sexta-feira,19 abril 2024
ColunaTrabalhista in focoO Compliance trabalhista e a mitigação do assédio moral

O Compliance trabalhista e a mitigação do assédio moral

Coordenação: Ana Claudia M. Pantaleão

 

Sabe-se que o conceito de ética surgiu na Grécia Antiga, no século V a.C., momento em que estudiosos buscavam entender as formas de comportamento humano e daí em diante diversas teorias e filosofias a respeito da ética foram se desenvolvendo.

Fato é que é um tanto quanto (DES)prazeroso ser necessário que regras de boa conduta sejam formalizadas para se evitar qualquer atitude ilegal, equivocada ou perturbadora. O ser humano, na sua essência, já deveria agir corretamente, mas tal utopia não existe e torna-se imprescindível que alguns regramentos, que deveriam ser óbvios, sejam ditados.

Assim, tem-se que o Compliance surgiu, exatamente, com tal intuito, criando controle e regras, mitigando riscos e auxiliando na melhor desenvoltura tanto da empresa quanto dos colaboradores internos e externos.

Com origem no Estados Unidos o Compliance surgiu em 1913 e tal instituto começou a ter forte visibilidade no Brasil apenas em 2013, já demonstrando o atraso na preocupação com o ético.

Para que o programa de integridade seja frutífero, deve ele ser endossado por 10 (dez) pilares, extremamente, importantes, sendo: [i] suporte da alta administração; [ii] avaliação de riscos; [iii] adoção de um código de ética e conduta; [iv] mecanismos de controle interno; [v] treinamento e comunicação; [vi] canais de denúncia; [vii] investigações internas; [viii] due diligence; [ix] auditoria e monitoramento do programa; e [x] diversidade e inclusão.

Não basta, contudo, a inserção genérica de um programa de compliance no seguimento, sendo certo que toda empresa possui sua especificidade que demanda ser analisada para criação de um programa direcionado e eficaz.

Conforme pesquisa realizada pela Amcham, Câmara americana que integra o Brasil, no 3º Seminário de Compliance e Gestão de Risco ocorrido em 27 de julho de 2016, desde a promulgação da Lei Anticorrupção 73% (setenta e três por cento) das empresas passaram a aderir a um programa de integridade:

“Desde que a lei anticorrupção (12.846) foi promulgada em 2013, é crescente o número de empresas que estão se adequando às práticas de compliance. Conforme sondagem da Amcham realizada em tempo real no evento, 73% das empresas presentes informaram já possuir um programa formal de integridade corporativa.

De acordo com a lei, a existência de programas efetivos de compliance pode reduzir em até 4% o valor da multa de uma empresa acusada de práticas ilícitas. “Mecanismos de integridade têm força para reduzir substancialmente uma multa, visto que a penalidade máxima chega a 20% do faturamento bruto”, destaca.

Porém, mais do que uma exigência legal, os programas de integridade estão se tornando um diferencial competitivo, na opinião de Nóbrega. “Eles estão valorizando as empresas no mercado e se transformando em ativos para elas.””

A partir do momento que uma pessoa jurídica passa a adotar um programa de integridade, várias são as áreas da organização que podem ser compreendidas, tais como “jurídicas e não jurídicas, (gerenciais) que serão abrangidas pelas políticas da empresa, desde o combate à corrupção até relações interpessoais de seus colaboradores e destes com os stakeholders.” KRUPPA, Roberta; GONÇALVES Anselmo, Revista Direito FAE. Compliance Trabalhista.

Um programa de compliance, além de dar efetividade ao cumprimento das normas jurídicas, contribui para o atingimento da função social e socioambiental previstos na Constituição Federal, Artigo 5º, inciso XXIII, Artigo 170, incisos III e VI e Artigo 225 e ainda beneficia a empresa ao reduzir as penalidades pelas autoridades competentes quando evidenciado o efetivo cumprimento do normativo, além de impactar na sua reputação de uma maneira bastante positiva perante os stakeholders, consumidores e o poder público quando instado em processos licitatórios.

Na seara trabalhista, o enfoque é voltado aos cumprimentos das normas trabalhistas evitando-se, assim, a responsabilização da empresa, seja de ordem judicial ou administrativa, tais como Reclamações Trabalhistas, Autos de Infrações, Ações Civis Públicas, dentre outras. Neste sentido, vale mencionar o trecho defendido por Andrade Ferreira citado no artigo escrito por Roberta Potzik e Anselmo Gonçalves:

“Pode ser utilizado para se evitarem ou se minimizarem, em especial (mas não somente): riscos da empresa tomadora de serviços em relações com empresas terceirizadas (ajudando a certificar que as terceirizadas também irão cumprir as normas que devem ser observadas); problemas com assédios moral e sexual, com questões de saúde e de segurança no trabalho, brigas entre funcionários, comportamentos inusitados, punições disciplinares (corretos meios de aplicações de advertências, suspensões e dispensas por justa causa), o uso inadequado da Internet e de e-mails corporativos, a implementação de técnicas de gestão consideradas abusivas pela Justiça do Trabalho e, até mesmo, mais amplamente, para reduzir-se a geração de passivos trabalhistas mais típicos, como horas extras não registradas e, consequentemente, não pagas, desvios ou acúmulos indevidos de funções situações de equiparação salarial, por exemplo. Além disso, como mencionado, evita-se, em especial, o cometimento dos crimes contra a Organização do Trabalho. (ANDRADE; FERREIRA 2017, p. 77)”. (grifos nossos)

Incontáveis são os benefícios a serem identificados com a implementação de um programa de compliance trabalhista, podendo citar que a promoção de um ambiente saudável para os funcionários propicia uma melhor produtividade com aumento da qualidade de vida e diminuição da utilização de benefícios sociais (caóticos), tais como auxílios previdenciários ou seguro-desemprego, por exemplo, revelando ser benéfico, ainda, para a sociedade.

Além disso, é indene que um programa eficiente de compliance visa mitigar o Assédio Moral, tema rankeado pelo Tribunal Superior do Trabalho como sendo um dos assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho[3]. Em 2018 foram ajuizadas 56.160 ações; em 2019 houve um aumento exponencial para 112.022 novos pleitos, além das 4.786 ações pleiteando indenização por assédio sexual. Em 2020, o número foi de 68.635, talvez em decorrência do afastamento de muitos trabalhadores do local de trabalho, em razão da imposição do isolamento social pela pandemia da Covid-19.

O tema comporta tamanha visibilidade que o dia 2 de maio foi declarado como o Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral, e o próprio Tribunal Superior do Trabalho em conjunto com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho lançou a campanha “Pare e repare: por um ambiente de trabalho mais positivo” divulgando ao público de uma maneira bastante didática e visual o que é o assédio moral, causas, consequências, forma de prevenção e atitudes a serem tomadas pela vítima, além de propor atividades para testar os conhecimentos.

Tal campanha foi amplamente divulgada e, através do Ato Conjunto TST.CSJT.GP nº 8, de 21 de março de 2019, instituiu a Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral no Tribunal Superior do Trabalho e no Conselho Superior da Justiça do Trabalho prevendo em seus Artigos 3º e 4º os fundamentos e diretrizes da referida política.

Vale notar que referido Ato Conjunto nada mais é do que um programa de compliance voltado ao combate de assédio moral no Tribunal Superior do Trabalho e no Conselho Superior da Justiça prevendo a forma de implementação, canal de denúncia, tratamento da denúncia, entre outros. Inobstante ser um Ato Conjunto, é fato que o ambiente laboral é semelhante a todo e qualquer empreendimento, o que demanda controle, regramentos, políticas evitando-se, assim, situações de assédio moral, por exemplo.

O assédio moral que acomete o funcionário acaba por gerar o sentimento de inutilidade e fracasso causado pela pressão psicológica, não apenas gerando desconforto, mas também representa prejuízo moral incompatível com os fundamentos do Estado Democrático de Direito. Ameaças de desemprego, xingamentos, humilhações e cobranças excessivas por meio de repetidas condutas assediadoras não mais podem ser toleradas.

Os abalos psíquicos que surgem em decorrência de pressão desmesurada do empregador (abuso do poder diretivo) são de difícil reversão ou até mesmo irrecuperáveis, mesmo com tratamento psiquiátrico adequado, podendo culminar, até mesmo, em incapacidade laboral.

Atenta-se ao fato de que, além da observância ao meio ambiente de trabalho seguro e saudável, conforme assegura a Constituição Federal, imprescindível considerar, ainda, que cada indivíduo deve ser respeitado em sua singularidade. Daí a necessidade de se ajustar o contexto ocupacional à capacidade, necessidade e expectativas razoáveis de cada trabalhador.

Ora, o ambiente de trabalho deve propiciar a valorização da vida e da plenitude das condições de trabalho e não o risco de incapacidade funcional da laborista, pois a força do trabalho é o único bem de que o empregado dispõe como fonte de renda para a sua sobrevivência e de sua família, devendo o empregador adotar medidas preventivas para evitar sequelas, tais como a que acometeu o Reclamante, sob pena de configuração de culpa por omissão, como no caso em pauta.

São as condutas preventivas que se mostram opções inteligentes e de maior eficácia frente ao risco iminente de práticas no ambiente laboral relacionadas ao assédio, sendo certo que o compliance trabalhista torna-se método imprescindível para mitigar tais riscos.

 


Bibliografia 
Matéria: BRASIL PASSA POR MOMENTO IDEAL PARA FORTALECER A CULTURA DE COMPLIANCE, DIZ CORREGEDOR. Disponível em: https://www.amcham.com.br/noticias/competitividade/brasil-passa-por-momento-ideal-para-fortalecer-a-cultura-de-compliance-diz-corregedor-1819.html

http://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes

https://www.controladoria.go.gov.br/not%C3%ADcias-correi%C3%A7%C3%A3o/15566-02-de-maio-dia-nacional-de-combate-ao-ass%C3%A9dio-moral.html

https://www.tst.jus.br/documents/10157/55951/Cartilha+ass%C3%A9dio+moral/573490e3-a2dd-a598-d2a7-6d492e4b2457

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/152330/2019_atc0008_tst_csjt.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Advogada, consultora em Compliance, pós-graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela PUC-SP e em Direito Processual Civil pela Universidade Mackenzie. Mestranda em compliance pela Ambra University.

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