quinta-feira,28 março 2024
ColunaTrabalhista in focoO cabimento da ação rescisória por erro de fato

O cabimento da ação rescisória por erro de fato

Coordenação: Ana Claudia Martins Pantaleão

Muitas são as discussões acerca do cabimento da ação rescisória por erro de fato na justiça do trabalho, então, qual seria a melhor forma de configurar o cabimento no caso de uma ação trabalhista?

Normalmente, a ação rescisória terá por objeto a rescisão de decisão de mérito e quando se tratar de erro de fato, estará fundamentada no artigo 966, VIII, §1º do CPC.

O artigo 966 do CPC disciplina que:

“A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (…)

VIII – for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido (…)”

Pois bem, o erro de fato previsto no inciso VIII do artigo 966 do CPC, capaz de ensejar ação rescisória é aquele decorrente de suposição inexata, de erro de percepção do juiz e que traz consequências jurídicas que não estão evidenciadas pelas provas e fatos.

O professor Raimundo Simão de Melo entende que para configuração do erro de fato devem ser observados alguns requisitos, não se prestando a ação rescisória para reexame de fatos e provas, vejamos seu entendimento:

“Com base na lei, a doutrina sedimentou quatro requisitos para o cabimento da ação rescisória baseada no inciso VIII do artigo 966 do CPC, sob alegação do erro de fato, como preleciona Nelson Nery Júnior:

“Devem estar presentes os seguintes requisitos para que se possa rescindir sentença por erro de fato: a) a sentença deve estar baseada no erro de fato; b) sobre ele não pode ter havido controvérsia entre as partes; c) sobre ele não pode ter havido pronunciamento judicial; d) que seja aferível pelo exame das provas já constantes dos autos da ação matriz, sendo inadmissível a produção, na rescisória, de novas provas para demonstrá-lo” (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, 9ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 681 — grifos do autor).

No mesmo sentido sentenciou José Carlos Barbosa Moreira, in verbis:

“Quatro pressupostos hão de concorrer para que o erro de fato dê causa à rescindibilidade: a) que a sentença nele seja fundada, isto é, que sem ele a conclusão do juiz houvesse de ser diferente; b) que o erro seja apurável mediante o simples exame dos documentos e mais peças dos autos, não se admitindo de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz, ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente; c) que não tenha havido controvérsia sobre o fato (§ 2º); d) que sobre ele tampouco tenha havido ‘pronunciamento judicial’ (§ 2º)” (José Carlos Barbosa Moreira, in “Comentários ao CPC, Volume V – Arts. 476 a 565”, 11ª ed., Ed. Forense, p. 148/149).

O erro de fato delineado pelo §1º do artigo 966 do CPC deve ser compreendido como um erro de apreciação ou de percepção da prova trazido aos autos do processo. Não se admite rescisória pela simples valoração ou interpretação do acervo probatório, pois o erro de fato a que se refere o CPC não consiste em erro de valoração ou de interpretação sobre a subsistência ou relevância de um fato, mas consubstancia-se em falsa percepção dos sentidos, de tal sorte que o juiz supõe a existência de um fato inexistente ou a inexistência de um fato realmente existente.

O erro de fato supõe fato suscitado e não resolvido. O fato não alegado fica superado pela eficácia preclusiva do julgado — tantum iudicatum quantum disputatum debeat (artigo 474, do CPC/73). Em consequência, o erro que justifica a rescisória é aquele decorrente da desatenção do julgador quanto à prova, não o decorrente do acerto ou desacerto do julgado em decorrência da apreciação dela, porquanto a má valoração da prova encerra injustiça, irreparável pela via rescisória (REsp 839.499/MT, relator ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 20/09/2007, p. 234).

É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato alegado pela parte.

“Erro de fato se dá, por outras palavras, quando existe nos autos elemento capaz, por si só, de modificar o resultado do julgamento, embora ele não tenha sido considerado quando de seu proferimento ou, inversamente, quando leva-se em consideração elemento bastante para o julgamento que não consta dos autos do processo” (REsp 218.079/CE, relator ministro Hélio Quaglia Barbosa, 4ª Turma, DJ 28/05/2007, p. 342).

Portanto, não é possível, em sede de ação rescisória, buscar o reexame das provas, com base nas quais o juízo formou sua convicção em relação aos fatos relevantes e controvertidos do processo. Não cabe ação rescisória para melhor exame da prova dos autos”. (fonte: https://www.conjur.com.br/2021-mai-21/reflexoes-trabalhistas-erro-fato-acao-rescisoria – acesso em 30/01/2023).

O erro de fato delineado pelo §1º do artigo 966 do CPC deve ser compreendido como um erro de apreciação ou de percepção da prova trazido aos autos da ação originária.

Como dito pelo professor Raimundo Simão de Melo “Não se admite rescisória pela simples valoração ou interpretação do acervo probatório, pois o erro de fato a que se refere o CPC não consiste em erro de valoração ou de interpretação sobre a subsistência ou relevância de um fato, mas consubstancia-se em falsa percepção dos sentidos, de tal sorte que o juiz supõe a existência de um fato inexistente ou a inexistência de um fato realmente existente”.

Desta forma, a ação rescisória será baseada em erro de fato, bastando, para tanto que o juiz declare inexistente um fato realmente existente ou existente um fato inexistente.

O erro de fato caracteriza-se pela existência de fato suscitado e não resolvido, que é o caso do exemplo acima.

A jurisprudência pacífica do C.TST constante da Orientação Jurisprudencial nº 136, da SDI-2, dispõe que:

OJ-SDI2-136 AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. CARAC-TERIZAÇÃO (atualizada em decorrência do CPC de 2015) – Res. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016. A caracterização do erro de fato como causa de rescindibilidade de decisão judicial transitada em julgado supõe a afirmação categórica e indiscutida de um fato, na decisão rescindenda, que não corresponde à realidade dos autos. O fato afirmado pelo julgador, que pode ensejar ação rescisória calcada no inciso VIII do art. 966 do CPC de 2015 (inciso IX do art. 485 do CPC de 1973), é apenas aquele que se coloca como premissa fática indiscutida de um silogismo argumentativo, não aquele que se apresenta ao final desse mesmo silogismo, como conclusão decorrente das premissas que especificaram as provas oferecidas, para se concluir pela existência do fato. Esta última hipótese é afastada pelo § 1º do art. 966 do CPC de 2015 (§ 2º do art. 485 do CPC de 1973), ao exigir que não tenha havido controvérsia sobre o fato e pronunciamento judicial esmiuçando as provas.

Conclui-se, portanto, que o erro de fato acontece quando a decisão que se pretende rescindir considerar fato que não responde à realidade, sendo, necessário, ainda, que sobre este fato não existam questionamentos ou controvérsias.

Vejamos o entendimento jurisprudencial:

AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. Constatada a ocorrência de erro de fato na sentença rescindenda, tendo em vista que ali foi considerado inexistente fato efetivamente ocorrido (art. 966, § 1º, do CPC), a mesma há de ser rescindida, a fim de que novo julgamento seja proferido . Ação rescisória admitida e julgada procedente.  (TRT-11 – AR: 00004810520185110000, Relator: JORGE ALVARO MARQUES GUEDES, Data de Julgamento: 12/06/2019, Seção Especializada I, Data de Publicação: 17/06/2019)

AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. CABIMENTO. ACÓRDÃO LÍQUIDO. CONTRADIÇÃO ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A CONTA DE LIQUIDAÇÃO QUE O INTEGRA. Conforme jurisprudência do C. TST, é cabível a ação rescisória para corrigir contradição entre a parte dispositiva do acórdão rescindendo e sua fundamentação, por erro de fato. Referido entendimento é aplicável à hipótese dos autos, em que ocorreu flagrante contradição entre a fundamentação do acórdão líquido e a conta de liquidação que o integra, configurando, assim, erro de fato do julgado, que autoriza a sua rescisão, conforme inciso VIII do art. 966 do CPC. Ação rescisória julgada procedente. (TRT-23 00001846220185230000 MT, Relator: JOAO CARLOS RIBEIRO DE SOUZA, Gab. Des. João Carlos, Data de Publicação: 12/02/2019)

AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA. ERRO DE FATO. Para a caracterização da hipótese de corte rescisório, por violação manifesta à norma jurídica, necessária a ocorrência de violação, de forma explícita, à literalidade de dispositivo de lei. Na espécie, somente se autoriza o corte rescisório quando a decisão objeto da ação portar afirmativa contrária a texto de lei, portanto, contra legem. Com efeito, para a desconstituição de decisão transitada em julgado, em respeito ao princípio da segurança jurídica, o vício deve ser de tal gravidade que justifique o corte rescisório, de forma a prevalecer o interesse da justiça sobre o da segurança, obtido por meio da coisa julgada. Na espécie, considerando a declaração de hipossuficiência acostada nos autos da ação subjacente, bem como os comprovantes de pagamento de salário, atestando a percepção de salário mensal inferior a 40% do teto da Previdência Social, a sentença rescindenda, ao indeferir o pedido de benefício da justiça gratuita, violou manifestamente os §§ 3º e 4º do art. 790 da CLT, bem como o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Reconhecido, também, o erro de fato, porquanto a decisão rescindenda admitiu fato inexistente, qual seja, perceber a trabalhadora salário superior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do RGPS. Ação rescisória julgada parcialmente procedente. (TRT-4 – AR: 00205461120215040000, Data de Julgamento: 24/07/2021, 2ª Seção de Dissídios Individuais)

AÇAO RESCISÓRIA JULGADA PROCEDENTE COM FULCRO NO INCISO IX,DO ARTIGO 485, DO CPC. ERRO DE FATO OCORRIDO EM RELAÇAO AO AVISO PRÉVIO INDENIZADO, MULTA DE 40% DO FGTS E INDENIZAÇAO DO SEGURO-DESEMPREGO. Pleiteia a autora a desconstituição da r. sentença de primeiro grau, sob alegação de que o MM. Juízo de primeiro grau proferiu a r. sentença rescindenda em evidente erro de fato. Razão assiste à autora, pois, embora, o MM. Juízo de origem tivesse reconhecido que o reclamante trabalhou no período de aviso prévio, condenou a reclamada no pagamento do aviso prévio indenizado. Por outro lado, o D. Juízo de origem reconheceu como válidos os documentos de fls.70 e 72 dos autos originários, documentos estes que comprovam que o reclamante, ora réu, pediu demissão do emprego, razão pela qual não poderia a reclamada, ora autora, ter sido condenada no pagamento da multa de 40% do FGTS e indenização correspondente ao seguro-desemprego, pelo que conclui-se que o r. decisum rescindendo foi proferido em evidente erro de percepção.Ação Rescisória julgada procedente. (TRT-2 – AR: 11940200400002005 SP 11940-2004-000-02-00-5, Relator: VANIA PARANHOS, Data de Julgamento: 11/09/2008, SDI, Data de Publicação: 01/10/2008)

AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. EXISTENTE. PROCEDENTE O PEDIDO DE CORTE RESCISÓRIO. Constata-se, na hipótese, que a sentença a que se pretende rescindir decidiu questão incontroversa, sobre a qual não foram expostos quaisquer fundamentos, além de não ter sido observada a prova apresentada nos autos originários, incidindo, o MM Julgador originário, em erro de fato, à luz do que disposto no art. 966, VIII, do CPC. Ação rescisória julgada procedente. (Processo: AgRT – 0001244-73.2020.5.06.0000, Redator: Carmen Lucia Vieira do Nascimento, Data de julgamento: 12/04/2021, Tribunal Pleno, Data da assinatura: 15/04/2021) (TRT-6 – AGR: 00012447320205060000, Data de Julgamento: 12/04/2021, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 15/04/2021)

AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. PROCEDÊNCIA. Nos termos do § 1º, do artigo 966 do CPC/2015, in verbis : “Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado”. Assim, o erro de fato, como causa de rescisão de decisão transitada em julgado, é um erro de percepção do juiz sobre questão relevante para o deslinde da causa, não um mero erro de julgamento. E, no caso em exame, as datas limites do contrato de trabalho da empregada, muito embora relevantes para a realização dos cálculos de liquidação, não foram objeto de pronunciamento pelos julgadores na ação originária. Ação rescisória julgada procedente. (TRT-3 – AR: 00123978720205030000 MG 0012397-87.2020.5.03.0000, Relator: Rodrigo Ribeiro Bueno, Data de Julgamento: 21/06/2021, 2a Seção de Dissídios Individuais, Data de Publicação: 25/06/2021.)

Um exemplo de ocorrência de erro de fato se verifica no julgado abaixo:

“(….) Por outro lado, consta na qualificação da ré, tanto na petição inicial da ação originária quanto na procuração, que é aposentada. E, nos termos do § 1º, do art. 272 da Instrução Normativa 45/2010 do INSS, “O PPP substitui o formulário para comprovação da efetiva exposição dos segurados aos agentes nocivos para fins de requerimento da aposentadoria especial, a partir de 1º de janeiro de 2004, conforme inciso IV do art. 256”. Tais circunstâncias evidenciam que a requerida carece de interesse de agir quanto à pretensão de receber o LTCAT, havendo erro de percepção na decisão rescindenda, capaz de, por si só, comprometer o julgamento do pedido. (…)” (TRT-2 10009735820205020000 SP, Relator: MARGOTH GIACOMAZZI MARTINS, SDI-3 – Cadeira 7, Data de Publicação: 25/08/2020)

Diante do exposto, verifica-se que o art. 966, VIII, do Código de Processo Civil autoriza a rescisão por erro de fato, devendo ser observado se não houve controvérsia entre as partes, nem pronunciamento judicial e, ainda, que seja verificável pelo exame das provas já constantes dos autos da ação cuja decisão pretende-se rescindir.

Vale salientar que a Súmula 514 do E. STF dispõe que: “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos”.

Advogada com 20 anos de experiência. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie e em Administração e Direito do Terceiro Setor pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -