quinta-feira,28 março 2024
ColunaDiálogos ConstitucionaisO Banco Central e a Constituição Federal: uma análise contemporânea

O Banco Central e a Constituição Federal: uma análise contemporânea

A economia para ser sustentável e consistente deve incentivar a inovação, o crescimento da produtividade e da poupança. Somente com o equilíbrio dos fundamentos macroeconômicos (política fiscal e monetária) pode-se chegar a um crescimento econômico. O progresso não é um programa de governo. Portanto, cabe ao BACEN, exclusivamente zelar pela estabilidade monetária (ausência de inflação, estabilidade das taxas de câmbio, etc.), enquanto instituição autônoma, livre de toda pressão política, não podendo, portanto, ser um arremedo do executivo.

Palavras-chave: Sistema financeiro nacional, Banco central e Constituição federal.

Introdução

Mais importante do que a discussão dos prós e contras de uma autonomia do banco central no cenário econômico, é a de analisar o perfil ideal dessa instituição no mundo contemporâneo e à luz da atual Carta.

Este foi o principal objetivo do artigo. Como veremos, o banco central contemporâneo deve ostentar as seguintes características: credibilidade, continuidade, consistência e seja acima de tudo democrático.

No final do trabalho chegamos à conclusão que só com o equilíbrio dos fundamentos macroeconômicos (política fiscal e monetária) pode-se chegar a um crescimento econômico, cabendo ao BACEN zelar pela estabilidade econômica, enquanto instituição autônoma, livre de toda pressão política, não podendo, portanto, ser um arremedo do executivo.

O que é o Banco Central?

Pode ser conceituado como uma instituição financeira governamental designada a supervisar o sistema bancário e regular a quantidade de moeda da economia [1].

Na Inglaterra, as funções de banco central são exercidas pelo Bank of England; na França, pelo Banque de France; nos EUA, pelo Federal Reserve System; no Brasil, pelo Banco Central do Brasil.

Natureza e fundamento jurídico do Banco Central no Brasil

O artigo 8° da Lei n° 4595 [2] instituiu o banco central como uma autarquia federal [3], com personalidade jurídica e patrimônios próprios.

O inciso VII do artigo 21 da Carta Magna aduz que compete exclusivamente à União emitir moeda e a ela cabe legislar sobre sistema monetário.

Essas normas se completam com a previsão do artigo 164 do mesmo diploma, de conformidade com o qual a sua competência para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo banco central [4], vedado a este conceder, direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou entidade que não seja instituição financeira; com isso a Casa da Moeda passará a ser uma dependência do BACEN, a que se faculta, outrossim, a compra e venda de títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros.

A nomeação do presidente e dos diretores do BACEN pelo presidente da república está condicionada à aprovação pelo Senado Federal (artigos 84, inciso XIV c.c. o 52, inciso III, alínea “d”, ambos da Carta Magna).

Todavia, o texto constitucional não estabelece a obrigação de o chefe do Poder Executivo comunicar ao Congresso Nacional o fato e as razões da exoneração de um presidente, ou diretor da instituição. Ademais, remete para Lei complementar, entre outros temas fundamentais, “os requisitos para a designação de membros da diretoria do banco central e demais instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do cargo” – artigo 192, inciso V, da Carta Política.

No caso brasileiro, o BACEN é uma autarquia e já conta, nos termos da legislação vigente (Lei n° 4595), com autonomia patrimonial (artigo 16) e autonomia operacional ( artigos 10 e 11) para a execução de política. Contudo, estaria faltando à autonomia administrativa, ou seja, a definição de mandatos fixos para seu presidente e diretores, bem como a instituição de mecanismos e instrumentos de prestação de contas à sociedade.

Funções

As funções do BACEN estão elencadas nos artigos 10 e 11 da Lei n° 4595. Entre as principais atribuições de competência do Banco Central do Brasil, são destacadas:

a. Superintendente do sistema financeiro nacional. Fiscaliza as instituições financeiras, aplicando, quando necessário, as penalidades previstas em lei. Essas penalidades podem ir desde uma simples advertência aos administradores até a intervenção para saneamento ou liqüidação extrajudicial da instituição; concede autorização às instituições financeiras, no que se refere ao funcionamento, instalação ou transferência de suas sedes, e aos pedidos de fusão e incorporação.

b. Banco dos bancos. Realiza e controla as operações de redesconto e as de empréstimos dentro do âmbito das instituições financeiras bancárias, além de supervisionar os serviços de compensação de cheques entre instituições financeiras.

c. Executor de política monetária. Executa operações de política monetária, à medida que regula a expansão dos meios de pagamento, elaborando o orçamento monetário e utilizando os instrumentos de política monetária (administração das taxas dos recolhimentos compulsórios, dos redescontos de liqüidez e das operações de compra e venda de títulos públicos no mercado aberto).

d. Emissor de moeda. Executa a emissão do dinheiro e controla a liquidez do mercado.

e. Banqueiro do governo. Efetua as operações de compra e venda de títulos públicos e federais; o controle do crédito, de capitais estrangeiros e recebe os depósitos compulsórios dos bancos.

Origem das discussões sobre a autonomia do Bacen no Brasil

As experiências de hiperinflação ao longo da transição democrática brasileira, foram traumáticas e prejudiciais a sociedade, em especial aos trabalhadores assalariados cujos rendimentos eram corroídos diariamente pela inflação. Em suma, reduziu as expectativas associadas ao bem-estar econômico dos brasileiros e à democracia do país.

Por este motivo, a estabilidade de preços passou a ser reconhecida como um bem público de primeira ordem – depois de uma série de planos econômicos (Plano Cruzado I e II, Bresser, Verão e Cruzado Novo) que não lograram êxito no combate à inflação – refletindo uma clara transformação das preferências sociais e dos critérios de legitimação política.

No início dos anos 90, o Brasil havia intensificado os processos de abertura ao exterior, de fomento às privatizações, de renegociação da dívida externa e de desregulamentação do mercado. Todavia, a estabilização permanecia como um desafio resistente às varias tentativas de eliminação da inflação (Plano Collor).

Nos últimos anos, a partir da edição do Programa de Estabilização Econômica, por meio da Lei n° 8880 [5] de 27/05/94, mais conhecido como Plano Real iniciaram-se discussões sobre a função do BACEN e, em conseqüência, do seu grau de autonomia. Até então, uma novidade, haja visto que ao longo da história a referida instituição sempre foi um instrumento de apoio às políticas voltadas para o desenvolvimento econômico (ótica desenvolvimentista), sendo para tanto, totalmente submisso a autoridade do chefe do Executivo.

Nesse sentido, o Plano Real provocou uma reformulação do papel do BACEN na economia. Segundo esse novo plano, era necessário outorgar a referida Instituição, autonomia (que se deu através de uma decisão política, e não de uma restrição institucional) para que possa cumprir com a sua função: garantir a estabilidade monetária (única e exclusiva ótica monetarista).

O jurista Jairo Saddi [6] comenta:

“Com as crescentes dúvidas em relação ao emprego, aos altos juros, na esteira da CPI dos bancos e com a incerteza generalizada que se tem no cenário brasileiro, volta-se a indagar para que serve um banco central: se para garantir apenas a estabilidade monetária, como querem os “monetaristas” ou se para servir de instrumento auxiliar do desenvolvimento econômico, como preferem os “desenvolvimentistas”

Estas discussões acirraram-se na ocasião, no contexto da persistente vigência de elevadas taxas de juros, do aumento do desemprego, e do desenvolvimento dos trabalhos de duas CPI’s no Congresso Nacional: a do Sistema Financeiro, no Senado federal, e a do PROER, na Câmara dos Deputados.

Conceito de autonomia administrativa

Antes de analisarmos os prós e contras de uma autonomia administrativa do BACEN, é mister primeiro, analisar o conceito de autonomia, termo este usado, no meio econômico financeiro, sem a devida precisão conceitual: a maioria dos analistas considera os termos “autonomia” e “independência” como sinônimos ou equivalentes, o que não condiz à concepção jurídica dada aos vocábulos.

De forma esclarecedora, leciona Jairo Saddi [7]:

“Autonomia… pressupõe a idéia composta de direção própria, de agir ou deixar de agir, de possuir a faculdade de organização, administrativa e juridicamente. A noção de autonomia pode ser expressa também como a direção própria daquilo que é próprio. Já independência, é uma faculdade incondicional, não hierárquica, caracterizada pela não subordinação recíproca entre aqueles que exercem o poder; não sofre interferências, influências ou ingerências de outros elementos externos e tem assegurada legalmente suas atribuições de formas privativas e exclusivas. Um banco central independente puro é aquele que pode propor e implementar qualquer política monetária sem discussões prévias com o Executivo, o Legislativo ou qualquer outro grupo de interesse. Assim, a independência pressupõe a auto-suficiência absoluta, enquanto a autonomia é apenas uma faculdade dada a um órgão da administração…”

Do exposto, conclui-se que o termo “independência” do BACEN, vem sendo empregado inapropriadamente, uma vez que independentes, no estrito senso, são apenas os três Poderes do Estado. Portanto, no presente trabalho adotaremos o termo correto: AUTONOMIA.

Argumentos favoráveis à autonomia administrativa

Os argumentos favoráveis à autonomia administrativa do BACEN podem ser elencados da seguinte forma:

a. Estabilidade monetária. A autonomia do BACEN com relação ao governo apoia-se na necessidade de manter a estabilidade do dinheiro (ausência de inflação, estabilidade das taxas de câmbio, etc.); e suspeita-se que esta não poderá ser conseguida se o governo tiver em suas mãos o processo de criação de dinheiro, devido aos interesses e pressões políticas inerentes ao Executivo (ideais populistas, a busca pela reeleição a qualquer custo, etc.) prejudiciais a uma política de estabilização monetária de longo prazo.

Nesse sentido, afirma o respeitado Professor Frederic S. MishKin [8] da Columbia University:

“O argumento mais forte para a independência do Federal Reserve é a visão de que sujeitar o Fed a mais pressões políticas daria um viés inflacionário à política monetária. Na visão de muitos observadores, os políticos de uma sociedade democrática são míopes porque são guiados pela necessidade de vencer as eleições seguintes. Com isto como principal objetivo, é improvável que se concentrem em objetivos de longo prazo, como promover um nível estável de preços. Em vez disso, procurarão soluções de curto prazo para problemas como alto nível de desemprego e elevadas taxas de juros, mesmo que as soluções de curto prazo tenham conseqüências indesejáveis no longo prazo. Por exemplo… um alto crescimento da moeda poderia levar inicialmente a uma queda nas taxas de juros, mas poderia causar um aumento posterior dessas taxas na medida em que se eleva a inflação. Caso o Federal Reserve estivesse sob o controle do Congresso ou do presidente, seria mais provável que buscasse uma política de excessivo crescimento da moeda quando as taxas de juros estão altas, mesmo que isso ao final levasse à inflação e a taxas de juros ainda mais elevadas no futuro? Os defensores de um Federal Reserve independente dizem que sim. Eles acreditam que com um Fed politicamente isolado será maior a probabilidade de ele se preocupar com os objetivos de longo prazo e portanto defender a saúde da moeda e um nível estável de preços”

b. Exigência de conhecimentos técnicos (econômicos-financeiros). A estabilidade monetária é um processo que exige conhecimentos altamente técnicos à respeito de operações monetárias, de suma importância, para ser deixada ao arbítrio de leigos (como a maioria dos políticos brasileiros) na sua execução.

Recorramo-nos novamente ao destacado Professor Frederic S. Mishkin [9]:

“Um outro argumento para a independência do Fed é que o controle da política monetária é muito importante para ser deixado para os políticos, um grupo que tem demonstrado repetidamente uma falta de especialidade em tomar decisões difíceis sobre questões de grande importância econômica, como reduzir o déficit orçamentário ou reformar o sistema bancário”

c. Necessidade da autonomia. Para o êxito das medidas econômico-financeiras no tocante a estabilidade dos preços, é necessário dar ao BACEN, uma certa autonomia.

O saudoso e memorável economista Roberto Campos [10] explica:

“O tema da independência do banco central ressurge no debate econômico nacional sempre que se agudiza o processo inflacionário. Voltou à tona durante a constituinte de 1988, avançando-se um passo no sentido da independização, através do artigo 164 da constituição, que proíbe ao banco central financiar o Tesouro, quer direta quer indiretamente…”

“O debate permanece inconclusivo, mas cresce a impressão de que o Brasil não se livrará da crônica síndrome inflacionária se não tiver uma “constituição monetária” como complemento a uma reforma fiscal. E a entronização da estabilidade da moeda, como um valor fundamental e condicionante, exige uma instituição autônoma, despojado de outras funções (operações de fomento, fiscalização de instituições financeiras, controle de capitais estrangeiros) que não a regulação da moeda”

d. Credibilidade para os investidores estrangeiros. Além de garantir a estabilidade monetária, a autonomia do BACEN é importante na medida em que consiste como um fator de credibilidade para os investidores estrangeiros.

Neste aspecto, analisa Jairo Saddi [11]:

“… A verdade é que qualquer presidente de Banco Central que se preze deve carregar consigo a áurea de muita credibilidade. Credibilidade – ou seja, aquilo que é crível, em que se pode crer ou acreditar – é a mercadoria mais rara no Brasil de hoje e especialmente valiosa nos mercados financeiros, por uma simples e boa razão: dá-se crédito a quem acredita-se que vai pagar; investe-se onde acredita-se em retorno compatível com o risco. Logo, se essa condição básica não for atendida, não há negócio possível…”

e. Correlação positiva entre estabilidade monetária e grau de autonomia dos bancos centrais.

Estudo realizado pelo ilustre Professor Alberto Alesina [12] da Harvard University, com base na taxa média de inflação de dezessete países industrializados no período de 1973 à 1988 e o grau de autonomia (são classificados dentro de uma escala de 1 a 4, do menos autônomo até o mais autônomo) de seus respectivos banco centrais (considerando para tanto, como são escolhidos os seus dirigentes, a sua origem e os arranjos formais para financiamento do déficit público por meio da emissão de moeda), concluiu que países com bancos centrais mais autônomos apresentavam menores taxas médias de inflação do que países com bancos menos autônomos. Suíça e Alemanha, os dois países com bancos centrais mais autônomos, apresentaram taxas médias de inflação equivalentes a um terço da taxa média de inflação verificada na Espanha e Itália, os dois países cujos bancos centrais eram os menos autônomos.

Argumentos contrários à autonomia

Os argumentos contrários à autonomia do BACEN, são mais escassos em comparação a àqueles favoráveis. Podem ser elencados da seguinte forma.

a. Antidemocrático. Para os opositores da tese da autonomia do BACEN, seria absurdo dividir o poder entre mandatários ungidos pelo voto popular e uma burocracia não eleita.

O renomado professor Frederic S. Mishkin [13] sintetiza essa corrente:

“Os defensores do Fed controlado pelo presidente ou pelo Congresso argumentam que não é democrático ter política monetária (que afeta quase todos na economia) controlada por um grupo de elite que não responde a ninguém. A atual falta de responsabilidade na prestação de contas do Federal Reserve tem conseqüências sérias: se o Fed tiver um desempenho ruim, não há dispositivos para substituir os membros (como acontece com os políticos)”

b. Coordenação da política monetária e fiscal. Para os adeptos dessa corrente, a política monetária deve ser coordenada com a política fiscal para alcançar um programa coeso que promova a estabilidade econômica.

Neste contexto, leciona Mishkin:

“… Para alcançar um programa coeso que promova a estabilidade econômica, a política monetária deve ser coordenada com a política fiscal (administração de gastos e tributação do governo). O controle da política monetária deve ser feito pelos mesmos políticos que controlam a política fiscal, para que se possa evitar que essas duas políticas sejam contraditórias” [14]

c. Comparação histórica. Essa corrente, bastante inconsistente, afirma com base em dados históricos, que o banco central nem sempre utiliza sua liberdade com sucesso.

Disserta Mishkin:

“Outro argumento contra a independência do Federal Reserve é o de que um Fed independente nem sempre utiliza sua liberdade com sucesso. O Fed falhou enormemente em seu papel de emprestador de última instância durante a Grande Depressão, e sua independência certamente não evitou que ele buscasse uma política monetária altamente expansionista nas décadas de 1960 e 1970, o que contribuiu para uma rápida inflação no mesmo período” [15]

Denota-se nessa corrente a falta de caráter científico em suas conclusões, destituídas, portanto de credibilidade.

O sistema do Federal Reserve

O Federal Reserve, ou simplesmente “Fed”, como é conhecido o Banco central americano, é estruturado de forma descentralizada. Compõe-se de instituições, integradas por representantes de vários setores da sociedade, representantes de bancos regionais e conselheiros indicados pelo Presidente da república. Entre as principais instituições, podemos destacar: bancos do Federal Reserve, Junta de Diretores do Sistema do Federal Reserve e a Comissão Federal do Mercado Aberto (FOMC – Federal Open Market Committee). Vejamos:

a. Bancos do Federal Reserve. Os doze bancos regionais do Federal Reserve estão localizados nas principais cidades dos EUA (como Nova Iorque, Chicago e São Francisco). Os presidentes dos bancos regionais são escolhidos pelo Conselho diretor do banco, cujos membros são, em geral, selecionados dentro da comunidade bancária e de negócios local.

b. Junta de Diretores do Sistema do Federal Reserve. Conselho Superior, composto por sete membros (diretores) [16] com mandato de quatorze anos [17], indicados pelo Presidente da República e aprovados pelo Congresso.

O presidente da Junta é escolhido dentre os sete diretores e cumpre um mandato de quatro anos.

A função dessa instituição é a de realizar a política monetária.

O grande Professor Frederic S. Mishkin [18] comenta:

“A Junta de Diretores está envolvida ativamente nas decisões que dizem respeito à realização da política monetária. Todos os sete diretores são membros do FOMC e votam sobre as operações em mercado aberto. Como só existem 12 membros que votam neste comitê (sete diretores e cinco presidentes dos bancos distritais), a Junta tem a maioria dos votos. A Junta também determina as exigências de reserva (dentro dos limites impostos pela legislação) e controla efetivamente a taxa de desconto através do processo de “revisão e determinação”, por meio do qual ela aprova ou desaprova a taxa de desconto “estabelecida” pelos bancos do Federal Reserve. O presidente da Junta aconselha o presidente dos Estados Unidos quanto à política econômica, presta declarações no Congresso e atua como porta-voz do sistema do Federal Reserve junto a mídia. O presidente e outros diretores podem também representar os Estados Unidos em negociações com governos estrangeiros para assuntos econômicos”

“… Finalmente, a Junta desempenha funções bancárias normativas significativas: aprova as fusões bancárias e inscrições para novas atividades, especifica as atividades permitidas às holdings bancárias e supervisiona as atividades de bancos estrangeiros nos Estados Unidos”

c. Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC). Órgão colegiado, composto pelos sete membros da Junta de Diretores, pelo presidente do Federal Bank of New York e nos presidentes de quatro outros bancos do Federal Reserve. O presidente da Junta de Diretores também preside o FOMC.

A função do Federal Reserve é a de supervisar o sistema bancário e a de regular a quantidade de moeda da economia.

Nesse sentido, leciona o eminente Professor N. Gregory Mankiw [19]:

“O Fed tem duas tarefas inter-relacionadas. A primeira é regulamentar os bancos e assegurar a saúde do sistema bancário. Esta tarefa é responsabilidade principal dos bancos regionais do Federal Reserve. Em especial, o Fed monitora as condições financeiras de cada banco e ajuda a facilitar transações bancárias compensando cheques. Também age como banco dos bancos. Isto é, o Fed faz empréstimos quando os bancos precisam eles próprios de empréstimos. Quando bancos com problemas têm pouco dinheiro em caixa, o Fed age como emprestador de última instância – um banco para o cliente que não pode pedir empréstimos a mais ninguém – a fim de assegurar a estabilidade do sistema bancário como um todo”

“A segunda e mais importante tarefa do Fed é o controle da quantidade de moeda disponível na economia, chamada oferta de moeda. As decisões dos formuladores de políticas quanto à oferta de moeda constituem a política monetária. No Federal Reserve a política monetária é atribuição da Comissão Federal do Mercado Aberto (FOMC, sigla de Federal Open Market Committee). O FOMC se reúne a cada seis semanas em Washington, D.C, para discutir as condições da economia e consideram alterações na política monetária”

Do exposto, conclui-se que embora no papel o sistema do Federal Reserve pareça descentralizado, vimos que na prática ele acaba funcionado como um banco central unificado controlado pela Junta de Diretores, especialmente pelo presidente da junta. Por fim, ficou evidenciada certa autonomia do Fed, como autoridade monetária.

Conclusão

Mais importante do que a discussão dos prós e contras de uma autonomia do banco central, é a de analisar o perfil ideal dessa instituição à luz da atual Carta.

Preza o artigo 192 da Carta política:

“O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade …”

O governo pautado pelo ideal desenvolvimentista ou heterodoxo, cuja finalidade é o crescimento econômico a qualquer custo é totalmente incompatível com o teor do dispositivo constitucional supra, que expressamente preza: “…promover o desenvolvimento equilibrado”.

A corrente desenvolvimentista [20] foi traço marcante das políticas econômicas anteriores a promulgação da Carta de 1988. O desenvolvimento econômico incentivado sem um lastro de uma política fiscal e monetária equilibrada podia trazer um crescimento da economia no curto prazo. Porém, em longo prazo, a dívida contraída devia ser paga, geralmente por uma recessão no período, motivada pelo corte de despesas, retração dos investimentos e uma política monetária contracionista.

É necessária a quebra, a disrupção deste processo. O Bacen não pode ser o eterno longa manus do capricho e das arbitrariedades do Executivo.

O BACEN, como integrante do sistema financeiro nacional, e com o intuito de promover “o desenvolvimento equilibrado do país” e “a servir aos interesses da coletividade” deve zelar pela estabilidade monetária e ostentar as seguintes características: consistência, continuidade, credibilidade e democrático.

A priori, deve ser uma instituição consistente, ou seja, deve ter autonomia administrativa e institucional, e para tanto, ser estruturado por um regime interno íntegro que não seja modificado pela legislação (pressões políticas) e gozar de uma autonomia institucional, garantido pela Norma ápice e não por uma mera decisão política (delegação) como foi feito anteriormente em nosso país (Plano real).

Ademais, a política monetária desenvolvida pelo banco central deve ser coordenada com a política fiscal (administração de gastos e tributação do governo) para alcançar um programa coeso que promova a estabilidade econômica.

É necessário ainda, que os diretores e o presidente da referida instituição tenham mandatos fixos que não coincidam com o calendário eleitoral, sejam nomeados segundo critérios predominantemente técnicos.

Em outras palavras, a atuação da instituição deve ser caucada pela continuidade, em longo prazo, no compromisso com a estabilidade de preços e não ser influenciada por interesses eleitorais (populistas) de curto prazo.

Outra característica fundamental do BACEN contemporâneo é a sua credibilidade, tanto a nível interno como externo. Para o cidadão comum, um banco central forte pode significar a garantia da defesa contra os excessos do Poder executivo nos gastos desmedidos (irresponsáveis) do Estado e na certeza de expectativas associadas ao seu bem-estar econômico (ausência de inflação).

A nível global, a comunidade financeira, na maioria das vezes irá preferir uma autoridade monetária imune as pressões do Executivo, voltada para a defesa da ordem monetária da sociedade, como forma de resguardar seus interesses (investimento com retorno compatível com o risco).

Por fim, a criação de uma nova ordem monetária gera problemas específicos de governabilidade democrática, tais como as inovações institucionais necessárias para torná-la mais responsável na relação com a sociedade. Sob essa ótica, a autoridade monetária ainda está por ser plenamente estabelecida na democracia brasileira.

É necessário estabelecer um contrato, “pacto social”, entre a sociedade e o banco central, para que este último possa, juntamente com outros membros do sistema financeiro, promover o desenvolvimento equilibrado do país, guiado pelos ideais sociais de desenvolvimento e de bem estar [21].

Nesse sentido, inovações institucionais como sindicâncias a nível administrativo e judicial (além das CPI’s, nos casos de irregularidades apontadas), sabatinas públicas – conduzidas por membros da sociedade como estudantes, economistas, jornalistas, dentre outros e não apenas por políticos – do presidente e dos diretores da instituição, um maior controle pelo Judiciário, sanções pelas irregularidades praticadas, seriam de tamanha utilidade.

As experiências de hiperinflação ao longo da transição democrática brasileira foram traumáticas e prejudiciais à sociedade, em especial aos trabalhadores assalariados, cujos rendimentos eram corroídos diariamente pela inflação. Em suma, reduziu as expectativas associadas ao bem-estar econômico dos brasileiros e à democracia do país.

O governo pautado pelo ideal desenvolvimentista ou heterodoxo, cuja finalidade é o crescimento econômico a qualquer custo é totalmente incompatível com a atual Carta, conforme visto. Numa linguagem “maquiavélica”, podemos dizer que “o fim não justificam os meios”.

Sob este contexto, a obsessão pelo crescimento da demanda de consumo e de novos empregos por meio de medidas anticíclicas não se sustenta em longo prazo. A economia para ser sustentável e consistente deve incentivar a inovação, o crescimento da produtividade e da poupança.

A moeda é o meio de troca mais difundido nas economias de mercado. A sua principal importância foi facilitar o fluxo de bens e serviços por meio de trocas indiretas, em contraposição ao escambo, como meio de unidade de conta e reserva de valor.

Sob o enfoque monetário, pode-se concluir que a inflação chega a ser um ato de fraude cometido por uma autoridade central, em detrimento aos geradores de riquezas, os indivíduos.

Para corroborar com esta afirmativa partimos da premissa que o fenômeno em relevo é, antes de tudo, um aumento na oferta monetária estipulada por burocratas que desviam recursos reais gerados pelos produtores de riquezas para si próprios, sem terem produzido nada em troca.

Desta forma, a inflação não pode ser diagnosticada apenas quando há um aumento generalizado e contínuo dos preços, e sim, quando houver a expansão do dinheiro, criado do “nada”, sem o lastro em qualquer riqueza, pelo portador do dinheiro (Estados e burocratas) com a consequente perda da renda real dos seus protagonistas (indivíduos).

Nos primórdios, na época do metalismo, os monarcas tinham o hábito de confiscar todas as moedas de ouro dos seus súditos, sob o argumento de que uma nova moeda iria substituir a atual.

Em verdade, não era essa a intenção. O regente falsificava o conteúdo das cunhas diluindo com outros metais, devolvendo-as aos plebeus, com o mesmo valor nominal, a um peso menor. Deste modo, os soberanos apropriavam-se das sobras de ouro, extraídas e armazenadas em uma espécie de “casa da moeda” para financiar seus próprios gastos.

Com a introdução do papel-moeda nas economias, a essência da inflação continuou a mesma: a emissão de dinheiro, do “nada”, sem o devido equilíbrio entre a sua oferta e demanda como meio para os governos pagarem suas despesas.

Os efeitos nefastos da inflação são notórios, em especial, pela perda do poder de compra da moeda, cujos maiores prejudicados são os assalariados de baixa renda. É um verdadeiro imposto inflacionário, sobre todos os que têm moeda.

Observa-se, mormente, nos países da América Latina e da África um histórico de má gestão dos governos no que se refere à quantidade de moeda circulante.

Portanto, o principal agente inflacionário não é o empresário, o industrial, e muitos menos a sociedade civil. A sua verdadeira identidade: O Estado, ao financiar o déficit público por meio de emissão de moeda, frisa-se, de forma desmedida e irresponsável, porquanto destituído de equilíbrio dos fundamentos macroeconômicos (política fiscal e monetária).

O populismo, a falta de uma cultura de educação e responsabilidade financeira, e de um projeto de nação, associado a uma baixa escolaridade e discernimento das camadas mais pobres, ora vítimas e objetos de sua ação, contribuem de forma significativa para adoção de medidas econômicas inflacionárias nos países em desenvolvimento.

É necessário um projeto, um plano de negócio, em longo prazo a ser disseminada e difundida no âmbito da sociedade, e, ao mesmo tempo, um maior controle e rigidez no combate a corrupção.

Investimentos em tecnologias, de modo a criar um ambiente próspero para a originalidade, agregam riqueza contínua e duradoura, uma vez que diversificam as exportações de um país, que não pode ficar restrito as oscilações do seu mercado de commodities.

A demanda de mão-de-obra diversificada e especializada é outra carência/ineficiência, justificadas pela falta de alocação de recursos adequados.

A intervenção do Estado na economia é outro mal. É necessária a desregulamentação da atividade econômica, bem como, a redução da carga tributária, para que novos conceitos de negócio possam se concretizar, como as startups.

A crescente desvalorização da moeda, além de afetar os mais oprimidos, associado à pujança das tarifas de importação, impedem as empresas de adquirirem no exterior bens de capital bons e baratos que lhe proporcionem maior produtividade.

A falta de universalização de serviços financeiros a toda a população, também é um óbice à produtividade e a poupança, em especial, aos pequenos produtores de regiões mais remotas.

Destaca-se também a necessidade de medidas para conter o endividamento público com medidas de austeridade e metas rígidas de gasto público pelos governos.

Neste cenário, clama-se pela autonomia dos Bancos Centrais, como integrante do sistema financeiro, com o intuito de promover “o desenvolvimento equilibrado de um país” e “a servir aos interesses da coletividade”, zelando única e exclusivamente pela estabilidade monetária.

Assim sendo, a estabilidade de preços passou a ser reconhecida como um bem público de primeira ordem – depois de uma série de planos econômicos (Plano Cruzado I e II, Bresser, Verão e Cruzado Novo) que não lograram êxito no combate à inflação – refletindo uma clara transformação das preferências sociais e dos critérios de legitimação política.

Deste modo, o fato (estabilidade de preços) passou a ser valorado pela sociedade brasileira como um bem público, faltando ainda nos dias de hoje (no caso brasileiro) que tal bem seja garantido e previsto por uma norma constitucional (fato, valor e norma da Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale) e por um BACEN que goze de credibilidade, continuidade, consistência e seja acima de tudo democrático.

A causa determinante para a riqueza e a prosperidade econômica de um país é o que ele produz, e não a massa de moeda que circula. Assim sendo, a expansão da capacidade produtiva nos países deve ser contínua, de modo a aumentar a oferta de produtos e reduzir os preços dos mesmos.

Na atualidade, a moeda emitida pelos governos não tem lastro algum, senão, a confiança depositada no seu monopólio estatal. O cidadão não tem controle algum sobre seu dinheiro, muitas vezes, ficando a mercê de caprichos e arbitrariedades, com a conivência do sistema bancário.

Conclui-se, portanto, que somente com o equilíbrio dos fundamentos macroeconômicos (política fiscal e monetária) pode-se chegar a um crescimento econômico. O progresso não é um programa de governo. Portanto, cabe ao BACEN, exclusivamente zelar pela estabilidade monetária (ausência de inflação, estabilidade das taxas de câmbio, etc.), enquanto instituição autônoma, livre de toda pressão política, não podendo, portanto, ser um arremedo do executivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. Do original: Principles of Economics – Second Edition, The Dryden Press – Harcourt Brace College Publishers. Tradução: Maria José Cyhlar Monteiro. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2. ed., 2001. P. 615.

[2] BRASIL. Lei n. 4.595 de 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências.

[3] Sobre o significado de autarquia, o jurista Jairo Saddi explica: “… Autarquia significa administração própria, auto-administração. Autarquia é igualmente uma faculdade reconhecida pelo poder Executivo de o ente administrar-se por si mesmo…” SADDI, Jairo. “Autonomia, Independência ou Contrato: o que devemos esperar do Banco Central”. [Internet] Disponível em: http://www.saddi.com.br, Acessado em 07/10/03.

[4] O termo “banco central” é escrito sempre com letra minúscula na Constituição Federal para indicar que se refere a qualquer instituição financeira que exerça as funções de banco central, que hoje, pelo visto, é o banco central do Brasil, mas outrora foi a SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito do Banco do Brasil.

[5] BRASIL. Lei n. 8.880 de 27 de maio de 1994. Dispõe sobre o Programa de Estabilização Econômica e o Sistema Monetário Nacional, institui a Unidade Real de Valor (URV) e dá outras providências.

[6] SADDI, Jairo. Afinal, qual é a verdadeira função do Banco Central? [internet]. Disponível em: http://www.saddi.com.br. Acessado em: 07/10/03.

[7] SADDI, Jairo. Autonomia, Independência ou contrato: o que devemos esperar do banco central? [internet]. Disponível em: http://www.saddi.com.br. Acessado em: 07/10/03.

[8] [9] [13] [14] [15] MISHKIN, Frederic S. Moedas, Bancos e Mercados Financeiros. Do original: The Economics of Money, Banking and Financial Markets. Tradução: Christine Pinto Ferreira Studart. Rio de Janeiro: LTC, 5.ed., 2000. P. 247-248.

[10] CAMPOS, Roberto de Oliveira. A lanterna na Popa: memórias. 4. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001. P. 672.

[11] SADDI, Jairo. Do que o Banco Central está precisando [internet]. Disponível em: http://www.saddi.com.br. Acessado em: 07/10/03.

[12] ALESINA, Alberto e SUMMERS, H. Lawrence. “Central Bank Independence and Macroeconomic Performance: Some Comparative Evidence”. Journal of Money, Credit and Banking 25 (1993): 151-162.

[16] “Os diretores (muitos são economistas profissionais) vêm de diferentes distritos do Federal Reserve para evitar que o poder de uma região do país seja excessivo” MISHKIN, Frederic S. op.cit. pg. 238.

[17] [18] “Para que o controle do presidente sobre o Fed seja limitado, e para isolar o Fed de outras pressões políticas, os diretores cumprem um mandato de 14 anos não-renováveis…” MISHKIN, Frederic S. op.cit. pg. 238 e 239.

[19] MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. Do original: Principles of Economics – Second Edition, The Dryden Press – Harcourt Brace College Publishers. Tradução: Maria José Cyhlar Monteiro. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2. ed., 2001. P. 616.

[20] “As correntes desenvolvimentistas quase sempre se impuseram, conseqüência do grande dinamismo e potencial de crescimento de nossa economia, bem como do amplo apoio da sociedade a esse tipo de política” LACERDA, Antonio Corrêa de. et al. Economia brasileira. São Paulo: Saraiva, 2.ed., 2003. P. 140.

[21] Nesse sentido, o jurista Jairo Saddi: “Melhor será, neste estágio um contrato entre a sociedade e o Banco Central. Qual é o nível de inflação que se deseja? Qual é o tipo de supervisão bancária mais adequada para o consumidor de serviços bancários? Estas são algumas das perguntas que ecoam no sentido de avançar numa convenção que possa ser estabelecida entre os sujeitos de Direito Privado e os de Direito Público, orientados, é claro, por ideais sociais de desenvolvimento e de bem estar. Poder-se-ia estabelecer um rol específico de metas e objetivos e a cada um deles estabelecer sanções por seu não cumprimento” SADDI, Jairo. “Autonomia, Independência ou Contrato: o que devemos esperar do Banco Central”. [Internet] Disponível em: http://www.saddi.com.br, Acessado em 07/10/03.

Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área.

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