sexta-feira,29 março 2024
ColunaCivilista de PlantãoLegalidade da cessão de crédito de precatório

Legalidade da cessão de crédito de precatório

Recentíssima decisão proferida, em 17.04.2023, pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.896.515, trouxe à tona a discussão sobre a validade de cessão a terceiro de crédito inscrito em precatório.

Por força da Constituição Federal, em seu art. 100, as dívidas contra a Fazenda Pública (União, Estados, Municípios, Autarquias e Fundações) decorrentes de sentenças judiciais transitadas em julgado deverão ser pagas por ordem cronológica de apresentação dos precatórios.

A discussão jurídica é se o crédito inscrito em precatório pode ser objeto de cessão a terceiros, isto é, é lícito ao credor ceder a terceiro, em negócio jurídico oneroso, o crédito constante de precatório? O Poder Público pode ser compelido a pagar diretamente ao terceiro por força da cessão de crédito, independentemente da sua prévia anuência?

Inicialmente, há a disciplina constante do Código Civil, em seu art. 286, segundo a qual o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor.

Tradicionalmente, entende-se que, em se tratando de créditos provenientes de condenações judiciais, existe permissão legal, assegurando a cessão dos créditos traduzidos em precatórios, não se exigindo condicionar a cessão ao consentimento do devedor, por força do princípio constitucional da impessoalidade (RMS 12.735, rel. Min. Humberto Gomes de Barros), e que a sistemática legal do Código Civil permite a cessão de crédito de precatório, independentemente de anuência do Poder Público (AgRg no Ag 647.684, rel. Min. Fernando Gonçalves).

Diante do fato público e notório do atraso no  pagamento pelo Poder Público de suas dívidas constantes de precatórios, uma das alternativas – para abreviar os efeitos deletérios – vem a ser a iniciativa de os credores se valerem de negócios jurídicos onerosos de cessão de créditos, nos quais se transmite a terceiro o crédito em contrapartida do recebimento do valor com deságio.

Existe previsão constitucional no art. 100, §§13 e 14, com a redação conferida respectivamente pelas Emendas Constitucionais 62/2009 e 113/2021, assegurando que o titular de créditos inscritos em precatório pode cedê-los a terceiros sem a necessidade de anuência da Fazenda Pública, sendo a produção de efeitos do negócio jurídico condicionada apenas à comunicação ao tribunal de origem e à entidade devedora.

No mesmo sentido, a Resolução nº 303/2019 do Conselho Nacional de Justiça, em seu art. 42, preceitua que o beneficiário poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos a terceiros, independentemente da concordância da entidade devedora, cabendo ao presidente do tribunal providenciar o registro junto ao precatório.

Segundo o voto da Min. Regina Helena Costa no mencionado REsp 1.896.515, a cessão de créditos inscritos em precatórios permite ao credor, mediante negociações entabuladas com eventuais interessados na aquisição do direito creditício com deságio, a percepção imediata de valores que somente seriam obtidos quando da quitação da dívida pelo Poder Público, cujo notório inadimplemento fomenta a instituição de mercado dos respectivos títulos.

A referida conclusão está em sintonia com a orientação do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a cessão de crédito não implica a alteração da sua natureza, chancelando-se a legalidade da cessão do crédito inscrito em precatório (Tema 361/STF), e o crédito inscrito no precatório, em que tenha havido a cessão de crédito, pertence ao terceiro  e não ao credor originário (ARE 1.390.590, rel. Min. Alexandre de Moraes).

A rigor, a partir da autorização constitucional admitindo a cessão de créditos inscritos em precatórios, não se admite que norma de inferior hierarquia possa restringir a sua aplicabilidade, dentro da máxima de se emprestar a maior eficácia a dispositivo constitucional (RE, rel. Min. Ricardo Lewandoski).

Portanto, à luz do texto constitucional em vigor e da orientação jurisprudencial do STF e do STJ, conclui-se que o crédito inscrito em precatório pode ser objeto de cessão a terceiros, independentemente de anuência do Poder Público, bastando a ciência do tribunal de origem e da entidade pública devedora.

 

 

 

 

 

 

 

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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