sexta-feira,19 abril 2024
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Justiça restaurativa e políticas públicas de combate à criminalidade no brasil: solução de conflitos ou tese da aplicação da maioridade penal?

1 Introdução

A presente pesquisa tem o compromisso de demonstrar o histórico e potencialidades da Justiça Restaurativa como mecanismo que visa aprimorar a resolução de conflitos, para a efetivação da justiça, bem como, desvelar o conceito hodierno de Justiça, sustentado em valores morais autônomos.

Com o propósito de construir as premissas do debate, em um primeiro momento, a pesquisa discorrerá sobre as nuances da “questão social” no Brasil e suas correlações com a Criminalidade, ao passo, de que em uma sociedade onde há índices violentos de desigualdade social, percebe-se que, em paralelo, também há um violento índice de criminalidade.

Num segundo momento, a partir de uma perspectiva dialética analisa-se o fetiche da Justiça, construída em bases de valoração moral autônoma, que se distancia de um racionalismo filosófico, fomentador da redução da maioridade penal, como solução para o problema da criminalidade no Brasil. Essa ideia rasa de Justiça, blindada por valores solipsistas[1]  epistemológicos mostra-se como um desserviço ao estado democrático de direito, por ignorar os valores e princípios fundadores da ordem constitucional

Como proposta de reformulação do conceito de Justiça a pesquisa apresenta o modelo de Justiça Restaurativa, que tem como objetivo a paz social alcançada mediante a autocomposição, a reparação, ao tempo que permite também a responsabilização. Esse modelo de Justiça implantando recentemente no Brasil, como alternativa na resolução de conflitos na seara criminal, especificamente, nas ponderações e resoluções de conflitos que envolvem adolescentes, mostra-se como uma forma de promoção do acesso à justiça, bem como o garantismo penal juvenil, pautado na proteção da criança e do adolescente, ente já marginalizado pela “questão social”, bem como, a sua proteção como pessoa humana titular de Direitos e Garantias Fundamentais.

 

2. “questão social” e outros fatores para a criminalidade juvenil

Para compreensão do fenômeno da criminalidade juvenil faz-se necessário observar alguns aspectos da História Social do Brasil, a qual é marcada por diversas dicotomias e realidades no que concerne a oscilação de desmonte das esferas sociais a partir do enorme cenário de desigualdade após o “amadurecimento do Capitalismo no Brasil.”(SANTOS, 2008).

Desde o período Colonial, passando pelo Imperialismo até a “abolição da Escravatura”, o Brasil foi um grande mentor de mão de obra barata, essa através dos Negros escravizados pelos portugueses do período colonizador, como bem ensina os livros didáticos de História do Brasil.

Em efeito, nessa historicidade, com o fortalecimento do Capitalismo, os desnivelamentos sociais obtiveram uma forte e significativa influência nesse desmonte social. De modo que, fez-se necessária a observância na Teoria Social de um conceito que representasse os desnivelamentos sociais expressos com a objetividade Capitalista, a “questão social”.  De acordo com SANTOS (2008) esse conceito surgiu no Século XIX, como menção ao que se referia a pauperismo e objetos da mesma natureza.

Nessa esteira, a “questão social” é tida como ponto de partida de análises de problemas sociais e das suas naturezas na sociedade. Nesse texto, pode-se pontuar a “questão social” como ferramenta para as abordagens sociais justificadoras. Já que, como bem foi definida por IAMAMOTO (1999, p.27).  A “Questão Social” trata-se do conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade.

Diante disso, um dos problemas binários da criminalidade está descrito nessa realidade social: a apropriação dos frutos da produção Capitalista e o desnivelamento expressivo das classes sociais, classes essas que já vem desde toda a história social brasileira marginalizada, ao passo de com a conceituação da “questão social” numa sociedade em que o capitalismo se desenvolveu como uma nuance paralela à pobreza, essa desde o período colonial, o que fica exposto são níveis de desigualdade social, ineficácias da Justiça e problemas criminais.

Para D’Agostini (2010, p. 47), a desigualdade social “é o resultado da aplicação do neoliberalismo nos países, que vêm gerando o aumento do desemprego, pobreza/miserabilidade, instabilidade social econômica e política”.  Acrescenta a autora que a sociedade industrial avançou muito no desenvolvimento tecnológico e produtivo, mas não veio acompanhado da melhoria da qualidade de vida da sociedade em geral.

Reconhece-se que a delinquência juvenil tem múltiplas razões. Ressalta-se que são várias as teorias que tentam explicar a delinquência juvenil, e como afirma Gomide (2010) elas se dividem em dois conjuntos de teorias, fundadas ou no fator biossocial ou no fator psicossocial, e sobre isso afirma a autora que os defensores do fator biossocial assumem que fatores genéticos e fisiológicos têm papel fundamental na etiologia da delinquência, ou seja, a predisposição biológica para comportamento delinquente permite que uma exposição a relações mal adaptativas, que poderão ocorrer dentro ou fora de casa, potencializarão as tendências biológicas para delinquência.

Por outro lado, aqueles que defendem o ponto de vista psicossocial não valorizam os fatores biológicos na etiologia da delinquência e focalizam no estilo mal adaptativo das relações familiares a origem da delinquência. Estes estudiosos identificam duas importantes variáveis no desenvolvimento do comportamento anti-social: socialização inadequada na família e condições ambientais, fora de casa, que reforçam o comportamento do delinquente. (GOMIDE, 2010. p. 37). Pode sim reconhecer que a criminalidade juvenil no Brasil possui sua nascente na “questão social”, pois, ao passo que as grandes desigualdades sociais avançam, gerando o fator de exclusão social, a criminalidade também avança. No entanto, a questão social não é fator isolado para a criminalidade na adolescência. Conforme afirma D’Agostini (2010) atos infracionais praticados por adolescentes.

Ocorrem como resultado de uma soma de fatores, dentre os quais, a rebeldia e as atitudes indisciplinadas próprias desta fase de desenvolvimento humano; violências domésticas sofridas na 1ª e 2ª infâncias podendo prolongar-se até a adolescência; sentimentos de não pertencimento à família de origem ou substituta; situação socioeconômica desfavorável ao atendimento das suas necessidades básicas; baixa auto-estima; drogadição; abandono e outros que impedem que a pessoa humana cresça de forma sadia e harmoniosa enquanto ser em desenvolvimento, propiciando e promovendo a “fabricação” de crianças/adolescentes que transgridem leis.

Segundo Trindade (2012) outra variável relacionada à delinquência juvenil é a educação incoerente. Ou seja, quando os pais agem de maneira contraditória e confusa, castigando com dureza comportamentos leves ou deixando de castigar adequadamente quando a criança comete alguma ação grave.

Por outro lado, outros fatores também são ensejadores da violência na adolescência, uma vez que o crime pode também ter relação com doenças mentais, decorrentes  de  transtornos  ligados  ao  agir  humano  (comportamento),  nem  sempre destacados quando se fala em criminalidade juvenil. Um desses transtornos, apontado por Trindade (2014, p. 173/174) é o Transtorno de Conduta, entendido esse como “um padrão de comportamento repetitivo persistente no qual são violados os direitos básicos de outras pessoas ou normas ou regras sociais relevantes e apropriadas para a idade”. Afirma o autor que esse transtorno pode ser de origem genética ou ambiental. É consabido que o Transtorno de Conduta tem componentes tanto ambientais como genéticos. Assim, filhos biológicos de pais com Transtorno de conduta, dependentes de álcool, com transtornos de humor,  esquizofrenia  ou  transtorno  de  déficit  de atenção/hiperatividade,   apresentam   altos   níveis   de   concordância (DSM-IV, 1995; DSM, p. 474). Porém, também há indicativos de prevalência do transtorno quando um dos pais adotivos possui Transtorno da Personalidade Antissocial ou há um irmão com Transtorno de Conduta. (TRINDADE, 2014, p. 176).

O transtorno de conduta, segundo o autor, pode ser identificado desde a infância, ou ainda só na idade adulta, dependendo do nível de gravidade que se apresenta (leve, moderado ou grave). O diagnóstico pode ser realizado mediante avaliação de alguns critérios que avaliam o comportamento do indivíduo em várias fases da vida. Ainda sobre o tema, em suas conclusões, afirma Trindade (2014, p. 176) que o Transtorno de Conduta “necessita ser cuidadosamente avaliado, tanto do ponto de vista diagnóstico, quanto do seu curso e prognóstico, especialmente porque, se não receber o devido tratamento, poderá evoluir para o Transtorno de Personalidade Antissocial”.

O Transtorno de Conduta pode incidir em pessoas de qualquer classe social, sem observância de endereço, grau de escolaridade ou conta bancária. Porém, com o olhar acurado da questão, deflui-se que ela pode se mostrar com maior gravidade nas camadas menos favorecidas da população, tendo em vista que ainda que ela se apresente em classes de nível mais elevado, poderá ser diagnosticada precocemente e tratada, possibilitando a prevenção da criminalidade na adolescência.

Como bem citado por GOMES e MOLINA (2008, p.363), o crime não é um tumor nem uma epidemia que assola a sociedade, mas sim, um doloroso problema interpessoal e comunitário, uma realidade próxima do cotidiano, quase doméstica, que nasce na comunidade e deve(ria) ser resolvido pela sociedade, em suma, um problema social, o que implica no seu diagnóstico e tratamento.

No entanto, assumindo a premissa de que o delito tem, em boa parte dos acontecimentos, a sua natureza a partir de problemas sociais, constata-se que o Estado e  a ordem econômica foram e são responsáveis por tal acontecimento delituoso, afinal, como bem orienta algumas teorias criminológicas, especificamente a teoria Marxista do conflito, a qual, tem a sua raiz no pensamento de Marx e Engels, o fenômeno Criminal tem seu nascedouro nos conflitos sociais, conflito esse gerado pela precariedade das relações sociais, de trabalho e de organização da comunidade em favorecimento do enriquecimento Capitalista, segregando e estratificando em camadas (deliberadamente desniveladas) a sociedade. (GOMES e MOLINA, 2008).

De modo que, na ótica da Teoria do Conflito inspirada no Marxismo, a “questão social” fica novamente  exposta como  realidade  paralela à  criminalidade,  já que as condições para algumas camadas sociais tornam-se ativamente inalcançáveis em relação às camadas que estão no topo da “pirâmide social”, ou seja, não são todos que participam da construção social, bem como, dos seus frutos.

Destarte, essa teoria Marxista, mesmo não sendo modernamente a majoritária dentro da Ciência Criminológica, possui uma forte tendência de fortalecimento da Justiça Consensual, ao passo que a mesma possui o seu compromisso objetivo em sanar os problemas criminais, já que esses mesmos problemas são originados das deficiências das relações sociais e as omissões deliberadas do Estado, no enfrentamento da “Questão Social”, haja vista, objetivando em um primeiro momento, a prevenção do delito e a reconstrução das relações afetas por esses problemas pela própria comunidade, já que é dela que nasce esse conflito e é por ela que deve(ria) ser, primariamente, solucionado.

 

3. O desvelo do mito da eficácia da redução da maioridade penal

A violência no país aumentou consideravelmente nos últimos anos, segundo dados do Atlas da Violência 2016 (IPEA/2016). A pesquisa indica dados da violência, que evidenciam que mais 59.627 pessoas foram assassinadas em 2014, com grande elevação em relação aos anos anteriores. Em média um brasileiro é assassinado a cada 9 (nove) minutos no Brasil. A participação de adolescentes em ações criminosas também tem se acentuado cada vez mais. Diante disso, parcela da sociedade vê na redução da maioridade penal uma solução para o enfrentamento da violência no Brasil, como forma de prevenção e repressão a criminalidade. A tentativa de Redução da maioridade penal já se mostra bastante antiga, pois inicialmente foi proposta no ano de 1993, através da PEC 171/1993 apresentada pelo  então deputado Benedito Domingos (PP-DF). Registre-se que essa foi apresentada somente três anos após a promulgação do ECA, o que denota uma resistência clara de insatisfação com o ECA, e em especial com o insculpido pelo estabelecido pela Constituição  Federal  de  1988,  em  seu  artigo  228.  A  referida Proposta  de Emenda Constitucional apresenta nova redação ao art. 228, que passaria a ter a seguinte redação: “ Os menores de dezesseis anos são inimputáveis, sujeitando-se às normas da legislação especial”.

A defesa por parte de uma parte da população para a redução da maioridade penal decorre de considerar que o inimputável não é responsabilizado pelo ato ilícito cometido. Entretanto, essa concepção é eivada de erro, vez que inimputável não quer dizer que não há responsabilização pelo ilícito. O Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA estabelece as medidas socioeducativas como forma não só de sancionar os adolescentes, portanto responsabilização, mas ainda por reconhecê-lo como pessoa em desenvolvimento, assegurando-lhe a possibilidade ressocialização através das medidas educativas que lhes devem ser oportunizadas.

A medida socioeducativa decorre do reconhecimento de que o adolescente é ainda uma pessoa em formação, e, portanto, merece tratamento diferenciado do adulto, por ausência completa de amadurecimento e ainda ser possível uma formação ainda não adquirida. Nesse sentido afirmam Veronese e Oliveira (2008, p.121) que “a lei rompe com o paradigma de que todo o erro é suscetível à punição e de forma insurgente estabelece que, presente o erro, este é possível de ser trabalhado socioeducativamente”. O Estatuto ao assentar-se nas medidas socioeducativas – frente ao ato infracional – firma sua crença no ser humano, na sua capacidade de descobrir valores autênticos a partir do contato direto com práticas educativas que, coerentemente, evidenciem tais valores, e deste modo, acredita na capacidade/possibilidade real deste ser em transformar-se, aprimorando-se (VERONESE; OLIVEIRA, 2008, p.122).

Apesar dessa evolução no entendimento sobre a infância e adolescência incorporado pela Constituição Federal de 1988, tramita atualmente no Congresso Nacional a PEC 33/2012, que propõe a alteração da redação dos arts. 129 e 228 da Constituição Federal, acrescentando um parágrafo único para prever a possibilidade de desconsideração da inimputabilidade penal de maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos por lei complementar. Ainda em tramitação, no Congresso, mostra-se como  resolução do problema da violência, e conta com a imprensa, para angariar o apoio popular.

Nesta perspectiva a proposta de Redução da maioridade penal pode ser considerada como mito[2] da soberania da lei, como se essa por si só pudesse modificar a realidade. A esse respeito afirma Barreto (2013) que a lei, na concepção liberal, não tem capacidade de fazer todas as coisas, mas permite-se fazer qualquer coisa. A ideia de mitologia da lei surgiu, segundo Barreto, em consequência do abandono pelo pensamento político e jurídico do Séc. XVII da tradição clássica, quando direito e lei integravam-se, e a norma legal procurava atender aos valores de justiça, da equidade ou a própria vontade divina. Na Idade Moderna, essa ordem foi substituída pela lei, expressão da vontade do soberano, e que se revestia de um valor em si mesmo. O direito passou a ser aquilo que se encontrava estabelecido no texto legal, ou em outras palavras, a lei é o direito. (2013, p. 20).

O desvelo do mito da eficácia da redução da maioridade penal decorre da compreensão de que a lei por si só não tem o condão de transformação da realidade.  A redução da maioridade penal e o endurecimento da pena não resolvem o problema, pois não enfrentam as suas causas, bem como levam em consideração o fracasso do atual sistema carcerário brasileiro.  D’Agostini (2010) prevê que a redução da idade penal, não evitará que adolescentes (ou até mesmo infantes), sejam aliciados ou se iniciem cedo no mundo do crime. Para autora tal medida só atacaria as consequências e não as verdadeiras causas: os problemas sociofamiliares, políticos, econômicos e culturais.

Cumpre destacar que inimputabilidade penal do adolescente definida em lei decorre do reconhecimento da ausência plena de discernimento. Algumas falácias argumentativas para a redução da maioridade penal, fundam-se exatamente no discernimento do adolescente na contemporaneidade, já conhecedor do mundo e com condições plenas de assumir seus atos. No entanto, como afirma Sposato (2013) o discernimento nunca teve uma definição válida e uniforme, apesar de muitos esforços doutrinários.

Acrescenta a autora que, os distintos critérios, por exemplo, formulados por Jimenez de Asúa, de discernimento jurídico, moral, incluindo o social compreendido como conceito social de conteúdo educativo e considerando o entorno social do  menor,  na  verdade, funcionavam conforme  a conveniência   de apreciação do Tribunal, ou seja, quando se acreditava que as penas poderiam  ser  uteis  para  os  menores,  a  maior  parte  dos  processos terminava com a declaração do discernimento e, do mesmo modo, quando se assinalava a inutilidade das penas em razão dos efeitos prejudiciais da prisão, a maior parte dos processos terminavam com a negação  da  existência  do discernimento,  como  destacou  o  próprio AlImena. (SPOSATO, 2013, p. 162/163).

A imputabilidade prescinde da compreensão plena de seus atos, da avaliação da culpabilidade indicada pela percepção do querer e fazer, e se essa não pode ser cientificamente mensurada, não se poderia admitir a incidência do Direito Penal. O reconhecimento da culpabilidade, como afirma Sposato tem dupla importância, pois segundo ela “reconhece o adolescente como ser humano titular de direitos fundamentais e confere um fundamento à imposição das medidas socioeducativas, limitando o poder punitivo e as chamadas funções preventivas de tais sanções.” (2013, p. 183/184)

As razões apresentadas para a redução da maioridade penal são desprovidas de qualquer cientificidade. Não há estudos que apoiem as razões apresentadas para a redução da idade penal. Elas são destituídas de qualquer cunho cientifico que lhes dê razão. A aporia da culpabilidade vai além da instituição legal de uma idade mínima. Não suficientes as razões já apresentadas, que evidenciam que a redução da idade penal significa grande retrocesso social em relação a proteção à infância e a adolescência no Brasil, resta destacar que a fixação da idade mínima é cláusula pétrea, e por essa razão é um óbice por sua flagrante condição de inconstitucionalidade, vez o que dispõe no artigo 60, parágrafo 4º, IV da Constituição Federal:

4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

IV – os direitos e garantias individuais.

A inconstitucionalidade da PEC da redução da maioridade penal é patente. O art. 228 da Constituição Federal que estabelece a idade mínima a imputabilidade penal, encontrar- se no Capítulo VII, onde prevê a proteção à Família, à Criança, Adolescente, ao jovem e ao Idoso, não descaracteriza a inimputabilidade penal como garantia e direitos individuais. A identificação do direito à inimputabilidade penal, como cláusula pétrea é também defendida por Sposato (2013), por ser visto como conteúdo material da Constituição, derivado dos princípios imutáveis. Defende a autora que,

Tratando-se de direito e garantia individuais, a melhor interpretação é aquela que não só enfatiza a principiologia constitucional (prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes), mas também reconhece o  peso da norma constitucional    dos parâmetros internacionais decorrentes da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e outros instrumentos   ratificados pelo Estado brasileiro. (SPOSATO, 2013, p. 224).

A interpretação da norma constitucional que admite a redução da maioridade penal parte de uma valoração moral e subjetiva do interprete que foge a vontade do legislador. É um papel criativo exercido pelo interprete que dá significado diverso do que se encontra instituído na norma. Essa valoração moral remonta um discurso retrógrado e menorista, recobrando um tempo que não se pretende reviver sobre a invisibilidade da infância, e a condição de proteção estatal dos desvalidos e infratores. No dizer de Sposato (2013, p. 134), uma interpretação que atualiza “o pedagogismo penal, fundado nos dois elementos que caracterizam os modelos tutelares em sede processual: a ausência de garantias e o amplo arbítrio judicial”. A redução da maioridade penal mostra-se como ineficaz e ao mesmo tempo inconstitucional, não se vislumbrando possibilidade sociojurídica para sua implementação.  Por tais considerações, não resta dúvida, que a redução da maioridade penal mostra-se como mito, provocado por uma fetichização do significado de Justiça, a ser abordado em seguida.

 

4. “Justiça” como fetiche

A ideia da redução da maioridade penal decorre de uma ideia fetichista[3] de Justiça. Para os defensores da redução a imputabilidade penal estabelecida somente aos maiores de 18 anos de idade assegura a impunidade àqueles que já são capazes de compreender as consequências de seus atos. Entretanto, essa ideia de impunidade do adolescente é falaciosa, como bem preleciona Saraiva (2006, p. 158) ao afirmar que “ a inimputabilidade- causa de exclusão de responsabilidade penal- não significa, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social”. Acrescenta o autor que a circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante Justiça Penal não o faz irresponsável. A falácia de ausência de responsabilização do adolescente é abstraída de um sentimento arraigado em uma cultura de que a violência se paga com violência, em igual medida. Essa concepção advinda dos primórdios da humanidade é assegurada em várias legislações que adotavam a Lei de Talião, como afirmam Veronese e Oliveira, faz-se necessário rompermos com a cultura do Talião, do castigo, da pena como sinônimo de fazer sofrer, de expiar pelo mal cometido, para a ideia de autonomia do sujeito adolescente que está no bojo da responsabilização social. Ao responsabilizarmos, estamos impondo limites, limites bem definidos pelo Estatuto. Se a Lei 8.069/90 não funciona sob este prisma, é porque estamos trabalhando com profissionais inabilitados e/ou programas inadequados, o que apresenta uma grande omissão, um verdadeiro descaso com a área infanto-juvenil (VERONESE; OLIVEIRA, 2008, p.121).

Reduzir ou não reduzir, seria mais uma questão acerca do que é fazer a coisa certa, como bem trabalhado Michael J. Sandel em sua obra intitulada Justiça, com subtítulo que traz tal indagação, quando apresenta as dualidades ou pluralidades de argumentos sobre temas polêmicos. É nessa perspectiva que é tratado o tema aqui, sobre o que seria mais certo, mais justo e mais efetivo para o enfretamento do problema da violência no país. Sandel (2013) que em sua obra analisa em várias situações o que seria fazer a coisa certa, busca no sentido de Justiça a melhor resposta. Discorre o mesmo sobre várias teorias filosóficas de Justiça, desde as teorias antigas de justiça que partem a virtude, até as teorias modernas que começam pela liberdade.

Sem adentrar nos simples ou sofisticados exemplos apresentados por Sandel, observa-se que suas respostas para os conflitos cotidianos ou até situações mais complexas por ele apresentados, são buscadas em teorias filosóficas de justiça. Parece essa ser uma das formas de possibilitar uma análise epistemológica sobre o tema em tela, que não raro se faz, uma vez que essas fundam-se, em sua maioria, em discussões sociológicas e jurídicas.

Umas das teorias filosóficas apresentadas por Sandel é a teoria utilitarista, que tem como Stuart Mill como um dos seus defensores. A teoria utilitarista de Mill (2000) apresenta a doutrina em que a utilidade ou o princípio da maior felicidade como fundamento da moral, sustenta que as ações estão certas na medida em que elas tendem a promover a felicidade e erradas quando tendem a produzir o contrário da felicidade. O utilitarismo de Mill é fincado na evolução histórica da cultura, bem como a importância da individualidade para o bem-estar.

A ética de Mill defende a autonomia e a liberdade, não admitindo que ninguém seja forçado a fazer o que não deseja, ou agir contra a sua vontade. Ao mesmo tempo, não se pode cogitar que, em razão disso, essa ética possibilitaria que a conduta dos estupradores fosse admitida em respeito à sua liberdade, pois a liberdade e autonomia por ele defendida só dizem respeito à conduta referente à própria pessoa, devendo a pessoa ser responsável por aquilo que diz respeito aos outros.

No entanto, fincado nos princípios na teoria utilitarista de Mill, não se pode concluir que justo seria o sacrifício do direito de adolescentes, pessoas ainda em formação, para o bem-estar coletivo. Seria vã e errônea essa interpretação. Deflui-se da doutrina de Mill, que a conduta humana também deve ser virtuosa, aquela que não admite interesses vis e baseados em sentimentos reprováveis, como a indiferença ao sofrimento alheio. Não comporta aí sacrifícios totais de direitos de adolescentes, sob o pretexto de uma Justiça Social. Na concepção utilitarista, não se conceberia a redução com o sacrifício dos direitos dos adolescentes, pois para Mill uma ação só seria moralmente correta se tende a promover a felicidade, não excluindo dessa inclusive a felicidade de todos os afetados por ela. Essa conclusão só é possível por ser abstraída de uma concepção filosófica do Direito, onde prepondera o diálogo entre as ciências que permite uma interlocução entre o certo e o justo.

Mostra-se assim, que o conceito de justiça não pode ser concebido numa concepção simplista, e desprovida de cientificidade. Esse conceito de justiça que propaga a necessidade de redução da maioridade penal, sem critérios científicos, não merece crédito vez que balizado em senso comum. Para Chauí a Ciência distingue-se do senso comum porque este é uma opinião baseada em hábitos, preconceitos, tradições cristalizadas, enquanto a primeira baseia-se em pesquisas, investigações metódicas e sistemáticas, na exigência de que as teorias sejam internamente coerentes e digam a verdade sobre a realidade. A ciência é conhecimento que resulta de um trabalho racional (2001, p. 251)

Uma Teoria de Justiça, segundo Eusébio Fernandez (1991), tem como objeto de estudo os valores geradores e fundamentadores do Direito e dos fins que estes pretendem e desejam alcançar. Como afirma Fernandez (1991, p. 33) a reflexão filosófica e a análise crítica em torno da ideia de justiça são possíveis e necessárias.

A defesa da redução da maioridade está arraigada a valores desprovidos de cientificidade, fundada em um conceito medíocre e banal de justiça, e com objetivos e propósitos inalcançáveis por essa via. Parafraseando Vicente Barreto, o conflito entre os valores e a prática política jurídica provocou, no campo da teoria jurídica, um processo de reducionismo epistemológico do tema “justiça”.  Isso se deve por não se levar em consideração a complexidade do problema, e pode provocar maiores prejuízos para os adolescentes e para a sociedade, como afirma Santos que quanto maior a reação repressiva, maior a probabilidade de reincidência, de modo que as sanções aplicadas para reduzir a criminalidade, ampliam a reincidência criminal. […] a rotulação como infrator produz carreiras criminosas pela ação de mecanismos pessoais de adaptação psicológica à natureza do rótulo, combinada com a expectativa de outros de que o rotulado se comporte conforme a rotulação, praticando novos crimes (SANTOS, 2002, p.125).

A utilização do termo Justiça para justificar a redução da maioridade penal mostra- se como um fetiche, pela forma banal como é aplicado, desprovido de um sentido real e cientificamente comprovável, uma verdadeira aporia metalinguística, e que portanto, não pode ser considerada como subsidio para sua aprovação. A defesa da redução é norteada por valores particularizados, subjetivistas, fincada em conhecimento fragmentado, vulgar e ingênuo, e esses não se mostram capazes de analisar o fenômeno da violência juvenil.

 

5. Justiça restaurativa como alternativa para o garantismo penal juvenil

Ao compreender que a redução da maioridade penal não se mostra uma medida potencialmente eficaz para o enfretamento da violência no Brasil, indaga-se qual seria então uma medida alternativa para ao menos sugerir um caminho para a prevenção e adequada punição aos adolescentes que praticam atos infracionais?  Para sugerir medidas alternativas necessário se faz compreender a finalidade do sistema de responsabilização estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA.

As medidas socioeducativas devem ser vistas de acordo com seus objetivos, que conforme afirma Sposato (2013) “abarca a ideia de intervenção psicossocial destinada a modificar o sujeito, sendo que somada à negação de seu conteúdo penal permite que se sancionem não os fatos ou atos praticados, mas a subjetividade dos adolescentes e sua condição de existência.” Essa ideia, segundo Veronese; Oliveira (2008) se assenta na crença no ser humano, na sua capacidade de descobrir valores autênticos a partir do contato direto com práticas educativas. As autoras acreditam que tais medidas possibilitam que o adolescente pode transforma-se e aprimorar-se. As medidas socioeducativas, assim, exercem um papel transformador, uma interferência direta na vida desses adolescentes.

No entanto, sabe-se que a realidade do sistema de internação dos adolescentes dista e muito dos objetivos da medida, assim como é também a realidade do sistema carcerário. Por essa razão. Cada vez mais faz-se necessário a implementação de medidas alternativas que sejam capazes de promover a dualidade da responsabilização pelo ilícito cometido, quais sejam, a prevenção e responsabilização, e ao mesmo tempo albergue o sistema de proteção insculpido na Constituição Federal e no ECA.  Em meio a essa discussão, surge assim, a Justiça Restaurativa como um meio alternativo a ser implementado na também em casos de ilícitos cometidos por adolescentes.

Em desenvolvimento no Brasil acerca de dez anos, a Justiça Restaurativa elenca o quadro do modelo consensual de justiça, elemento o qual contribui para o amadurecimento da Justiça Criminal no Brasil, bem como, a possibilidade alternativa de observação das condições humanitárias dos indivíduos envolvidos em conflitos, bem como, a participação e protagonismo de ambos na resolução desse mesmo conflito.

Nesse elemento, para conceituação, o Conselho Econômico e Social da ONU (2002) define a Justiça Restaurativa como: […] qualquer processo no qual a vítima e o ofensor e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador”, é discutida como uma possível alternativa a essa situação de barbárie. A Justiça Restaurativa, através da afirmação de valores como responsabilização, inclusão, participação e diálogo, pode corresponder a anseios civilizatórios inadiáveis nos tempos presentes em que a violência teima em se impor como forma natural de sociabilidade.

Esse novo paradigma de justiça, ao invés de competir com os procedimentos corriqueiros, adotados pela justiça convencional, dá a eles um sentido novo, baseado na participação, autonomia, inclusão e observação às configurações sociais. Sua introdução nos programas de atendimento da privação de liberdade pode contribuir para a responsabilidade ativa de todos os envolvidos na busca de alternativas para enfrentar realidade de violências.

Não obstante, a justiça Restaurativa é uma abordagem que privilegia toda forma de ação objetivando a reparação das consequências vivenciadas após um delito ou crime, a resolução de um conflito ou a reconciliação das partes envolvidas. A mesma não pode ser concebida de forma dissociada da doutrina de proteção aos direitos humanos, vez que ambas buscam, essencialmente, a tutela do mesmo bem: o respeito à dignidade humana.

A aplicação da Justiça Restaurativa na seara da justiça juvenil encontra apoio na Convenção Internacional sobre os direitos da criança, em seu artigo 40, assegura ao adolescente acusado ser tratado de modo a:

  1. promover e estimular seu sentido de dignidade e de valor; portanto, Que o processo  tenha  um  caráter  emancipatório,  valorizando  sua condição de sujeito de direito e, por conseguinte, responsável;
  2. fortalecer o respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, permitindo entrever a abertura a um processo dialógico, que é ínsito à JR; e
  3. estimular sua  reintegração  e  seu  desempenho  construtivo  na sociedade, com ênfase na garantia de seus direitos sociais e, novamente, à sua emancipação pessoal.

Uma nova perspectiva de Justiça se amolda, aplicável também na Justiça da infância e da juventude com o propósito de proporcionar uma justiça social para todos os jovens, possibilitando ao mesmo tempo para a sua proteção e para a manutenção da paz e da ordem na sociedade, em consonância com o estabelecido nos art. 1º e 4º das Regras de Beijing.

Destaca-se que as práticas restaurativas não são feitas para substituir o sistema da justiça tradicional, mas sim para complementar as instituições legais existentes e melhorar o resultado do processo de justiça. Ao descentralizar a administração de certas demandas da justiça, que são tipicamente determinadas de acordo com a gravidade legal e moral da ofensa, e ao transferir o poder de tomada de decisão ao nível local, o sistema de justiça estatal e os cidadãos podem se beneficiar. A micro-justiça pode ter um efeito intrínseco para o processo, levando-o à resultados positivos, tais como: Reduzir o volume de casos para os tribunais; melhorar a imagem do sistema formal; dotar poder aos cidadãos e as comunidades através da participação ativa no processo de justiça; favorecer a reparação e a reabilitação ao invés de retribuição; ter por base os consensos e não a coerção.

Os programas de justiça restaurativa diferem de justiça tradicional, uma vez que possibilita a participação no processo. O envolvimento ativo em projetos de micro justiça, como administradores, usuários, ou como testemunhas participativas funcionam para dar poder aos cidadãos e comunidades menos privilegiados.

Em um sistema retributivo, o que se espera do infrator é que ele suporte sua punição. Para a Justiça Restaurativa o que importa é que ele procure restaurar ativamente a relação social quebrada. Para isso, os procedimentos restaurativos deverão considerar a situação vivida pelo infrator e os problemas que antecederam e agenciaram sua atitude. Assim, paralelamente aos esforços que o infrator terá que fazer para reparar sua infração, caberá a sociedade oferecer-lhe as condições adequadas para que ele possa superar seus limites como, por exemplo, déficit educacional ou moral ou condições de pobreza ou abandono.

Os procedimentos da Justiça Restaurativa começam com a quebra do relacionamento social, mas o que deverá ser restaurado não é a ocasião desse relacionamento, mas um ideal de igualdade na sociedade. Como “relacionamento ideal”, define-se a importância dos seus valores como dignidade e respeito. Um ideal que sobrevive quando os direitos básicos, como a segurança das pessoas, são respeitados ainda que o contexto mais amplo esteja marcado por desigualdades e injustiças sociais.

O que as punições produzidas pela Justiça Criminal permitem é que ambos, infrator e vítima, fiquem piores. A retribuição tende a legitimar a paixão pela vingança e, por isso, seu olhar está voltado, conceitualmente, para o passado. O que lhe importa é a culpa individual, não o que deve ser feito para enfrentar a situação conflitante e prevenir a repetição.

Por essa razão, no âmbito do garantismo juvenil, faz-se necessário conceituar o garantismo penal juvenil como elemento de enfrentamento às inobservâncias aos direitos fundamentais, bem como, na aplicação da Justiça aos adolescentes em conflito com a lei.

Nesse elemento, para FERRAJOLI (2000), o Estado Constitucional de Direito pode ser visto como um novo modelo de direito e de democracia, por tal motivo, orienta ainda Luigi Ferrajoili, o Garantismo é a outra cara do Constitucionalismo, uma vez que lhe correspondem a elaboração, implementação dos instrumentos de garantias de direitos que assegurem “o máximo de efetividade dos direitos constitucionalmente reconhecidos.” Por tal conceituação, o elemento da Justiça Restaurativa apresenta-se, desde as primeiras discussões acerca da sua difusão no Brasil, como a melhor alternativa para a resolução de conflitos e efetivação da justiça. Além disso, a partir da Resolução de Nº 225 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Justiça Restaurativa passou a ter um carácter “vinculante”, pois, foi estabelecida metas nacionais de implementação desse método de Justiça nos Tribunais do Brasil. Ou seja, ao invés de versar sobre transgressões e culpados, a Justiça Restaurativa, materializa a possibilidade concreta de participação individual e social, democratização do atendimento, acesso a direitos, afirmação de igualdade em espaços de diálogo, em ambientes seguros e respeitosos, valorização das diferenças, através de processos socio-pedagógicos que considerem os danos, os responsáveis pelos mesmos e os prejudicados pela infração(AGUINSKY e CAPITÃO, 2008).

Nesse sentido, como comenta ainda ANGUINSKY e CAPITÃO (2008), através da Justiça Restaurativa possibilitar um modelo consensual de resolução de conflitos, essa contribuição fortalece o protagonismo dos sujeitos na “construção de estratégias para restaurar laços de relacionamento e confiabilidade social rompidos pela infração.”

Dentro da Justiça Penal Juvenil, as práticas restaurativas, após a sua definição nesse texto, torna-se uma alternativa avançada na resolução de conflitos entre o adolescente em conflito com a lei, bem como, estabelece uma ponte com a comunidade a qual sentiu algum tipo de dano causado pela infração. Ou ainda, esse elemento de proteção, possibilita a abertura de um outro espaço, onde seja presente familiares, amigos ou pessoas próximas do infrator ou da vítima, que são componentes da infração e coadjuvantes da vontade de reparo e/ou restauração da confiança na comunidade.(ANGUINSKY e CAPITÃO, 2008).

Em efeito, no Sistema de Justiça da Infância e Juventude, a Justiça Restaurativa possibilita uma mudança na ótica de responsabilização penal juvenil, pois, é observada a necessidade de participação dos envolvidos em conflitos, bem como, levando em consideração à “questão social”, a precariedade social a qual a criança e o adolescente no Brasil estão expostos, de modo que, a justiça restaurativa acaba por permitir a reafirmação e a proteção aos direitos e garantias fundamentais desses indivíduos e o acesso à justiça dos adolescentes em conflito com a lei.

Nessa linha, a Justiça Restaurativa Juvenil entra em convergência com a lei 8.069/90[4], o Estatuto da Criança e do Adolescente, especificamente em seu artigo 112, o rol taxativo das medidas socioeducativas, que prevê: I – Advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer das medidas de proteção (art. 101, I a VI).(BARROS, p. 196, 2014).

Ou seja, de acordo com os incisos do artigo 112 do ECA, o Adolescente deve participar cada vez mais no reparo do dano cometido à vítima, possuindo o mesmo, de modo taxativo, a obrigação de reparar o dano, bem como, prestar serviços a comunidade, a qual também, em alguns casos, demonstra algum tipo de dano após a infração, seja a  A lei 8.069/90, culminou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, responsável por uma inovação importante no que se refere aos direitos fundamentais, pois, reafirmou o ideal de justiça humanizada, ao passo de haver um tratamento sensível em relação à criança e ao adolescente, pois, além de se tratar de indivíduos horizontalmente portadores de direitos fundamentais, os mesmos compactuam a condição de pessoa  em  desenvolvimento, havendo  então,  como  bem  comenta  BARROS (2014),  um  tratamento específico da lei infraconstitucional, bem como da própria Constituição, no que concerne a uma “prioridade absoluta” (art. 227), sendo reafirmado no ECA essa prioridade, especificamente nos artigos 2º ao 69 da lei, ambos destinados minuciosamente a esses direitos fundamentais.

Por tal motivo, a Justiça Restaurativa na efetivação da justiça, torna-se uma ferramenta que instrumentaliza a aproximação do adolescente com a comunidade, tendo em vista, não a sua internação ou separação do convívio social, ao invés disso, permite- se uma nova possibilidade de interação social do adolescente com a comunidade através dos círculos restaurativos que possibilitam a participação dos envolvidos no conflito, como já foi exposto, bem como, na delimitação de tarefas do adolescente com a comunidade, como bem orienta o inciso III do art. 112 do ECA.

Em suma, a Justiça Restaurativa apresenta-se como uma nova ferramenta de efetivação da Justiça no Brasil e no mundo, por ter um compromisso não só na resolução de conflitos, mas também de permitir que problemas sociais sejam expostos e discutidos, levando em conta as particularidades da “questão social” do Brasil, para que então contornemos a problemática levantada pelo jurista italiano Cesare Beccaria em sua obra “Dos Delitos e das Penas”, quando o mesmo se referiu as leis, historicamente, como apenas “(…) instrumentos das paixões da minoria, ou fruto do acaso e do momento, e jamais a obra de um prudente observador da natureza humana, que tenha sabido orientar todas as ações da sociedade com esta finalidade única: todo bem-estar possível para a maioria.” Ou seja, a tarefa de efetivar a Justiça está além de efetivar leis, ao passo de que a efetivação necessária é a de Direitos e de Princípios, bem como de restaura-los quando os mesmos são enfraquecidos ou violados, atribuindo, portanto, a efetividade do justo e o sentindo da Justiça.

 

6. Considerações Finais

A efetivação dos direitos de crianças e adolescentes é missão imposta a todos em cumprimento ao princípio da proteção integral previsto no artigo 227 da Constituição Federal. É nessa seara que se buscou compreender o fenômeno da violência juvenil e a melhor forma de aplicação da justiça. Com o propósito de repressão a violência, e ainda punir o ofensor, a redução da maioridade penal é apresentada como solução adequada. A defesa da redução objetiva a punição de adolescentes infratores em conformidade com a Justiça penal, sob o mito da aplicação da Justiça.

No entanto, essa visão é construída sob conhecimentos particulares, desprovidos de tecnicismo e não apropriado de cientificidade. A popularização do conceito de Justiça pauperizou o seu significado, e sua aplicação nem sempre ocorre no seu melhor sentido. Para melhor alcance do seu significado impõe-se analisar os vários conceitos de Justiça, seja a partir de uma análise das teorias utilitaristas, seja a partir das mais variadas percepções filosóficas já defendidas, permitindo uma análise epistemológica do seu conteúdo.

Na busca de uma aproximação do justo, e adotando-se uma justiça social, encontra-se como alternativa a Justiça Restaurativa, que parte do modelo de Justiça Consensual, como mecanismo auxiliador da Justiça Criminal. Ela se mostra não como modelo substitutivo da justiça tradicional, mas sim como modelo auxiliar, como um fortalecimento conceitual da aplicação da pena e da compreensão do fenômeno criminal. É nessa perspectiva que se vê na Justiça Restaurativa uma possibilidade de sucesso para enfrentamento do fenômeno da violência juvenil, uma vez que, ela busca desvendar as problemáticas que envolve a questão, permite o diálogo entre as partes envolvidas, ofensor e ofendido, durante os Círculos Restaurativos.

Esse modelo de Justiça, apesar de ainda não se encontrar devidamente regulamentada no  sistema jurídico  nacional,  no  entanto,  não  colide com  o  sistema protetivo especial de proteção juvenil, e ainda atende e muito a concepção da proteção integral. Destaca-se que ela possibilita atender todas as finalidades do processo socioeducativo insculpido na legislação especial. Por essa razão, ainda esse modelo mostra-se promissor, e potencialmente importante como instrumento de apoio e ressocialização dos adolescentes infratores.

Por tal contexto, a Justiça Restaurativa, está em crescimento no Brasil e possui particularidades em construção e desenvolvimento dentro das Ciências Criminais, além do alto comprometimento de contornar o desenho social injusto e na efetivação da justiça, havendo, pois, o objetivo de difundi-la como uma alternativa de aplicação da justiça e defesa de direitos ao adolescente e demais indivíduos.

 


[1] Segundo Mora “El idealismo subjetivognoseológico, quere duce todos los objetos, como objetos de conocimento, a contenidos de consciência, y el idealismo metafisico, que niega la existência o mejor dicho la subsistência del mundo externo, conducen al solipsismo”. (s.d/p.704)

[2] No dizer de Barreto (2013, p.18), mito em uma compreensão Socrática, “consiste na atribuição de uma dimensão fantástica a um fator real, prosaico e comum”.

[3] Fetiches segundo Guardiola Rivera (2009 apud Barreto, 2013) é alguma coisa produzida pelas mãs do homem, uma cópia, degradada e, portanto, indigna de nossa atenção em virtude da falta de autenticidade.

[4] A lei 8.069/90, culminou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, responsável por uma inovação importante no que se refere aos direitos fundamentais, pois, reafirmou o ideal de justiça humanizada, ao passo de haver um tratamento sensível em relação à criança e ao adolescente, pois, além de se tratar de indivíduos horizontalmente portadores de direitos fundamentais, os mesmos compactuam a condição de pessoa em desenvolvimento, havendo então, como bem comenta BARROS (2014), um tratamento específico da lei infraconstitucional, bem como da própria Constituição, no que concerne a uma “prioridade absoluta” (art. 227), sendo reafirmado no ECA essa prioridade, especificamente nos artigos 2º ao 69 da lei, ambos destinados minuciosamente a esses direitos fundamentais.


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