quinta-feira,18 abril 2024
ColunaDiálogos ConstitucionaisNovos rumos da judicialização da saúde

Novos rumos da judicialização da saúde

Stephen Hawking, Físico e Doutor em Cosmologia, cientista do século faleceu sem ver a cura para a sua esclerose lateral amiotrófica. Suas contribuições sobre a formação do universo, os buracos negros do espaço, revolucionaram a forma de o ser humano se enxergar na galáxia.

Um cientista notável, ser humano extraordinariamente forte que, vencendo a cada instante as limitações de sua doença, conseguiu evoluir academicamente e se tornar sucessor da cadeira ocupada por Albert Einstein.

Não se trata, portanto, de qualquer doença. A esclerose alcançou sensibilidade das pessoas ao redor do mundo em virtude de Stephen Hawking, cujo drama de vida se tornou, inclusive, filme rodado em Hollywood.

Não fosse só por isso, existem milhares de pessoas portadoras da síndrome, e que são hoje 2,3 milhões (dados da Federação Internacional de Esclerose Múltipla), daí porque a sociedade passou a exigir do Estado o desenvolvimento de pesquisa e o fornecimento de tratamento para a enfermidade.

Nenhum tratamento é descoberto da noite para o dia. A ciência avança lenta e gradualmente, através de muitas pesquisas, experimentos, descobertas, fracassos, períodos de incubação e novamente, milhares de tentativas.

Disse Thomas Edson em sua célebre frase: “Eu não falhei, encontrei 10 mil soluções que não davam certo”.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal trabalha em cima de dois recursos extraordinários nos quais se discute o custeio pelo SUS (Sistema Único de Saúde) dos medicamentos de alto custo.

As pesquisas recentes acerca do tratamento da esclerose – apenas exemplificando – envolve o emprego de células-tronco, que estão sendo desenvolvidas em hospitais orientais, como Better Being Hospital em Bangcoc.

O tratamento é polêmico e, segundo alguns cientistas, a rejeição das células pode ocasionar a formação de tumores nos pacientes, risco este que, obviamente, depende de escolha do sujeito ou do responsável legal.

O fato é que a ciência e a pesquisa precisam avançar.

Os RE 566471 e RE 657718 estão sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio e encontra-se em tramitação após o ingresso de diversos amicus curiae, com julgamento sem data para conclusão.

Entre os votos mais interessantes até agora entregues, consta do Min. Luís Roberto Barroso que, diante de sua característica capacidade de interpretação sistemática da Constituição, lança:

Não há sistema de saúde que possa resistir a um modelo em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiros devam ser oferecidos pelo Estado a todas as pessoas. É preciso, tanto quanto possível, reduzir e racionalizar a judicialização da saúde, bem como prestigiar as decisões dos órgãos técnicos, conferindo caráter excepcional à dispensação de medicamento não incluído na política pública.

 

O ministro não descarta a possibilidade de judicialização da saúde, porém franqueia o dever de a administração pública organizar-se, orçamentária e financeiramente, para o fornecimento do medicamento.

A expressão judicialização surge como técnica de discussão de rumos da organização financeira do Estado, quando tarefas essenciais que deviam ser cumpridas pelo poder se tornam ineficazes de forma latente, em descumprimento do que rege o pacto constitucional.

Processo pelo qual a negociação não judicial e os fóruns formuladores de decisões tornam-se dominados por regras e processos quase-judiciais (legalísticos). [TATE, C.; VALLINDER, T. (1995). The Global Expansion of Judicial Power. New York/London: New York University Press, p. 28].

A administração pública recebe o poder de ordenar o orçamento da sociedade, dirigir as tarefas básicas em torno do atendimento ao que é essencial (saúde, transporte, educação, etc.).

A consequência é que se esse poder não é exercido pela Administração ou se é falho, abre-se a oportunidade para que ele seja arbitrado pelo Poder Judiciário, como órgão final encarregado de satisfazer, no caso concreto a pretensão do indivíduo.

Por isso, se o Administrador pode ser omisso, o Juiz não. O administrador decide in abstracto, distante da situação-problema, aprova medidas, edita decretos, mas o juiz está com o caso em mãos e precisa dar a força final do direito.

Com a omissão do Legislativo ou Executivo o denominado final enforcing power dos americanos se transfere ao Juiz que deve, no caso, expedir a ordem para fiel cumprimento do que determina o regimento constitucional.

Vamos abeberar no voto do Min. Barroso, acentuando que, em regra, há de se aguardar autorização dos órgãos regulamentares sobre a liberação do tratamento no Brasil, para que, então possa ser exigido pelo súdito:

O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, sem eficácia e segurança comprovadas, em nenhuma hipótese. Já em relação a medicamentos não registrados na Anvisa, mas com comprovação de eficácia e segurança, o Estado somente pode ser obrigado a fornecê-los na hipótese de irrazoável mora da Agência em apreciar o pedido de registro (prazo superior a 365 dias), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil; (ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.

 

Logo, a conclusão é: Se o tratamento foi vetado pela ANVISA, então não cabe ao Judiciário obrigar o SUS a fornecê-lo, porém, se há efetiva omissão do órgão regulador em aprovar o tratamento, daí, então, pode-se iniciar a cogitação de seu compulsório fornecimento.

Outra questão diz respeito a que exista comprovação, no mínimo, indiciária, de que o tratamento é eficaz, isto é, laudos científicos que atestem se tratar de técnico em domínio científico, e não de busca de solução miraculosa.

Com a edição da Lei Nacional de Biossegurança do ano de 2005, o que se esperava – e se almeja – é que as pesquisas em torno do tratamento com células-tronco sejam fomentadas pelo Estado Brasileiro, porém, se assim não são, não pode ser tolhido do que existe em termos de avanço no mundo.

É uma condição da globalização. Não apenas mercadorias e produtos são comercializáveis à distância, como também, medicamentos e técnicas podem ser compartilhados, até porque, se determinado sujeito é submetido ao tratamento experimental no exterior, o resultado pode fomentar o desenvolvimento da técnica no país de origem.

Por isso, como concluiu o ministro Luís Roberto Barroso, no voto divulgado para o julgamento do RE 566.471/RS, são necessários 5 requisitos para a concessão da judicialização do medicamento de alto custo, quais sejam:

 

Para tanto, proponho 5 (cinco) requisitos cumulativos que devem ser observados pelo Poder Judiciário para o deferimento de determinada prestação de saúde. São eles: (i) a incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; (ii) a demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; (iii) a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; (iv) a comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e (v) a propositura da demanda necessariamente em face da União, já que a responsabilidade pela decisão final sobre a incorporação ou não de medicamentos no âmbito do SUS é, em regra, desse ente federativo.

Os requisitos III e IV são os mais complexos, porque exigem do postulante a superação de um iter de submissão a diversos tratamentos, a sujeição de toda medicação disponível no mercado brasileiro, enfim, o esgotamento das possibilidades existentes no Brasil.

Isso leva tempo e, nem em todos os casos, o postulante sobreviverá para obter o aval do Judiciário necessário para a judicialização do medicamento de alto custo, por isso que a participação médica nesses casos é delicada e essencial.

O julgamento do caso pelo Supremo Tribunal Federal envolverá a coerência do Direito Financeiro com Direito Constitucional, é dizer, a análise do momento em que a eficácia do direito fundamental à saúde previsto no art. 196 da Constituição Federal pode autorizar o envolvimento do Judiciário na mobilização do Executivo.

Na linha de julgamento do Supremo Tribunal Federal tomado na ADI 3510, quando autorizou a pesquisa com células-tronco embrionárias, apresenta-se consentâneo a autorização de que, nos casos de omissão da análise da viabilidade do tratamento de técnica no Brasil, seja ele fornecido no estrangeiro, no chamado “Turismo de Células-Tronco”.

A regra está lá, no art. 196, e é preciso dar-lhe efetividade, de modo que, conforme raciocínio de Dworkin, é preciso mobilizar a atuação do poder, como respaldo do monopólio da força que detém o Direito:

Uma sociedade política que aceita a integridade como virtude política se transforma, desse modo, em uma forma especial de comunidade, especial num sentido de que promove sua autoridade moral para assumir e mobilizar monopólio de força coercitiva (O império do Direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 228).

Do contrário, a previsão constitucional torna-se hermeneuticamente corruptível, isto é, pode-se dizer simplesmente que o art. 196 encampa um princípio e, como tal, está sujeito à acomodação junto de outros tantos princípios que se criaram, como da reserva do possível e etc.

É preciso levar o Direito a sério.

Cristiano Quinaia

Mestre em Direito - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Centro Universitário de Bauru). Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil. Advogado.

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