quinta-feira,28 março 2024
ColunaCivilista de PlantãoMorte de nascituro em acidente de trânsito dá direito a seguro obrigatório

Morte de nascituro em acidente de trânsito dá direito a seguro obrigatório

A 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgou procedente apelação de um casal para condenar a empresa Líder ao pagamento do seguro DPVAT em seu favor, por óbito fetal registrado em acidente de trânsito, quando o nascituro contava 37 semanas de idade gestacional[1].

Nas razões recursais sustentaram os autores, em síntese, que: o ordenamento jurídico confere proteção à vida intra-uterina, desde a concepção, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana; por isso, há direito à indenização securitária em razão da morte do feto da autora, decorrente de acidente de trânsito.
Em contrarrazões, a seguradora defendeu que o seguro não confere cobertura na hipótese, porque a personalidade jurídica tem início apenas com o nascimento com vida.

O desembargador Sérgio Izidoro Heil, relator do recurso, lembrou em seu voto a existência de pelo menos três teorias sobre a matéria: natalista, intermediária e concepcionista (à qual se filia).

Direitos do Nascituro – Segundo Flávio Tartuce, membro da diretoria da Comissão de Direito das Sucessões do IBDFAM que também é seguidor dessa teoria, os direitos da personalidade do nascituro estão sendo reconhecidos amplamente. Todavia, há um desafio relativo aos direitos patrimoniais: se eles estariam sob condição ou não. Neste sentido, disse o desembargador: “Alterei minha posição anteriormente manifestada e estou inclinado a entender que todos os direitos devem ser reconhecidos ao nascituro desde a concepção, independentemente do nascimento com vida, caso dos direitos sucessórios”.

E ainda que sem adentrar no mérito de cada uma delas, com base no que dispõe o artigo 3º da Lei n. 6.194/1974, o desembargador posicionou-se favorável ao pedido de indenização referente ao seguro DPVAT:

Mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais.
(…)
Se o preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo, haja vista que outra coisa não ocorreu senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina.

No caso em tela, o casal receberá o valor de R$ 13,5 mil, fixado pelo DPVAT para casos de morte, com juros de mora desde a citação e correção monetária desde a época dos fatos, em novembro de 2012. A decisão foi unânime (Apelação Cível nº 2014.032466. 5ª Câmara de Direito Civil do TJ/SC – Rio do Campo. Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil. Julgado em 22/01/2015).

 

EMENTA:
APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA. SEGURO DPVAT.SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO GESTANTE. MORTE DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL/2002. PERSONALIDADE JURÍDICA QUE NASCE COM A CONCEPÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA EM RAZÃO DO ÓBITO DO FETO. ART. 3º DA LEI 6.194/74. PRECEDENTES. DECISUM REFORMADO. RECURSO PROVIDO.

[…] A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil – que condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento, o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei. […]
3. As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro natalista e da personalidade condicional – fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se sustenta.
Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa – como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre outros.
4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais. […] (Resp.
1415727/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 4.9.2014).

 

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a indenização, pelo DPVAT, por morte de nascituro[2]. Vejamos:

 

EMENTA
DIREITO CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. ABORTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO NASCITURO. ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. EXEGESE SISTEMÁTICA. ORDENAMENTO JURÍDICO QUE ACENTUA A CONDIÇÃO DE PESSOA DO NASCITURO. VIDA INTRAUTERINA. PERECIMENTO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. ART. 3º, INCISO I, DA LEI N. 6.194/1974. INCIDÊNCIA.
1. A despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil – que condiciona a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento –, o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei.
2. Entre outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro confere ao nascituro a condição de pessoa, titular de direitos: exegese sistemática dos arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput, do Código Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e
ao cabo, visa a garantir o direito à vida e à saúde do nascituro); alimentos gravídicos , cuja titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei n. 11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa viva do nascituro – embora não nascida – é afirmada sem a menor cerimônia, pois o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) sempre esteve alocado no título referente a “crimes contra a pessoa” e especificamente no capítulo “dos crimes contra a vida” – tutela da vida humana em formação, a chamada vida intrauterina (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume II. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 62-63; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 658).
3. As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro – natalista e da personalidade condicional – fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. O paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos patrimoniais. Porém, atualmente isso não mais se sustenta.
Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa – como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre outros.
4. Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais.
5. Portanto, é procedente o pedido de indenização referente ao seguro DPVAT, com base no que dispõe o art. 3º da Lei n. 6.194/1974. Se o preceito legal garante indenização por morte, o aborto causado pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina.
6. Recurso especial provido.
(STJ – 4ª Turma. RESP n° 1.415.727 – SC. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Data do Julgamento: 04/09/14).

 

nascituro

Correntes doutrinárias que tratam sobre os direitos do nascituro:

Teoria concepcionista – sustenta que o nascituro é pessoa humana, tendo direitos resguardados pela lei. De acordo com o professor e advogado Flávio Tartuce, membro da diretoria da Comissão de Direito das Sucessões do IBDFAM, a teoria concepcionista vem ganhando força tanto na doutrina quanto na jurisprudência, e já é possível afirmar que ela é majoritária, superando a teoria natalista. Encabeçaram tal corrente, entre os antigos, Pontes de Miranda, Rubens Limongi França e Teixeira de Freitas; entre os contemporâneos do Código Civil de 2002, destacam-se Antônio Junqueira de Azevedo, Francisco Amaral, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald, Giselda Hironaka e Silmara Juny Chinellato e Almeida.

Teoria natalista – sustenta que a personalidade jurídica só se inicia com o nascimento. Os adeptos dessa tese defendem que a titularização de direitos e personalidade jurídica seriam conceitos inexoravelmente vinculados, de modo que, inexistindo personalidade jurídica anterior ao nascimento, a consequência lógica é que também não há direitos titularizados pelo nascituro, mas mera expectativa. Os principais partidários da teoria natalista foram os comentaristas e doutrinadores clássicos do Código Civil de 1916, como Caio Mário da Silva Pereira, Sílvio Rodrigues, Eduardo Espínola e Vicente Ráo.

Corrente intermediária – conhecida como teoria da personalidade condicional ,para a qual a personalidade jurídica começa com o nascimento, mas o nascituro titulariza direitos submetidos a condição suspensiva, ou direitos eventuais. Citam-se como partidários Clóvis Beviláqua, Washington de Barros Monteiro e Arnaldo Rizzardo.

 


[1] Assessoria de Comunicação do IBDFAM
[2] Ementa publicada no ementário do Boletim da AASP n° 2923, de 12 a 18 de janeiro de 2015, páginas 11 e 12.

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Advogada com atuação especializada em Direito de família e sucessões. Designer. Apaixonada por tecnologia e inovação, gosta de descomplicar o direito através do Legal Design e Visual Law.
Diretora de Inovação da OAB/RJ NI. Presidente da Comissão Especial de Legal Design e Inovação Jurídica da OAB/RJ NI. Diretora adjunta de Comunicação da ANACRIM/Baixada.
Mediadora judicial certificada pelo TJRJ e CNJ. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil.

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