quinta-feira,28 março 2024
ArtigosMediação: reflexões e críticas

Mediação: reflexões e críticas

É fato que o direito moderno se caracteriza por um aumento da complexidade social, agravada pela crise no Poder Judiciário, no sentido de que não está conseguindo resolver os conflitos que lhe são submetidos de maneira célere ou de garantir a efetividade de suas decisões.

Surge assim a mediação, e também a conciliação, está já prevista nos ordenamentos processuais pretéritos, como uma alternativa de resolução de conflitos, cujo ponto fulcral nesta reflexão é a mediação no Direito de Família.

Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil dispôs em seu artigo 334 [1] que, preenchendo a petição inicial os requisitos essenciais, e não sendo o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação.

Determinação essa repetida no artigo 27 da Lei 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de igual forma, fez constar de sua página na internet que “A Conciliação e a Mediação são métodos consensuais de solução de conflitos nos quais as partes são incentivadas a resolver os litígios de forma autônoma, respeitosa e harmônica. Sem dúvida, são os instrumentos eficazes e efetivos de pacificação social, que possibilitam solucionar uma demanda com rapidez, com menos custos e desgastes”.

E prossegue, afirmando ser “um serviço prestado pelo Poder Judiciário à disposição da população no âmbito pré-processual e processual, em primeiro e segundo grau de jurisdição”.

Consta da Exposição de Motivos do CPC/15 que “pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação”.

De outro vértice, cabe também destacar o artigo 3º do NCPC, em especial o § 2º ao dispor que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos e o § 3º, que afirma ser a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos medidas que devem ser estimuladas por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público.

Não temos dúvidas de que a mediação de conflitos como mecanismo de resolução de litígios pode fortalecer o sentimento de redes de sociabilidade e participação na luta por direitos, pode ser um instrumento de participação ativa no processo democrático.

Afinal, segundo Konrad Hesse [2], a efetiva realização normativa e não apenas nominal dos direitos fundamentais insculpidos na Constituição deve valorizar os mecanismos procedimentais democráticos centrados na participação ativa dos cidadãos.

Essa é a visão e o objetivo do Novo Código de Processo Civil ao tratar do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional quando, no início de suas disposições, aborda as suas normas fundamentais, trazendo a ideia de que se trata de dever do Estado promover a solução consensual dos conflitos.

De fato, no CPC/2015 o legislador tomou atitudes concretas para otimizar a solução de conflitos, dispondo sobre conciliadores e mediadores judiciais do artigo 165 a 175, criando inclusive os Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos, efetivando o que já havia sido previsto na Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça em 2010, ampliando assim o chamado sistema multiportas.

Pois bem, como todos sabem na conciliação o conciliador pode sugerir às partes soluções para o litígio enquanto na mediação o mediador apenas auxiliará os interessados a compreender as questões e os interesses envolvidos no conflito, de modo que os próprios envolvidos possam chegar a uma solução.

Portanto, trata-se da cultura do diálogo, pois “essa forma de resolução possibilita ganhos mútuos através de soluções elaboradas pelas próprias partes por meio de recursos transdisciplinares e o empoderamento pessoal” (Nunes, 2016, p. 34). [3]

Isto posto, passamos à análise da forma pela qual a mediação vem sendo colocada em prática pelo Poder Judiciário Catarinense.

Para tanto, certamente não se pode olvidar que o processo de mediação tem em vista o objetivo maior de restabelecer os laços abalados pelo conflito, bem como desenvolver nos envolvidos a capacidade comunicativa necessária para lidar com situações conflituosas, presentes e futuras.

Busca fazer o tratamento adequado dos conflitos, dando maior efetividade ao princípio do acesso à justiça e da mínima intervenção estatal, de forma a preservar o instituto da família – o foco aqui é a mediação no Direito de Família – e desafogar o Poder Judiciário.

Todavia, temos visto com frequência serem designadas audiências – ou sessões – de mediação que parecem ignorar os fatos do processo, talvez porque sejam designadas sem ler os fatos.
Com efeito, mormente os objetivos da mediação e os seus possíveis e inegáveis resultados, notadamente a pacificação do conflito, não se pode também ignorar que existem situações nas quais tal efetivamente não é possível.

Como por exemplo naqueles casos nos quais o casal já se encontra separado de fato há vários anos, ambos com uma nova família, quando infelizmente ainda pairam mágoas recíprocas, quando por óbvio a não existe inclusive a possibilidade de reconciliação, aliás, esse sequer é o objetivo, situações nas quais o desgaste somente tende a aumentar e, salvo melhor juízo, não cabe nesses casos ao Poder Judiciário intervir.

Vale dizer, é considerável o entendimento majoritário da não aplicação de mediação, por exemplo, em casais com histórico de violência doméstica, pois em certos casos inclusive a agressão conjugal pode ser mútua, de modo que, mormente a evidente falha de comunicação das partes, em certos momentos a rediscussão pode trazer efeitos contrários.

A principal crítica em relação à atuação do Poder Judiciário Catarinense nessa questão, vai além da simples designação de mediação sem observar os fatos narrados no processo, porquanto se pauta também no fato de que a nomeação de mediadores pelos magistrados tem imposto às partes, além da mediação não desejada, um ônus também indesejado, porquanto via de regra tal sessão de mediação implica em pagamento dos honorários do mediador, circunstância que a nosso ver, em muitos casos, colide com o princípio constitucional do acesso à justiça.

Outra questão – e crítica – é de ordem processual, que passa a ser analisada à luz do que dispõe o artigo 334 do Código acerca da designação de audiência.

Como a Pandemia da Covid-19 alterou alguns procedimentos do processo, dentre eles a designação da audiência inaugural do artigo 334, as audiências conciliatórias ou de medição têm sido designadas para data posterior à apresentação da contestação.

Até aí sem problemas, afinal necessário se faz respeitar os protocolos sanitários e as recomendações de distanciamento, em nome da Ciência.

Contudo, a divergência cinge-se ao fato de condicionar a não realização da audiência ou sessão de mediação à concordância de ambos os litigantes.

Acerca da melhor interpretação do aludido dispositivo legal é a lição de Freitas Câmara (2017, p. 206), para quem “Apesar do emprego no texto legal, do vocábulo “ambas”, deve-se interpretar a lei no sentido de que a sessão de mediação ou conciliação não se realizará se qualquer das partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual”. [4]

Prossegue Freitas Câmara (2017, p. 206), “É que um dos princípios reitores da mediação (e da conciliação) é o da voluntariedade, razão pela qual não se pode obrigar qualquer das partes participar, contra sua vontade, do procedimento de mediação ou conciliação (art. 2º, § 2º, da Lei 13.140/2015)”.

Elpídio Donizetti (2015, p. 271), integrante da Comissão de Juristas responsável pela elaboração do CPC/15 comenta que “Caso não haja interesse na conciliação o réu deverá peticionar ao juízo com antecedência mínima de dez dias, contados da data da audiência”. [5]

Portanto, ao que parece a não participação na audiência é um direito da parte, não condicionado à vontade do magistrado ou da lei.

Para finalizar, cabe esclarecer que o autor com certeza não é contra a mediação, como pode parecer, porquanto entende sim ser uma via de pacificação dos conflitos bastante eficiente, quando corretamente aplicada, isso porque seu objetivo vai além da conciliação, é a completa pacificação social, evitando que o conflito se repita, uma vez que a solução é dada pelas próprias partes.

Contudo diverge sim da forma como vem sendo aplicada a mediação por alguns magistrados do Poder Judiciário Catarinense, sem analisar os fatos postos na peça processual, sem acatar o Direito à não participação de forma unilateral na audiência; pois é preciso sim reconhecer que não são todos os processos que é possível a aplicação da mediação, mormente quando não há a voluntariedade.

Ainda, àqueles que vêem no advogado o empecilho à realização dessa audiência, cabe dizer que é o advogado, mais que ninguém, que melhor conhece os fatos e o seu cliente, é o primeiro Juiz da causa.

O momento exige bom senso, porque o Direito é acima de tudo bom senso!

 


Referências
[1] Código de Processo Civil (2015). Código de Processo Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 2015.
[2] HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição (Die Normative kraff der Verfassung). Porto Alegre: Fabris Editor, 1991.
[3] NUNES, Antonio Carlos Ozório. Manual de Medição: Guia Prático da Autocomposição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
[4] FREITAS C MARA, Alexandre. O Novo Processo Civil Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
[5] DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Atlas, 2015.

Loacir Gschwendtner
Prof. Me.

Advogado. Professor e Mestre em Ciência Jurídica da Universidade da Região de Joinville-UNIVILLE.

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