sexta-feira,29 março 2024
ContraditórioA Legalização da Maconha III - Teoria dos Consensos Sobrepostos

A Legalização da Maconha III – Teoria dos Consensos Sobrepostos

Buscando compreender o funcionamento da Razão, John Rawls se dispõe a explicar porque pessoas com uma base racional igual chegam a opiniões diferentes e, por vezes, conflituosas. Os Conflitos constantemente estão vinculados às causas da discordância, chamadas de o Limite do Juízo (RAWLS, 2000, pág. 98)

Os Limites do Juízo evidenciam os obstáculos para uma concordância.

Resumidamente, para Rawls:

  • a)    A evidência empírica ou científica é difícil de ser avaliada;
  • b)    Pode-se concordar com os tipos de considerações feitas pelos outros, mas discordar de sua importância;
  • c)    Há conceitos vagos e sujeitos à controvérsias, por isso a indeterminação pode levar a uma confiança nos julgamentos individuais de cada um;
  • d)    As experiências moldam as formas de medir valores e reconhecer evidências;
  • e)    Existem diversas considerações normativas de peso diferente em ambos os lados de uma controvérsia;
  • f)     Há uma limitação de valores em cada sistema de instituição social, e
  • g)    Muitos julgamentos são feitos em condições nas quais não se deve esperar que pessoas conscienciosas, no pleno uso de suas faculdades racionais, mesmo depois de discussão livre, cheguem a mesma conclusão.

 

Os Limites do Juízo são indícios de que a busca para o entendimento deve considerar todos esses sete fatores. É, tão somente, aplicado às estruturas básicas da Sociedade, e endereçada apenas àqueles que compõem uma Sociedade Democrática e aceita os valores dela.

Os Limites do Juízo também são fontes para o Pluralismo Razoável, ou seja, nem todas as pessoas razoáveis professam a mesma doutrina abrangente.

Ser razoável é perceber e aceitar que os Limites do Juízo colocam restrições àquilo que pode ser justificado perante os outros e, por isso, é normal endossar alguma forma de liberdade de consciência e autonomia do pensamento.

Os Limites do Juízo não devem, segundo Rawls, ser fonte de argumentos céticos tais como Descartes e Hume apontaram – não podemos conhecer por que uma ou mais condições necessárias do Conhecimento não são satisfeitas.

 

Teoria dos Consensos Sobrepostos

 

A deliberação democrática é ancorada, em última análise, nos princípios de Justiça como Equidade. São estes princípios que formam o conteúdo de uma concepção política de justiça a ser aplicada à estrutura básica da sociedade. E são também esses princípios que devem funcionar como um último grau de justificação para as ações individuais de cidadão autônomos.

Nesse sentido, o que confere o caráter democrático à deliberação é a possibilidade de que os cidadãos fundamentem suas ações em termos que possam ser aceitos por outros cidadãos igualmente livres e racionais.

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O Autor elabora a proposta de que esses mesmos princípios devem servir como base da formação da sociedade e indica algumas instituições necessárias à estabilidade de uma sociedade bem ordenada, quais sejam:

 

a) O financiamento de campanhas eleitorais e formas de assegurar que informações públicas sobre questões de política pública se encontrem acessíveis. A prescrição desses arranjos (e dos que se seguem) é meramente uma indicação daquilo que é necessário para garantir que representantes eleitos e outras autoridades possam ser suficientemente independentes de interesses econômicos e sociais particulares e para proporcionar o conhecimento e as informações com base nos quais políticas públicas possam ser formuladas e avaliadas de forma inteligente por cidadãos que empregam a Razão Pública.

b) Certa igualdade equitativa de oportunidades, em especial com relação à educação e ao treinamento profissional. Sem essas oportunidades, não é possível que as pessoas de todos os segmentos da sociedade participem dos debates da Razão Pública ou contribuam para as políticas econômicas e sociais.

c) Uma distribuição decente de renda e riqueza que torne todos os cidadãos capazes de conter os meios polivalentes necessários para tirar proveito de forma inteligente e efetiva de suas liberdades fundamentais.

d) A sociedade entendida como empregador de última instância, mediante a estrutura geral ou local de governo, e mediante outras políticas sociais e econômicas. Encontrar-se destituído de um sentido de segurança de longo prazo e de oportunidades de trabalho e ocupação que deem satisfação corrói não apenas o sentido de autorrespeito dos cidadãos, como também o de que são membros da sociedade, em vez de se perceberem simplesmente como aprisionados por ela. Esta percepção gera desprezo por si próprio, amargura e ressentimento.

e) Garantia de assistência básica à saúde para todos os cidadãos.

 

Como compreender que essa concepção política de justiça e seus valores podem ser adotados como Princípios, os quais devem estar em primeiro plano, sem que os cidadãos abram mão de suas crenças particulares?

 

O Consenso Sobreposto deve responder à pergunta sobre o porquê das pessoas estarem motivadas a fazer com que a Justiça exige, segundo uma concepção política liberal.

Vale registrar que o Termo Liberalismo é utilizado, nos Estado Unidos, e na Filosofia Política, sem a carga de Pejoratividade que o marca no Brasil.

A existência de um consenso sobreposto é sinal de pluralismo e democracia, bem assim de valores liberais (o que não pode ser confundido com o sentido do liberalismo econômico). Nesse termo, “O Liberalismo”, podem-se conter o “left-liberal” (o liberal de esquerda, que, nos países de tradição europeia, equivale ao socialdemocrata e ao socialista) e o “conservative-liberal” (o conservador com valores democráticos).

A Convergência, ou acordo razoável, busca a Estabilidade. Por isso a concepção de justiça adotada deve buscar uma forma adequada de apoio citadino, apelando para a Razão, transformando-a em Autoridade Política.

No Consenso Sobreposto os cidadão razoáveis aceitam e entendem a justificação da concepção política em termos de Razão Pública, ou seja, aceitam e entendem as ideias implícitas na cultura política democrática. Em contrapartida, os cidadãos razoáveis aceitam concepções políticas vindas de suas visões não abrangentes.

No Consenso Sobreposto, as doutrinas razoáveis endossam a concepção política, partindo cada uma de seu próprio ponto de vista.

Mas, como podemos chegar a um entendimento comum sobre o que é justo?

A ideia de Posição Original constitui um dos elementos centrais que compõem a teoria da justiça de Rawls. Por meio dela, os termos de cooperação social, firmados no contrato original, devem ser elaborados a partir de um acordo inicial sobre o qual todos os indivíduos submetidos podem concordar.

A Posição Original é utilizada, assim, como um artifício metodológico, capaz de criar um cenário hipotético em que indivíduos livres e iguais, com igual capacidade racional, podem deliberar sobre o conteúdo dos termos contratuais fundamentais para o convívio social.

Nesse momento hipotético, os indivíduos estariam desvinculados de seus projetos de vida pessoal, isto é, não poderiam conhecer qual o estado econômico, cultural ou político em que estão inseridos na vida social. Suas posições morais, filosóficas ou religiosas não podem influenciar a deliberação na posição original, uma vez que comprometeriam o seu resultado final, desvirtuando o conteúdo essencialmente político dos princípios de justiça. Isso é denominado por Rawls de “O Véu da Ignorância”.

A Posição Original seria um arranjo inicial apropriado para que o acordo social fosse celebrado em uma situação de equidade entre os cidadãos. Trata-se de uma situação imaginada em que as pessoas estariam em condição de igualdade para deliberarem. O autor define as pessoas como sendo cidadãos cooperativos da sociedade, o que seria um pressuposto da posição original. Os cidadãos devem ser livres e iguais em virtude de suas capacidades morais e das faculdades da razão. O fato de terem essas faculdades no grau mínimo necessário para serem membros plenamente cooperativos da sociedade é o que as tornam iguais.

 

Ligando-se a Kant (construtivismo kantiano), a idéia do contrato é introduzida como recurso para fundamentar um processo de eleição de princípios de justiça, que são assim descritos por ele:

a) Princípio da Liberdade: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema de liberdade para as outras.

b) Princípio da Igualdade: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável (princípio da diferença), e b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos (princípio da igualdade de oportunidades).

c) Princípio da Reciprocidade: As Relações entre as pessoas e os Estados devem ser de tal modo que, ao Custo da Manutenção do Órgão Estatal, corresponda um mínimo de Benefícios e Vantagens Sociais prestados pelo Estado. Essa relação se dá em termos do quanto o cidadão paga de Tributos e sua contrapartida em Serviços Públicos, por exemplo.

 

Tais princípios exercem o papel de critérios de julgamento sobre a justiça das instituições básicas da sociedade, que regulam a distribuição de direitos, deveres e demais bens sociais. Eles podem ser aplicados (em diferentes estágios) para o julgamento da constituição política, das leis ordinárias e das decisões dos tribunais.

Aceitos os princípios básicos de justiça, neste sistema de cooperação equitativa com vistas a vantagens mútuas, os cidadãos poderão formatar sua constituição (seguindo os princípios, por meio de convenção) e, com base nessa constituição, elaborar suas leis e cumprir suas normas por intermédio do judiciário.

Uma vez que o poder político é sempre coercitivo – apoiado no monopólio que o Estado tem da força legal –, num regime democrático ele é também o poder do público, isto é, o poder dos cidadãos livres e iguais como um corpo coletivo. Mas, se cada cidadão tem uma mesma parcela de poder político, então, na medida do possível, o poder político deveria ser exercido, pelo menos quando os elementos constitucionais essenciais e questões de justiça básica estão em discussão, de uma maneira que todos os cidadãos possam endossar publicamente à luz de sua própria razão.

Esse argumento ilustra o princípio de legitimidade política da justiça como equidade, e leva à apresentação do terceiro e último conceito de sua justificação, a saber, a Razão Pública, que pode ser traduzida como “a forma de argumentação apropriada para cidadãos iguais que, como um corpo coletivo, impõem normas uns aos outros apoiados em sanções do poder estatal.”

Isto porque Rawls defende que a “Razão Pública é a característica de um povo democrático: é a Razão Pública de seus cidadãos, daqueles que compartilham o status da cidadania igual.”

Na atual guerra civil da Síria, pôs-se em causa a ascendência (ou mesmo a supremacia) de um grupo étnico-religioso sobre as instituições jurídico-político-militares daquele Estado. A inexistência de um consenso sobreposto é impeditiva da reacomodação das forças sociais. De um lado, há o desejo de supremacia dos grupos majoritários sobre os atuais titulares do poder estatal, cujo desdobramento, por experiência histórica, será a aniquilação dos setores derrotados. De outro, os atuais governantes lutam para manter o status quo, porque não acreditam na formação de um “overlapping consensus”, até em razão da lembrança perpétua de seus crimes passados.

No Brasil, a redemocratização iniciada em 1985 é um exemplo de reconstrução do consenso sobreposto na sociedade brasileira. Como resultado disso houve uma reacomodação de forças políticas, com base em caracteres ideológicos. E, por outro lado, o deslocamento das funções de arbitragem das “grandes controvérsias” sociais (e políticas) das Forças Armadas para o Poder Judiciário. Sendo que, originalmente, ocupavam esse papel o imperador e o Conselho de Estado. Algo bem semelhante deu-se na Alemanha com a transmissão dessa prerrogativa do Kaiser para o Reichspräsident (e o Führer, na ditadura hitlerista) e, após 1950, para o Tribunal Constitucional.

Em sociedades que saíram de longos períodos ditatoriais, como a brasileira ou a argentina, ou que vivenciaram guerras totais, como o Japão e a Alemanha, é perfeitamente compreensível que as Cortes judiciárias tomem para si uma importante parcela da atribuição de formar e dar substância aos consensos sobrepostos. A desarticulação das forças políticas, a inexperiência com os rituais democráticos e tantos problemas acarretados por governos de exceção terminam por impor ao Judiciário essa função de traduzir em linguagem jurídica os valores desse novo tempo. A razão é simples: o Judiciário é uma estrutura integrada por técnicos experimentados e que possui maior abertura ao pluralismo decorrente do contraditório. A racionalidade do consenso mínimo é, em larga medida, facilmente transposta pela comunidade jurídica para as leis, as sentenças e os escritos doutrinários.

O recurso a conceitos e cláusulas que reforçam a existência desse consenso sobreposto deve-se tornar, cada vez mais, estrito e reservado aos casos indispensáveis. Em conflitos severos, nos quais o equilíbrio entre as forças da sociedade haja sido posto em causa, o apelo aos consensos sobrepostos é legítimo e útil. Fora dessas hipóteses, poder-se-á incorrer em quatro séries distintas de efeitos:

 

a) A vulgarização e a banalização daqueles conceitos/cláusulas, a ponto de, por significarem tudo, passarem a nada significar.

b) A apropriação desses conceitos/cláusulas por segmentos (grupos ou parcelas) da sociedade, de tal maneira que eles deixam de servir como expressões ou meios de irradiação dos consensos sobrepostos. Com isso, aqueles se tornam instrumentos parciais, servientes não à construção do pluralismo-justiça-estabilidade (ratio essendi do consenso sobreposto), mas da supremacia de certas doutrinas ou filosofias em detrimento do equilíbrio racional.

c) A assunção pelo Judiciário de toda sorte de conflitos sociais, cuja recepção primária deve-se dar por meios políticos. Haveria como que uma gradação dos conflitos, o que exigiria a seleção prévia pelas instâncias cuja legitimidade popular é imediata e que podem arcar com os custos políticos (e argumentativos) de suas escolhas, por meio da renovação de mandatos populares.

d) O enfraquecimento da dignidade da legislação, que é desconsiderada em nome dos consensos sobrespostos, sem grandes custos argumentativos e com elevadíssima dose de arbitrariedade. Nesse ponto, mais até que os magistrados, a responsabilidade é fortemente imputável à universidade. Sim, os acadêmicos temem ser confundidos com censores do consenso sobreposto e deixam de lado a indispensável apreciação crítica dos abusos que se cometem em nome do consenso sobreposto.

 

Sim, é uma Teoria um pouco complicada, bastante complexa – assim como o Tema da Legalização da Maconha.

O Exemplo do Processo de Transição Política do Brasil demonstra bem o quanto pode ser difícil, na prática, sua utilização, bem como suas Lacunas. É um Ferramental Teórico – na área de Ciência Política ou Filosofia – que pode contribuir para o debate nacional em torno de pressupostos de Formação de uma Política Pública que contemple Saúde e Segurança – os dois Bens tutelados pelo Estado – em benefício da Sociedade – quando se trata de proposta relacionada à Drogas.

Também dá o seguinte recado aos Interessados no tema – recado esse demonstrado pela História; ou a Sociedade é capaz de se articular em termos políticos, ou o Judiciário define a questão em temos coercitivos, Mandamentais, por procedimento de Substituição da Vontade das Partes pela Vontade Judicial.

O exemplo desse estado das coisas é o Processo de Cassação dos Parlamentares com Ordem Judicial de Prisão emanada pelo STF na Ação Penal 470.

 

A possibilidade de uma ruptura entre os Poderes é real, ruptura essa advinda da ausência – por parte de alguns setores da Sociedade –  em aceitar as regras do Jogo Institucional.

E, nesse caso, a regra é clara, ou cumpre a Pena ou não há mais condições de se falar em Estado de Direito Democrático no Brasil.

 

O texto acima foi fundado, em grande parte, pelos trabalhos Acadêmicos de Otavio Luiz Rodrigues Junior[1], Advogado da União, pós-doutor (Universidade de Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); e de  Andrea Regina da Silva Diana[2], Mestre em Filosofia pela Universidade Nacional de Brasília.
Créditos para os dois referidos Teóricos.

 

A Coluna Overdose Jurídica, por razões de ordem Profissional do Colunista, passa a ser publicada, a partir de agora, de quinze em quinze dias, e não mais semanalmente, ainda que continue ás sextas feiras.

 

Forte abraço para todos! ( e até a próxima sexta, dia 28 de fevereiro).
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[1] Revista Consultor Jurídico, disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-set-26/direito-comparado-consensos-sobrepostos-decisoes-judiciais . Acesso em 11/02/2014.
[2] DIANA, Andrea Regina da Silva.Uma defesa da razão pública no liberalismo politico de John Rawls. Disponível em: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/4685/1/Andrea%20Regina%20da%20Silva%20Diana.pdf. Acesso em 11/02/2014.

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