quinta-feira,28 março 2024
ColunaDiálogos ConstitucionaisJudicial self-restraint : relacionamento do judiciário com políticas públicas

Judicial self-restraint : relacionamento do judiciário com políticas públicas

O ativismo judicial está na moda. Não aquele ativismo clássico do período que o Chief Justice Earl Warren presidiu a Suprema Corte dos Estados Unidos. Naquele tempo Warren defendeu a atuação da Suprema Corte na defesa e na implantação das diretrizes constitucionais traçadas em emendas e que não eram observadas pelos Estados-membros.

Era aquele o ativismo clássico, por assim dizer, eis que não objetivava acrescer na ordem jurídica, mas acrescentar na política pública (welfare policies) as obrigações visando a dar incremento ao programa constitucionalmente confiado no Poder Estatal.

O caso mais célebre é Brown v. Board of Education, no qual a Corte Warren deliberou que alunos negros e brancos tinham direito ao igual acesso à educação, sem qualquer distinção em razão da cor de pele. Warren não enfrentou, em verdade, o argumento se negros e brancos eram iguais, porque havia certa hostilidade quanto à eliminação da escravidão em alguns Estados-membros. A análise foi sob a perspectiva do direito à isonomia de condições no ensino público.

Outra fase da Suprema Corte dos Estados Unidos que é célebre remonta ao período que foi presidida por Oliver Wendell Holmes Jr.. O Justice Holmes é considerado precursor da escola do pragmatismo, observando-se em seus relatórios e votos a forte preocupação com a previsibilidade que o cidadão busca no sistema legal e de justiça.

Em épico caso de divergência, no julgamento de Lochner v. New York. 198 U.S., Holmes votou dissidente, considerando em seu voto a consequência econômica que a decisão da Suprema Corte produziria no sistema empresarial, dirimindo a impossibilidade de se alterar o ordenamento por meio de decisão jurisdicional.

Talvez seja o primeiro exemplo de autocontenção judicial (judicial self-restraint).

No Brasil temos visto uma séria de decisões ativistas que incutiram a crença de que cabe ao Poder Judiciário colmatar o ordenamento jurídico quando seja omisso ou falho quanto à regulamentação do exercício de direitos.

O grande embaraço é que se trata de um caminho sem volta, pois aos poucos o Judiciário toma o poder político concentrado no Legislativo e passa, não a buscar a concretização das determinações constitucionais, mas a inovar no ordenamento.

A grande questão que se impõe é a reciprocidade das decisões judiciais, o seu eco, eis que são tomadas com base no voto de juízes singulares, colegiados de três ou cinco membros, ou no caso do pleno do Supremo Tribunal Federal, por onze ministros.

A representatividade é igual a zero. Ministros e magistrados não são eleitos, suas decisões não possibilitam a discussão consensual das repercussões dos votos e do caminho que é adotado, os seus reflexos econômicos e o ensejo democrático.

Para exemplificar, no julgamento do Recurso Extraordinário 363889, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, decidiu-se que, após vinte anos do trânsito em julgado de decisão que negou o reconhecimento da paternidade, era possível reabrir o caso, para realização do moderno exame de DNA.

Na ocasião foram vencidos o Ministro Marco Aurélio e o Ministro César Peluso. Ambos fizeram autocontenção, ao sustentarem que o efeito prático da decisão seria nenhum, porque não poderia o Judiciário coagir o suposto pai ao exame de DNA. Também afirmou que não poderia o Judiciário mitigar a coisa julgada que é garantia soberana de segurança, “ninguém consegue viver sem segurança”.

É um nonsense. Para estabelecer justiça no caso o STF afastou a coisa julgada. Ou seja, ao se buscar fazer justiça abriu-se mão da garantia soberana da coisa julgada e seu efeito pacificador de estabelecer segurança jurídica.

Agora, para tecer a outros casos práticos, há que lembrar-se que o C

ódigo de Processo Civil outorgou aos juízes o poder de determinar medidas executivas atípicas para a implementação de suas decisões (art. 139, IV).

É uma cláusula aberta que convida à imaginação de decisões capazes de causar prejuízo irreversível aos envolvidos no litígio, como é o caso de suspensão de carteira de habilitação, suspensão de alvará de funcionamento, bloqueio de CNPJ.

E como dito, o ativismo é autorreferencial, autopoiético, para se utilizar o vocabulário de Niklas Luhmann.  O ativismo se alimenta dele mesmo, quanto mais decisões ativistas, mais o Judiciário tem que ser ativista para sustentar o uso da técnica.

Significa dizer, ao proferir uma nova decisão ativista, busca-se n repertório de decisões anteriores o fundamento para ir além, para praticar cada vez mais um ativismo agressivo e inédito, deixando cada vez mais de lado a atividade legislativa.

Recentemente o Congresso Nacional aprovou a reforma da LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – para dispor sobre barreiras à atividade jurisdicional, bem como impondo que ao decidir os magistrados fundamentem a consequência de sua decisão, ou seja, quem e o quê são atingidos por ela (art. 20 na redação dada pela Lei n. 13.655/2018).

É uma forma de conter o ativismo judicial pululante. Não se trata de cercear a atividade jurisdicional, mas afixar o pragmatismo como ferramenta de autocontenção e de autoanálise do próprio Judiciário, na esteira da doutrina embarcada por Oliver Wendell Holmes Jr.

 

 

 

 

Cristiano Quinaia

Mestre em Direito - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Centro Universitário de Bauru). Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil. Advogado.

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