemplo podemos mencionar a situação em que uma startup seja iniciada por um programador e alguém com competência em marketing. No entanto, eles necessitam de alguém na área comercial. Pois bem, essa pessoa pode se juntar à empresa como parceiro ou um empregado e, em ambos os casos, pode ser firmado o contrato de vesting.

Dessa forma o beneficiário pode ir “vestindo” um percentual societário, desde que a condição ocorra e ele exerça o seu direito de aquisição previsto no contrato.

Dentro do contrato de vesting é possível, portanto, prever cláusula de metas (milestones) onde as partes estabelecem condições objetivas que, ao serem atingidas, o beneficiário tem o direito de comprar quotas/ações com desconto, considerando o valor de mercado ou a valorização patrimonial.

Também é possível estabelecer como condição o prazo de permanência da pessoa na startup. Dessa forma, ele irá vestindo as ações ao longo do tempo, que geralmente é escalonado como, por exemplo, de 1 a 4 anos.

Pode ainda ser estipulada cláusula de aceleração, de modo que a pessoa tenha que obrigatoriamente “vestir” todas as ações de forma antecipada caso haja a ocorrência de alguns eventos, tais como abertura de capital, venda da startup, fusão ou aquisição.

São ainda cláusulas possíveis de se estabelecer as chamadas good leaver e bad leaver. No primeiro caso, a situação abarca a pessoa que se retira da empresa mantendo um bom relacionamento, sem desrespeitar qualquer regra estipulada pelas partes. Neste caso, a sua participação acionária será avaliada de acordo com o valor de mercado. A cláusula bad leaver é a previsão da saída da pessoa que transgride alguma regra, p. ex. demissão por justa causa. Dessa forma, o valor das cotas será calculado pelo preço contábil, ou seja, o que pagou por ela.

De acordo com Keila dos Santos, para que o contrato seja válido há necessidade de observação das formalidades como inclusão de opções de compra, documento que deve constar todas as condições, prazos, valores, metas, sigilo, não concorrência, consequências societárias em caso de falecimento e demais detalhes da relação contratual.

Tais contratos, como já mencionado, visam a retenção de talentos (sócios e trabalhadores), incentivando sua permanência ou mesmo angariar pessoas que atuem no negócio sem qualquer contraprestação mensal, visando o crescimento da startup. No caso do empregado, ao exercitar o direito, torna-se sócio da empresa, ainda que minoritário.

Uma cláusula complementar ao contrato de vesting é a chamada Cliff, nomenclatura derivada de cliffhanger, técnica narrativa utilizada em filmes, conhecida como o “gancho” para determinada situação. Pois bem, a cláusula Cliff é a previsão de tempo mínimo (geralmente um ano) para se atingir a primeira participação na sociedade, prevista no contrato de vesting.

É possível ainda, apesar de menos comum, a instituição do vesting reverso, que é a realização de um contrato onde a participação acionária já é efetivada desde o início da sua vigência, mas pode perder essa posição caso alguns eventos previstos no contrato venham ocorrer.

Em demandas trabalhistas, atualmente ainda é mais comum ouvirmos o termo stock option, mas este termo refere-se perante uma Sociedade Anônima, não necessariamente essa é a constituição da maioria das startups.

É importante traçar a diferenciação entre vesting e stock option. Para Leonardo Maciel Marinho, stock option é um plano de ações com o objetivo de aumentar o capital da empresa, sem modificação no estatuto social, aplicados nas sociedades anônimas para possibilitar oferecimento aos diretos dos empregados à compra de ações com preços já estipulados em caso de capital aberto. Possui previsão legal no artigo 168, parágrafo 3°, da Lei das Sociedades por Ações, na medida em que o vesting é um mecanismo que possibilitará a aquisição de direitos dentro de determinado negócio.

Além disso, existe grande diferença em termo de governança, pois em uma Sociedade Anônima, exercendo a aquisição das ações é provável que não haja tantos direitos como sócio, ao se comparar como uma sociedade limitada, mas poderá receber bons dividendos.

A possibilidade de empregados poderem exercer o direito de compra de ações do empregador não é tema novo em ações trabalhistas. O mais comum até o momento é, como já dito, o termo stock options, tendo a empresa a liberdade para instituir as normas para a sua concessão[1].

Na Câmara dos Deputados tramita o PL 286/2015 que acrescenta à CLT o art. 458-A dispondo sobre a concessão de opções de ação (stock option) e ainda estabelecendo regras sobre quando essa participação acionária tem natureza salarial ou não, um dos temas discutidos em ações judiciais.

Outro tema bastante polêmico é da ocorrência de rescisão do contrato, pelo empregador, sem justa causa e o impedimento do exercício do direito de aquisição da participação acionária.

O posicionamento atual é que o plano de opção de aquisição de cotas ou de ações gera ao trabalhador somente uma expectativa, não incorporando ao patrimônio do empregado quando da assinatura do contrato e, se não mencionada qualquer garantia de emprego, o empregador possui direito de romper o contrato de trabalho sem necessidade de pagamento de qualquer indenização a este título.

No âmbito das startups o contrato de vesting está sendo utilizado com bastante frequência para as situações em que há interesse do trabalho da pessoa, mas não existem recursos para o pagamento de um salário. Dessa forma, o referido contrato é estabelecido como forma de vincular o trabalhador ao projeto com a promessa de inclusão no contrato social conforme as formas contratuais já mencionadas acima.

Claramente o maior risco que está presente para a startup é, diante da frustração dos objetivos anteriormente estabelecidos, sofrer com uma ação trabalhista em que se pleiteia o vínculo de emprego pela pessoa que prestou os serviços.

No caso concreto, devem ser analisados os elementos fáticos que precederam a contratação, ou seja, se havia a intenção da pessoa em se unir à sociedade como sócio futuramente, se foi uma das componentes do grupo que pensou em conjunto a solução objetivada pela startup e ainda a forma com que as relações se desenvolviam no dia a dia.
Dessa forma, deve ser aplicado o princípio da primazia da realidade e, neste aspecto, poderá ser declarada a fraude contratual caso estejam presentes os requisitos da relação de emprego.

 


Referências

[1] TRT-3 – RO: 00100460620195030024 MG 0010046-06.2019.5.03.0024, Relator: Marcio Jose Zebende, Data de Julgamento: 14/07/2020, Sétima Turma, Data de Publicação: 15/07/2020. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 1019. Boletim: Sim

 

NYBO, Erik Fontenele. O que é e como funciona o Vesting reverso. 2018. Disponível em: https://startupi.com.br/2018/01/vesting-reverso/.
NYBO, Erik Fontenele. Como funciona e o que é um contrato de vesting. Disponível em: https://startupi.com.br/2016/09/como-funciona-e-o-que-e-um-contrato-de-vesting/.
MARINHO, Leonardo Maciel. Manual Jurídico das Startups. 1 ed. São Paulo: Scortecci, 2019.
SANTOS, Keila. Desmistificando o vesting. 2017. Disponível em http://www.direitoenegocios.com/7627-2/.
DIAS, Caue Fernando de Menezes. A Perda de Participação Societária Imposta pelo Vesting Reverso no Sistema Societário Brasileiro. Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, 2019.
THIEL, Peter. Zero to one: notes on startups, or how to build the future. New York: Crown Publishing Group, 2014, p.10-11.
Kim, J. Daniel, Startup Acquisitions as a Hiring Strategy: Worker Choice and Turnover (March 1, 2020). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3252784 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3252784

Advogado e professor. Doutorando em Ciências Farmacêuticas, Mestre em Direito da Saúde e especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

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