Coordenação: Abel Lopes Filho.
A resposta é negativa. O advogado não pode ser condenado por ato atentatório a dignidade da justiça, por expressa previsão legal, artigo 77, §6ª do CPC. Também não pode ser condenado por litigância de má-fé, nos termos do artigo 32 da Lei Federal de n. 8.906/1994.
Há ainda precedente antigo do Supremo Tribunal Federal na ADI 2652/DF, que reconheceu a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 14 do CPC/73, aplicando-o aos advogados públicos e privados. O dispositivo correlacionado ao parágrafo único do artigo 14 do CPC/73 é o parágrafo sexto do artigo 77 do CPC em vigor.
A imposição de multa ao advogado por ato atentatório a dignidade da justiça é ato ilegal que viola diretamente o texto legal do artigo 77, §6ª do CPC, do artigo 32 do Estatuto da Advocacia – Lei Federal de n. 8.906/1994, e ainda desobedece ao precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 2652/DF.
Lei Federal de n. 8.906/1994 – Estatuto da Advocacia.
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.CPC. Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
§ 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
§ 7º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2º.
§ 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar.
É raro encontrar uma decisão judicial na qual o advogado tenha sido condenado por litigância de má-fé ou por ato atentatório a dignidade da justiça. Entretanto, há casos recentes e antigos de condenações ao advogado. Algumas vezes até mesmo em âmbito dos Tribunais acha-se acórdãos com essas condenações ilegais. Porém, os Tribunais Superiores têm posição firme quanto a impossibilidade de aplicação de multa ao advogado, seja com fundamento em litigância de má-fé ou por ato atentatório a dignidade da justiça.
No processo do trabalho o Tribunal Superior do Trabalho já enfrentou o tema por diversas vezes, e é possível encontrar decisões de todas as oito Turmas, reconhecendo a impossibilidade de condenação do advogado em litigância de má-fé.
(RR-44-26.2010.5.02.0442, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 24/05/2019).
(ARR-2381-20.2012.5.18.0006, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 13/12/2019).
(RR-163000-03.2009.5.02.0481, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 20/10/2017).
(RR-1055-52.2010.5.18.0052, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 16/08/2019).
(ARR – 38700-28.2005.5.09.0670, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, 5ª Turma, DEJT de 18/12/2015)
(ARR-11763-76.2017.5.18.0001, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 28/06/2019).
(ARR – 3019-47.2011.5.18.0181, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, DEJT de 5/6/2015)
(RR – 1099-69.2013.5.02.0001, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma, DEJT de 24/4/2015)
Depreende-se que o Colendo TST é pacífico quanto ao não cabimento de aplicação de multa ao advogado com base em litigância de má-fé ou com fundamento em ato atentatório a dignidade da justiça.
O que fazer nos casos de condenação de advogado nas multas referidas? A resposta é simples, recorrer ao órgão competente. Destacando que o advogado tem legitimidade para recorrer em nome próprio, a semelhança do que acontece quando o causídico recorre buscando majoras os honorários de sucumbência.
Se a condenação foi imposta pelo juiz do trabalho ou pelo Tribunal Regional do Trabalho é imprescindível que o advogado aponte em suas razões a violação direta e literal ao parágrafo sexto e oitavo do artigo 77 do CPC e ao artigo 32 do Estatuto da advocacia, bem como aos artigos 5ª, LIV, LV e 133 da CF.
É possível ainda o uso da Reclamação Constitucional com base no precedente firmado na ADI 2652/DF quanto ao tema do ato atentatório a dignidade da justiça.
A Constituição Federal afirma no artigo 133 que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” A indispensabilidade do advogado e a inviolabilidade de seus atos e manifestações são essenciais para a administração da justiça. O advogado presta serviço público e exerce função social, e não pode sofrer intimidações, pressões e restrições em sua atuação profissional, por meio de condenação em litigância de má-fé ou por ato atentatório a dignidade da justiça.
O advogado deve sempre “proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia”, artigo 31 da Lei Federal de n. 8.906/1994.
Eventuais falhas éticas, infrações disciplinares e outros atos incompatíveis com a nobreza da função da advocacia devem ser apurados e duramente punidos, pelo órgão competente, e respeitando-se o devido processo legal.