sexta-feira,29 março 2024
ArtigosO acidente de trabalho e seus reflexos no contrato de trabalho

O acidente de trabalho e seus reflexos no contrato de trabalho

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Por Samuel Viégas Ramalho*

Tema bastante corriqueiro, o acidente de trabalho está presente constantemente nas pautas do Judiciário trabalhista, sendo, por esta razão, matéria de grande interesse a empregados e empregadores que convivem com tal realidade.
O acidente de trabalho gera consequências múltiplas, seja ao empregado, que tem atingida a sua saúde e sua dignidade, seja ao empregador, que sofre o peso econômico do sinistro, seja ao INSS, que lida com mais um benefício a ser pago ao acidentado (ou pensão, conforme o caso), seja aos familiares do acidentado, que se lançam em acompanhamentos à hospitais, clínicas, centros de saúde etc.
O fato é que um acidente de trabalho movimenta todo um mecanismo social e, paralelamente, gera reflexos econômicos em todos os envolvidos.
Portanto, cabe ao empregado saber o que é o acidente de trabalho (juntamente com as doenças ocupacionais) e, assim, se informar acerca de seus direitos, como também cabe ao empregador conhecer bem este instituto e seus reflexos visando diminuir os seus efeitos dentro do seu empreendimento.

Acidente de trabalho e doenças ocupacionais

Primeiramente, importante se faz conceituar o acidente de trabalho. Conforme dispõe o art. 19 da Lei nº 8.213/91, in verbis:

Art. 19. Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Acerca do acidente de trabalho é que Oswaldo Michel (2001, p. 29) discorre:

Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, ou ainda pelo exercício do trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause morte, a perda ou redução da capacidade para o trabalho permanente ou temporário.

A par do dito acidente de trabalho típico, a legislação previdenciária cuidou de conceituar as doenças ocupacionais, que são consideradas como acidente de trabalho e se subdividem em doenças profissionais e doenças do trabalho, conforme art. 20 da Lei nº 8.213/91, vejamos:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Hertz Jacinto Costa (2009, p. 82) define as doenças ocupacionais como “moléstias de evolução lenta e progressiva, originárias de causa igualmente gradativa e durável, vinculadas às condições de trabalho”.

Ainda o artigo 21 da Lei nº 8.213/91 trata de situações que se equiparam ao acidente de trabalho:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;
III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;
IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.

Tendo entendido o que é o acidente de trabalho e as doenças ocupacionais, voltemos nossa atenção às consequências de um fato acidentário.

O CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) e sua função

Ocorrendo um acidente do trabalho ou doença ocupacional, o empregador tem o prazo de 24 (vinte e quatro) horas para emitir a CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho.
O CAT nada mais é do que um documento para reconhecer um acidente de trabalho ou de trajeto, bem como uma doença ocupacional. Este documento expedido pela empresa será necessário para a vítima ou seus dependentes darem entrada no requerimento de benefício previdenciário. Além disso, esta comunicação formal é utilizada também para subsidiar o histórico de acidentalidade da empresa, que será utilizado para o cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP).
Havendo acidente de trabalho ou doença ocupacional e em caso da empresa não expedir o CAT, poderá fazê-lo o próprio trabalhador, o dependente, a entidade sindical, o médico ou a autoridade pública (magistrados, membros do Ministério Público e dos serviços jurídicos da União e dos estados ou do Distrito Federal e comandantes de unidades do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar).
Cabe mencionar neste ponto que a falta ou atraso na expedição do CAT por parte do empregador pode gerar multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição, que poderá ser aumentada em caso de reincidência.

Benefícios decorrentes do acidente de trabalho e doenças ocupacionais

A existência de acidente do trabalho e doença ocupacional permite ao segurado ter acesso a benefícios previdenciários, que serão concedidos conforme a extensão do dano causado e seu prolongamento no tempo, conforme a previsão legal de cada um. Os benefícios previdenciários possíveis são o auxílio-doença acidentário, o auxílio-acidente, a habilitação e a reabilitação profissional e pessoal, a aposentadoria por invalidez e a pensão por morte.
O auxílio-doença acidentário é devido ao segurado acometido por uma doença ocupacional ou acidente do trabalho que o torne temporariamente incapaz para o trabalho.
O auxílio-acidente é um benefício a que o segurado do INSS pode ter direito quando desenvolver sequela permanente que reduza sua capacidade laborativa. O benefício é pago como uma forma de indenização em função do acidente e, portanto, não impede o cidadão de continuar trabalhando.
Em relação à habilitação e à reabilitação profissional e pessoal, ensina Sandro Nahmias Melo (2004, p. 150):

A reabilitação é a atenção prestada aos portadores de deficiência, em geral, após um acidente, enquanto a habilitação é o conjunto de atividades voltadas para quem traz uma limitação de nascença e ainda para os que precisam se qualificar para desempenhar determinadas funções no mundo do trabalho.

A aposentadoria por invalidez, por sua vez, é um benefício devido ao trabalhador permanentemente incapaz de exercer qualquer atividade laborativa, e que também não possa ser reabilitado em outra profissão. O benefício é pago enquanto persistir a incapacidade e poderá ser reavaliado pelo INSS a cada dois anos.

Por fim, a pensão por morte é um benefício pago aos dependentes do segurado do INSS que vier a falecer ou, em caso de desaparecimento, tiver sua morte presumida declarada judicialmente.
Deste modo, cabe ao empregado vítima de acidente de trabalho ou doença ocupacional estar atento aos benefícios a que tem direito, sabendo que este é um relevante reflexo do acidente de trabalho.

Suspensão ou interrupção do contrato de trabalho

Outro efeito causado pelo acidente de trabalho ou doença ocupacional é quanto a suspensão ou interrupção do contrato de trabalho.
É certo que até o 15º dia de afastamento, é pacífico na doutrina ser hipótese de interrupção (já que é obrigação do empregador pagar o salário desse período, art. 60, § 3º, da Lei 8.213/91).
Porém, a partir do 16° dia de afastamento, embora o empregado não receba salário, passa a receber o auxílio-doença acidentário (espécie 91), agora pago pelo INSS (art. 60, caput, da Lei 8.213/91), além de que, durante todo o período de afastamento, haverá contagem do tempo de serviço, sendo devidos os respectivos depósitos do FGTS (Lei 8.036/1990, art. 15, § 5°, acrescentado pela Lei 9.711/1998). Além disso, não é considerada falta ao serviço, para efeito do direito de aquisição das férias, a ausência do empregado por motivo de acidente do trabalho (art. 131, inciso III, da CLT).
Apesar do Decreto 99.684/90, em seu art. 28, que regulamenta o FGTS, falar em hipótese de interrupção, a melhor doutrina considera tal período como sendo hipótese de suspensão do contrato de trabalho. Esse entendimento é corroborado pela jurisprudência e pela Súmula 440 do TST:

Súmula nº 440: Auxílio-doença acidentário. Aposentadoria por invalidez. Suspensão do contrato de trabalho. Reconhecimento do direito à manutenção de plano de saúde ou de assistência médica – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

Estabilidade provisória por acidente de trabalho

A estabilidade acidentária é garantia por força do artigo 118 da Lei nº 8.213/91 ao segurado que sofreu acidente de trabalho. O prazo da estabilidade provisória por acidente de trabalho é de 12 meses, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independente do recebimento de auxílio-acidente.
A Súmula nº 378 do TST resume os pressupostos para a estabilidade provisória: afastamento superior a 15 dias e o consequente recebimento do auxílio-doença acidentário, exceto se constatada, após a dispensa, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.
Portanto, sendo caso de doença ocupacional constatada após a despedida e que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego, a ausência de recebimento de benefícios previdenciários não é obstáculo ao reconhecimento da estabilidade provisória. Neste sentido, o TRT da 18ª Região assim julgou:

DOENÇA OCUPACIONAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. IRRELEVÂNCIA. A ausência de recebimento de benefícios previdenciários não é obstáculo ao reconhecimento da estabilidade provisória, quando for constatada, após a despedida, “doença ocupacional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego” (Súmula 378, II, do TST). Portanto, comprovada a existência de doença ocupacional que guarda nexo de causalidade com o trabalho, o autor faz jus à estabilidade provisória. Logo, mostrou-se acertada a decisão do juízo de 1º grau que declarou a nulidade da dispensa e determinou a reintegração imediata do reclamante no emprego, com o pagamento dos salários do período em que ele ficou desligado da empresa. (TRT18, RO – 0002367-73.2011.5.18.0102, Rel. PAULO CANAGÉ DE FREITAS ANDRADE, 3ª TURMA, 27/09/2012)

Dano moral, material e estético decorrente do acidente de trabalho

É certo que a Constituição Federal, o Código Civil e a CLT garantem ao trabalhador acidentado o direito à reparação econômica decorrente do acidente de trabalho. Tal reparação se subdivide em três principais pedidos, quais sejam: dano moral, danos materiais e dano estético.
O dano moral decorrente do acidente de trabalho constitui-se em damnum in re ipsa, presumindo-se pelas circunstâncias do caso. Não necessita de prova da dor, aflição ou constrangimento, pois estes são intrínsecos à vítima do infortúnio, precisando apenas da demonstração de que fora violado direito da personalidade. (BORGES, 2015, online)

O dano estético, por sua vez, possui dupla dimensão, repercutindo tanto na esfera íntima do lesionado quanto no âmbito externo a partir de deformidades em sua compleição física, como por exemplo, a perda de um membro, alguma doença degenerativa aparente, queimaduras etc. Dependerá de prova pericial médica para sua constatação e aferição, cujo ônus caberá ao Reclamante. (BORGES, 2015, online)

Por fim, o dano material será aquele traduzido no decréscimo do patrimônio econômico da vítima, sejam gastos diretamente relacionados à lesão ou os projetados em decorrência da diminuição da capacidade laboral (BORGES, 2015, online). Pode ser entendido como as perdas e danos (gastos com medicamentos, tratamento, consultas) e o lucros cessantes, sendo este o valor que o empregado deixou de auferir se estivesse trabalhando normalmente.

Conhecer, portanto, estes aspectos do acidente de trabalho e das doenças ocupacionais é de suma importância ao empregado, que deve ser respeitado em seus direitos, e também ao empregador, que deve saber como agir quando da ocorrência de acidentes de trabalho em seu empreendimento.

Importante mencionar, ainda, que cabe ao empregador tomar todas as medidas necessárias para prevenir seus empregados da ocorrência de acidentes e de doenças ocupacionais, sendo que poderá fazê-lo por meio de medidas educativas (treinamentos e orientações), preventivas (revisão e atualização dos métodos de trabalho e dos equipamentos e tecnologia utilizada) e, com a mesma importância, o acompanhamento por profissionais qualificados (advogados, técnicos de segurança, engenheiros de segurança do trabalho etc.) para orientar as ações do empresário.

 


Referências bibliográficas

BORGES, Gustavo Nardelli. Acidente de Trabalho – Danos morais, estéticos e materiais. Disponível em: <http://nborges.jusbrasil.com.br/artigos/143990369/acidente-de-trabalho-danos-morais-esteticos-e-materiais>. Acesso em 06 jan 2016.

COSTA, Hertz Jacinto. Manual de Acidente do Trabalho. 3. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2009, p. 82.

MELO, Sandro Nahmias. O Direito do Trabalho da Pessoa Portadora de Deficiência: ação afirmativa: o princípio constitucional da igualdade. São Paulo: LTr, 2004, p. 150.

MICHEL, Oswaldo. Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais. 2. ed. rev., ampl. São Paulo: Ltr, 2001, p. 29.


 

*Samuel Viégas Ramalho, colaborou com nosso site por meio de publicação de conteúdo. Ele é Advogado trabalhista. Empreendedor. Sócio no escritório PVR Advogados Associados, na cidade de Anápolis-GO.

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