quinta-feira,28 março 2024
ColunaPapo JurídicoIsonomia e a falsa sensação de igualdade

Isonomia e a falsa sensação de igualdade

A isonomia quando é utilizada em argumentações dos variados tipos as vezes acaba não sendo utilizada da forma como realmente ela é. O senso comum criou uma cultura equivocada sobre o que venha a ser a isonomia e muitas vezes usam a mesma como argumentação sendo que o modo como é utilizada acaba jogando todos os argumentos, por mais que sejam válidos, por terra. Entretanto, não cabe a nós sairmos por ai repreendendo todos que fazem isso até porque seria impossível realizar tal feito. Mas podemos melhorar a nós mesmos fazendo uma reflexão acerca desse instituto jurídico-social tão importante e tão aclamado por todos. Só que aqui não vamos utilizar apenas a lógica social, mas também a lógica jurídica para entendermos um pouco como funciona essa tal igualdade.

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O que vem a ser realmente a isonomia?

Dependendo da ótica que você utilize para visualizá-la, ela poderá ter inúmeros significados. Socialmente seria uma exigência de que todos nós devemos ser tratados em pé de igualdade, sem distinção alguma. Vendo assim sem muita desconfiança até poderíamos concordar com isso porque tratamento diferenciado não soa tão isonômico assim, não é mesmo? Se todos forem tratados igualmente não haveria reclamação alguma quanto ao tratamento. Mas tem um porém: Todos nós possuímos diferenças, ninguém é igual a ninguém (Ok, algumas pessoas gêmeas são realmente idênticas exteriormente mas passando meia hora conversando com cada uma logo logo saberemos diferenciá-las). Sendo assim, se todos somos diferentes como assim devemos ser tratados da mesma forma? Isso não seria um desrespeito às diferenças? Afinal, ser diferente é normal ou não é?

 

Esse questionamento não é inédito. Há muitos anos atrás um rapaz garboso que respondia pela alcunha de Aristóteles refletiu muito acerca dessa bendita isonomia. De tanto pensar, pensar, pensar e pensar mais um pouco ele soltou uma frase que entraria para a história da humanidade e que aposto meu Vade Mecum 2012 que você já ouviu ou leu em algum livro, placa ou em letreiro de caminhão:

Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Essa frase apesar de curta provocou mudanças bruscas de pensamento sobre a isonomia. A partir dai você já começa a ver o tratamento igualitário como algo relativo, uma vez que só há igualdade com a presença do devido respeito às diferenças de cada um, pois omitindo isso estaríamos afirmando que todos somos iguais e, definitivamente, não somos e nem seremos tão cedo, concorda?

Por conta disso, não podemos ficar bitolados em imaginar uma lei que contemple e considere todos como se fôssemos e iguais e consequentemente não tivéssemos diferenças. O próprio princípio da igualdade permite que distinções razoáveis e proporcionais sejam feitas não para contemplar a arbitrariedade mas sim contemplar a igualdade plena respeitando as diferenças e usando-as para igualar os iguais e desigualar os desiguais. Se isso é feito assim ai já são outros 500…

O que a lei pensa acerca da isonomia

A isonomia não é uma lei mas sim ou princípio, isto é, está acima de qualquer lei. O dispositivo legal, portanto, não poderia deixar de ser nada mais nada menos que a nossa Constituição Federal que esculpe em seu Caput o princípio da isonomia ao afirmar em seu Art. 5º que  Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Nesse ponto a doutrina diverge em relação à existência ou não de diferenças entre a isonomia e  a igualdade. O que é pacífico aqui é que o enunciado constitucional tratou do que chamamos de igualdade formal, ou seja, não há qualquer modalidade de estabelecimento de diferenças. Já quando há especificação de proibição de diferenças como por exemplo a questão do sexo ou etnia temos basicamente a igualdade material.

Por conta disso é interessante nos atentarmos ao que pensam nossos doutrinadores. Vamos começar por Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino com a ilustríssima obra de Direito Constitucional Descomplicado. Vejam que a isonomia aqui não é citada como princípio, mas tão somente igualdade como se fossem a mesma coisa. Na verdade a maioria da doutrina trata come se isonomia e igualdade fossem a mesma coisa. Vejamos a conceituação da igualdade:

A igualdade é a base fundamental do princípio republicano e da democracia. Tão abrangente é esse princípio que dele inúmeros outros decorrem .diretamente, como a proibição ao racismo (art. 5.•, XLll), a proibição de diferença de salários; de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7.•, XXX), a proibição de qualquer discriminaçãó. no . tocante a salário e critérios de admissão do tra balhador portador de deficiência (art. 7.•, XXXI), a exigência de aprovação prévia em concurso público para investidura em cargo ou emprego público (art. 37, li), o princípio da isonomia tributária (art. 150, II) etc. O princípio da igualdade determina que seja dado tratamento igual aos que se encontram em situação equivalente e que sejam tratados de maneira desigual os desiguais, na medida de suas desigualdades. Ele obriga tanto o legislador quanto o aplicador da lei (igualdade na lei e igualdade perante a lei).

Até ai tudo bem. O problema é que no meio social existe inúmeras diferenças que precisam ser notadas que exista realmente isonomia. Por conta disso, o princípio da igualdade não proíbe que a lei estabeleça diferenças, a proibição é que essas diferenças não seja arbitrárias e sem razoabilidade. A questão da limitação de idade nos concurso públicos é um exemplo. Dependendo da atividade realmente pessoas mais velhas não poderão se equiparar à pessoas mais novas e isso já oi sumulado pelo STF

 

683 -O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

Ainda de acordo com a doutrina de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, notamos a possibilidade de permissão de criação de diferenças sem perturbar o princípio da igualdade, pelo contrário! Seria a consolidação do mesmo. Vejamos:

O princípio constitucional da igualdade não veda que a lei estabeleça tratamento diferenciado entre pessoas que guardem distinções de grupo social, de sexo, de profissão, de condição econômica ou de idade, entre outras; o que não se admite é que o parâmetro diferenciador seja arbitrá rio, desprovido de razoabilidade, ou deixe de atender a alguma relevante razão de interesse público. Em suma, o princípio da igualdade não veda o tratamento discriminatório entre indivíduos, quando há razoabilidade para a discriminação. Assim, exemplificando, o princípio da igualdade não impede tratamento discriminatório em concurso público, desde que haja razoabilidade para a discriminação, em razão das exigências do cargo. Restrições como estabelecimento de idade mínima e máxima, previsão de vagas exclusivamente para determinado sexo (concurso para o cargo de agente penitenciário restrito às mulheres, numa prisão feminina, por exemplo) e outras podem ser previstas em concursos públicos, desde que as peculiaridades das atribuições do cargo justifiquem.

Então podemos resumir tudo em uma frase: Igualdade é quando se exige que não hajam distinções e isonomia é que hajam distinções e que elas sejam respeitadas e levadas em conta para o exercício da cidadania e de outros inúmeros direitos e garantias fundamentais. Outros exemplo são o foro privilegiado e a prerrogativa de função que apesar de parecer não concedem privilégios, apenas tratam desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. É diferente um julgamento de um homem médio e de um presidente da república. Mas a partir do momento em que ele perde o cargo torna-se igual ao cidadão médio e perde seu foro por prerrogativa de função, entende? As vezes a igualdade está na desigualdade, mas o contrário nem sempre é recíproco. Um ex-presidente não pode ter foro privilegiado porque uma vez já foi presidente da república, por isso não há reciprocidade entre a desigualdade e igualdade. Isso prova que o clichê está certo: Tudo depende do caso concreto e não podemos nos enganar pensando que tratando igualdade todos ignorando suas diferenças estaremos sendo isonômicos

 

Indico dois ótimos textos para leitura e reflexão acerca do tema:

Igualdade x Isonomia

Isonomia não é igualdade

Sergipano; Componente do grupo de pesquisa Educação, sociedade e Direito (CAPES/CNPQ); Advogado; Eterno estudante de Direito; Coautor do livro: Ensaios de Direito Constitucional - Uma homenagem a Tobias Barreto; Fã de xadrez e ficção científica.

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