quinta-feira,28 março 2024
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Mandado de segurança individual e as decisões interlocutórias no processo do trabalho

Coordenação: Francieli Scheffer H.

O processo do trabalho é estruturado em diálogo permanente com outras fontes jurídicas de direito processual, ora em caráter de subsidiariedade, ora em caráter de supletividade. A Lei 6.830/80, a Lei 8.078/90 e a Lei 13.105/2015 são exemplos dessa interdisciplinaridade admitida pela própria Consolidação das Leis do Trabalho em determinados casos, e, noutras hipóteses, pela doutrina e pela jurisprudência. Este pequeno estudo dedica-se ao manejo do mandando de segurança individual em face de decisões interlocutórias exaradas em processos de competência da justiça do trabalho.

Para alguns doutrinadores de escol o mandado de segurança é uma criação do gênio brasileiro. Construído inicialmente pelas mãos da Constituição de 1934, fruto da Revolução de 30 ocorrida no Brasil após Getúlio Vargas ser derrotado por Júlio Prestes na décima segunda eleição presidenciável ocorrida em 1º de março de 1930, em uma década que os países ocidentais foram influenciados pelos princípios e valores consignados em tratados internacionais concebidos pela triste experiência e legado deixados pela Primeira Guerra Mundial, no Brasil, o mandado de segurança nascera com o propósito de defender direito certo e incontestável, ameaçado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade.

Em sua essência desde sempre o mandado de segurança teve guarida constitucional – à exceção da Constituição de 1937 – com o propósito de instrumentalizar o cidadão com um meio de defesa das suas liberdades contra o Estado, quando não amparadas por habeas corpus, e, atualmente, por habeas data ou por qualquer espécie de recurso. Trata-se, assim, de ação constitucional, de natureza civil, de caráter repressivo ou preventivo, cujo objeto é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato (discricionário ou vinculado) ou omissão praticado por qualquer autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

No âmbito infraconstitucional o mandando de segurança foi regulamentado pela Lei 1.533/51, pela Lei 4.348/64, pela Lei 5.021/66 e, contemporaneamente, está disciplinado pela Lei 12.016/2009.

Na Constituição Federal de 1988 o Brasil consolidou o terceiro paradigma de estado – oriundo dos movimentos constitucionais nascidos após o fim da Segunda Guerra Mundial -, conhecido por Estado Democrático de Direito ou Estado Constitucional, fundado na tridimensionalidade: pessoa humana, com sua dignidade; sociedade política, concebida como democrática e inclusiva; sociedade civil, também concebida como democrática e inclusiva. As liberdades civis deixam de ser compreendidas apenas como direitos de contenção contra do Estado e passam a ser compreendidas também como direitos de prestação contra este mesmo Estado.

Tamanha a importância do mandado de segurança para a consciência do constituinte originário de 88 que a constituição dedicou os incisos LXIX e LXX do art. 5º para estatuir respectivamente o mandado de segurança individual e o mandado de segurança coletivo, com a dimensão de direito fundamental individual e coletivo, regulamentados atualmente nos artigos 1º e 21 da Lei 12.016/2009.

A legitimidade ativa do mandado de segurança pertence à pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira e aos entes despersonalizados dotados de capacidade processual, quando titulares de direito líquido e certo não amparados por habeas corpus e habeas data. No processo do trabalho são exemplificativamente: o trabalhador, o empregado, o tomador dos serviços, o empregador, o espólio e o ministério público do trabalho. A legitimidade passiva, por sua vez, é da autoridade responsável concreta e especificamente pelo ato coator comissivo ou omisso. Em processos trabalhistas são exemplificativamente: os juízes do trabalho, os procuradores do trabalho, os auditores fiscais em matéria trabalhista, os desembargadores dos tribunais regionais e os ministros do Tribunal Superior do Trabalho.

O mandado de segurança deve ser impetrado dentro do prazo decadencial de 120 dias, contados da data do ato coator, excluindo-se na contagem o dia do começo e computando-se o último dia. O art. 5º da Lei 12.016/2009 traz três incisos cada qual com uma hipótese em que o mandado de segurança não será cabível. São elas: i) de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; ii) de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; e iii) de decisão judicial transitada em julgado. O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 266 para orientar o entendimento jurisprudencial de que não cabe mandado de segurança contra lei ou ato normativo em tese, contudo, no MS nº 25.763 o mesmo Supremo Tribunal Federal decidira que na hipótese em que a lei, em sentido abstrato, afete posições jurídicas de forma imediata, poderá ela ser impugnada em mandado de segurança, relativizando assim o teor da mencionada súmula. No Tribunal Superior do Trabalho, através da Súmula 33, há orientação de que não cabe mandado de segurança de decisão transitado em julgado, tendo em vista que o manejo travestiria o uso da ação rescisória.

A competência para processamento e julgamento do mandando de segurança na Justiça do Trabalho é tema tormentoso. A CLT não estabelece nos artigos 652 e 653 a competência funcional e as hipóteses em que os juízes do trabalho poderão julgar e processar o mandado de segurança. A doutrina e a jurisprudência interpretando sistematicamente o inciso IV do art. 114 da Constituição Federal de 1988, em epítome, estabelecem que os juízes do trabalho são funcionalmente competentes para processar e julgar mandado de segurança em face de ato coator praticado por autoridade administrativa dos órgãos de fiscalização das relações do trabalho e das autoridades administrativas integrantes da Administração Pública Indireta.

No âmbito dos tribunais regionais a competência funcional para processar e julgar o mandado de segurança é conferida ao Tribunal Pleno (CLT, art. 678, I, alínea “b”, item 3), entretanto, esta competência é disciplinada pelo regimento interno em razão do sujeito passivo, isto é, em função da autoridade coatora. Cabe, assim, aos Tribunais Regionais processar e julgar o mandado de segurança contra: i) juiz, titular ou substituto, de vara do trabalho; ii) juiz de direito investido na jurisdição trabalhista; iii) desembargador ou órgão do próprio tribunal.

No Tribunal Superior do Trabalho a competência para processar e julgar o mandado de segurança também não está definida na Consolidação das Leis do Trabalho, mas na Lei 7.701/88 e no Regimento Interno daquela corte. Compete: i) ao Órgão Especial: julgar mandado de segurança impetrado contra atos do Presidente ou de qualquer Ministro do Tribunal, ressalvada a competência das Seções Especializadas ii) à Seção Especializada em Dissídios Coletivos: julgar em última instância os mandados de segurança contra os atos praticados pelo Presidente do Tribunal ou por qualquer dos Ministros integrantes da seção especializada em processo de dissídio coletivo; iii) à Seção de Dissídios Individuais: julgar originariamente os mandados de segurança de sua competência originária, na forma da lei; iv) à segunda Subseção Especializada em Dissídios Individuais – SBDI-II: julgar os mandados de segurança contra os atos praticados pelo Presidente do Tribunal, ou por qualquer dos Ministros integrantes da Seção Especializada
em Dissídios Individuais, nos processos de sua competência.

Com a emenda constitucional nº 45/2004 a competência da justiça do trabalho foi ampliada substancialmente e o processo do trabalho teve de adaptar-se às inúmeras pretensões individuais e coletivas que lhe foram submetidas. No mesmo ritmo e proporção em que a competência jurisdicional trabalhista foi alargada aumentou a demanda por decisões liminares, tutelas antecipadas, tutelas cautelares, e, atualmente, pela denominada tutela provisória de urgência disciplinada pela Lei 13.105/2015, concedidas em muitos casos através de decisões interlocutórias. Até então, as decisões liminares, de natureza interlocutória, concebidas pela CLT eram apenas aquela previstas nos incisos IX e X do art. 659, respectivamente destinadas a tornar sem efeito a transferência do empregado que acarretasse mudança de domicílio ou reintegrar ao trabalho dirigente sindical detentor de estabilidade no empregado.

Em contrapartida, o processo do trabalho – desde a edição do Decreto-lei nº 8.737, de 19 de janeiro de 1946 que deu nova redação ao § 1º do art. 893 da Consolidação das Leis do Trabalho – é edificado sob a regra processual geral de que as decisões interlocutórias são irrecorríveis. Aqui está o problema: compatibilizar o referido dispositivo celetista com a proteção do direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, contida no art. 1º da Lei 12.016/2009.

Contemporaneamente, em razão da amplitude da regra prevista no art. 1º da Lei 12.016/2009 para o cabimento do mandado de segurança individual o entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante é o de que fora das hipóteses tratadas no art. 5º da referida lei o mandado de segurança é cabível contra todo e qualquer ato coator de natureza administrativa ou judiciária, desde que não haja outro instrumento processual previsto em lei para atacar o ato ou a decisão coatora. Nesse sentido a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho reproduzida no inciso II da Súmula 414: “ II – No caso de a tutela provisória haver sido concedida ou indeferida antes da sentença, cabe mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio.”

O cabimento do mandado de segurança, portanto, é residual. Toda e qualquer decisão interlocutória proferida na justiça do trabalho, quando coatora e violadora de direito líquido e certo cuja titularidade e aparência possa ser demonstrada por prova pré-constituída, desafia a impetração de mandado de segurança.

A título de exemplo, oportuna a Orientação Jurisprudencial nº 98 da SBDI-II do Tribunal Superior do Trabalho, sufragando o cabimento do mandado de segurança contra decisão interlocutória que exige o depósito prévio de honorários periciais para realização de perícia requerida pela parte.

Conclui-se, assim, que o mandado de segurança não tem natureza recursal e não pode ser manejado como um sucedâneo recursal. Trata-se de uma ação constitucional destinada a tutela das liberdades daquela pessoa física ou jurídica que diante de um ato ou uma decisão coatora não encontra no ordenamento jurídico amparo específico sobre o instrumento adequado, útil e necessário para tutela de determinado direito líquido e certo violado.

 


Referências

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8. ed., LTr: São Paulo, 2010, p. 1146.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. Ed., Atlas: São Paulo, 2009, p. 152-153.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. Ed., Atlas: São Paulo, 2009, p. 156-157.

“Art 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (…). 33) Dar-se-á mandado de segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.” (BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil: promulgada em 16 de julho de 1934).

DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Constituição da República e Direitos Fundamentais: Dignidade da pessoa humana e Justiça Social do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 42.

MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 14. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 467.

MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 14. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 468.

Art. 893 – Das decisões são admissíveis os seguintes recursos: (…). § 1º – Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acessado em 14.06.2021.

OJ nº 92. TST. SBDI-II.92. MANDADO DE SEGURANÇA. EXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO (inserida em 27.05.2002) Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passível de reforma mediante recurso próprio, ainda que com efeito diferido.

OJ nº 99. TST. SBDI-II. MANDADO DE SEGURANÇA. ESGOTAMENTO DE TODAS AS VIAS PROCESSUAIS DISPONÍVEIS. TR NSITO EM JULGADO FORMAL. DESCABIMENTO (inserida em 27.09.2002). Esgotadas as vias recursais existentes, não cabe mandado de segurança.

Leonardo H. Berkembrock

Possui graduação pela Universidade Paranaense (2009), laureado com o título de "Melhor Aluno do Curso de Direito". Curso Pós-Graduação Lato Sensu: MBA em Direito Civil e Processo Civil, pela Fundação Getúlio Vargas. Curso Pós-Graduação Lato Sensu em Direito e Processo Eleitoral pela União das Escolas Superiores Rondonienses. Curso Pós-Graduação Lato Sensu: MBA em Direito: Trabalho e Processo do Trabalho, pela Fundação Getúlio Vargas. Mestrando em Direito das Relações Sociais e Trabalho pelo Centro Universitário - UDF. Advogado. Fundador e sócio-administrador do escritório de advocacia DallAgnol e Berkembrock Advogados Associados. Professor de Direito do Trabalho.

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