quinta-feira,18 abril 2024
ColunaElite PenalMandado de condução coercitiva de investigado ou acusado

Mandado de condução coercitiva de investigado ou acusado

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Da inteligência do artigo 260 do CPP, se o acusado ou investigado “não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.

Trata-se o presente instituto da possibilidade de o delegado de polícia ou juiz de direito, se fazer valer da força necessária e não abusiva para que o investigado seja conduzido a presença da autoridade, a fim de suprir seu eventual descaso com o Estado na busca pela efetiva persecutio criminis, para realização de um ato relevante, seja durante as investigações em sede de inquérito policial, seja no decurso do processo penal.

Em relação a sua natureza jurídica, Renato Brasileiro de Lima, ensina que, embora “não listada no rol das medidas cautelares diversas da prisão dos arts. 319 e 320 do CPP, a condução coercitiva também funciona como medida cautelar de coação pessoal”. [1]

No escólio de Henrique Hoffmann Monteiro de Castro e Adriano Sousa Costa, referido instituto amolda-se como “medida cautelar híbrida, de natureza pessoal e probatória, que importa em certo grau de tolhimento da liberdade do indivíduo e volta-se teleologicamente à obtenção de algum elemento informativo ou probatório”. [2]

Inegável reconhecer que a condução coercitiva cerceará a liberdade do indivíduo pelo lapso temporal em que estiver à disposição da autoridade para efetiva realização do ato procedimental. Não obstante, impende ressaltar que sob pena de incorrer em crime de abuso de autoridade (Lei nº 4898/1965, artigo 3º, letra “a”), a restrição de liberdade do conduzido deverá ter por base tempo suficiente ao atendimento do objetivo do mandamus.

Consoante dispõe preceitos do dispositivo em destaque, o mandado de condução coercitiva visa suprir ausência do atendimento de notificação anterior de comparecimento à Delegacia de Polícia (no caso de inquérito policial – IP), ao Ministério Público (no caso de procedimento investigatório criminal – PIC) ou à presença do Juízo competente (no caso de ação penal) a fim de prestar interrogatório, ser identificado criminalmente, submeter-se a formal reconhecimento pessoal, impedir que destrua ou oculte provas, entre outros atos que a autoridade julgar imprescindíveis à eficácia das investigações ou do processo crime, sempre com a absoluta observância das garantias fundamentais, inclusive do princípio do “nemo tenetur se detegere

Destarte, observando que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, corolário do direito ao silêncio insculpido no artigo 5º, inciso LXIII, da CF/88, entendem Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves que “não se justifica a condução coercitiva do réu para interrogatório, pois, em relação aos fatos (interrogatório de mérito), pode optar pelo silêncio”, fazendo alusão, inclusive, à jurisprudência do STJ, in verbis:

O comparecimento do réu aos atos processuais, em princípio, é um direito e não um dever, sem embargo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de reconhecimento. Nem mesmo ao interrogatório estará obrigado a comparecer, mesmo porque as respostas às perguntas formuladas ficam ao seu alvedrio. (STJ – REsp 344.677/RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 30.09.2002, p. 297). [3]

Não há, portanto, que se falar em prisão provisória e sim mera restrição temporária da liberdade do indivíduo para participação dos atos procedimentais. Aduz Renato Brasileiro de Lima que “em comparação com a prisão preventiva (ou temporária), há uma redução do grau de coerção da liberdade de locomoção do investigado, que fica restrita ao tempo estritamente necessário para a preservação das fontes de provas, não podendo persistir por lapso temporal superior a 24 (vinte e quatro) horas, hipótese em que assumiria, indevidamente, as vestes de verdadeira prisão cautelar”. [4]

A legitimidade para expedir o mandado de condução coercitiva encontra divergência na doutrina, vez que o artigo 260 do Código de Processo Penal faz menção da competência à “autoridade”, sem, contudo, individualiza-la como sendo o Delegado de Polícia, o membro do Ministério Público ou o Juiz de Direito.

Guilherme de Souza Nucci entende que,

“somente o juiz pode determinar a condução coercitiva, visto ser esta uma modalidade de prisão processual, embora de curta duração. E a Constituição é taxativa ao preceituar caber, exclusivamente, à autoridade judiciária a prisão de alguém, por ordem escrita e fundamentada (art. 5º, LXI)”. [5]

Como segunda vertente, Norberto Avena expõe que

“a autoridade judiciária no curso do processo e também a autoridade policial no correr do inquérito policial podem determinar a condução do acusado/investigado a sua presença. Considera-se, para tanto, que o art. 144, § 4º, da Constituição Federal atribuiu às policiais civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Sendo assim, por força da doutrina americana intitulada Teoria dos Poderes Implícitos, incorporada ao nosso ordenamento, faculta-se a autoridade policial adotar todas as providências necessárias para que seja realizada tal apuração, inclusive a própria condução do suspeito para prestar informações sobre o fato investigado, desde que respeitadas, obviamente, as garantias legal e constitucionalmente estabelecidas […]”. [6]

Explica o renomado autor que a denominada

“Teoria dos Poderes Implícitos é aquela pela qual se entende que, se a Constituição Federal estabelece determinados fins, deve também permitir a utilização dos meios necessários para alcança-los, respeitadas, sempre, as garantias estabelecidas pela própria Carta Magna em prol do indivíduo. Ora, aplicada essa doutrina à hipótese em exame, infere-se que o objetivo de elucidação das práticas criminosas é consentâneo com a condução coercitiva dos investigados por ordem do delegado de polícia sempre que essa providência revelar-se efetivamente necessária.” [7]

A jurisprudência dos Tribunais Superiores têm demonstrado reconhecimento à legitimidade pela expedição do mandado de condução coercitiva pelo Delegado de Polícia. Veja-se o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“1. De acordo com os relatos e informações constantes dos autos, percebe-se claramente que não houve qualquer ilegalidade na condução do recorrente à delegacia de polícia para prestar esclarecimentos, ainda que não estivesse em flagrante delito e inexistisse mandado judicial.
2. Isso porque, como visto, o recorrente em momento algum foi detido ou preso, tendo sido apenas encaminhado ao distrito policial para que, tanto ele, quanto os demais presentes, pudessem depor e elucidar os fatos em apuração.
3. Consoante os artigos 144, § 4º, da Constituição Federal, compete “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, sendo que o artigo 6º do Código de Processo Penal estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito.
4. A teoria dos poderes implícitos explica que a Constituição Federal, ao outorgar atribuições a determinado órgão, lhe confere, implicitamente, os poderes necessários para a sua execução.” (STJ, RHC 25.475/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJ 16.11.2010)

Divergindo quanto à fundamentação, nossa Suprema Corte também entende que o Delegado de Polícia é autoridade legitimada para expedir o mandado de condução coercitiva. Veja-se o que o STF decidiu:

“A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos. IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária. […] (STF, 1ª Turma, H 107.644/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06/09/2011, DJe 200 17/10/2011.)

De outra sorte, inegável que ao juiz, como autoridade judiciária natural, é deferida a possibilidade de expedir o mencionado mandamus. Esta possibilidade desnecessita de maiores digressões ante a ausência de dissenso.

O mesmo não se verifica ao parquet, vez que em decisão do STF, acordou-se que

“o Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização intra-orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que promova “ex propria auctoritate“, não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direito do investigado ao silêncio (“nemo tenetur se detegere“), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais.” (grifo meu) (STF, 2ª Turma, HC 94.173/BA, Rel. Min. Celso de Mello, j. 27/10/2009, DJe 223 26/11/2009.)

A tendência indica que, após a eficaz regulamentação das investigações presididas por Promotores de Justiça, com delimitação de atribuições e controle das atividades, poder-se-á ter nova interpretação da norma contida no artigo 260 do CPP. Porém, por enquanto, em sede de procedimento investigatório criminal (PIC), não é autorizado ao membro do Ministério Público a condução coercitiva de investigado.

Destarte, tem-se por legitimados a expedir o competente “mandamus” as autoridades policial e judiciária.

Trata-se, portanto, referido instituto, de importante mecanismo de auxílio à persecução penal a qual tem sua efetividade garantida pelo nosso ordenamento jurídico, tendo tornado amplamente conhecido fora do universo jurídico com a recente utilização pelos delegados da Polícia Federal na condução coercitiva de notório político do país em sede de investigações desencadeadas em inquérito policial.


 

REFERÊNCIAS:

LIMA, Renato Brasileira de. Manual de Processo Penal. 3ª ed., Salvador, Juspodivm, 2015.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo, GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal Esquematizado, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 13. ed., São Paulo, Forense, 2014.
AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 6ª ed., São Paulo, Método, 2014.

___________________

[1]. LIMA, Manual de Processo Penal, p. 658.
[2]. CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro de, COSTA, Adriano Sousa. Condução coercitiva é legítimo mecanismo da persecução penal. Consultor Jurídico, disponível em <http://www.conjur.com.br/2016-mar-11/conducao-coercitiva-legitimo-mecanismo-persecucao-penal#_ftn2 >. Acesso em 11/03/2016.
[3]. REIS e GONÇALVES, Direito Processual Penal Esquematizado, p. 306.
[4]. LIMA, Manual de Processo Penal, p. 659.
[5]. NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, p. 705.
[6]. AVENA, Processo Penal Esquematizado, p. 179-180.
[7]. AVENA, Processo Penal Esquematizado, p. 179-180.

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