sexta-feira,19 abril 2024
TribunaisInformativo nº 958 do STF

Informativo nº 958 do STF

Informativo nº 958 do STF – data de divulgação: 28 de outubro a 08 de novembro 2019.

SUMÁRIO
Plenário
Revisão criminal e cabimento
Execução provisória da pena e trânsito em julgado – 2
Repercussão Geral
Incidência da contribuição previdência sobre o salário maternidade
2ª Turma
TCU e competência para fiscalizar os recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal
Tráfico privilegiado de drogas e revaloração de fatos e provas – 2
Nulidade do ato de efetivação de servidores públicos sem concurso público
Assistente de acusação: tempestividade de recurso e coisa julgada – 2
Acordo de delação premiada e impugnação – 2
Clipping das sessões virtuais
Inovações Legislativas

PLENÁRIO

DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS EM GERAL

Revisão criminal e cabimento –

O Plenário, por maioria, não conheceu de revisão criminal ajuizada por senador condenado pela Primeira Turma do STF à pena de 4 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do delito previsto no art. 20 da Lei 7.492/1986 (1).

Inicialmente, o Colegiado resolveu questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio para determinar a continuidade do julgamento. De acordo com o suscitante, deveria haver a redistribuição do processo no tocante ao ministro revisor, que atuou como relator da ação penal discutida nessa revisão criminal.

No ponto, o Plenário considerou que os arts. 76 e 77 do RISTF (2) se referem à relatoria do processo, e não à figura do revisor. Além disso, a defesa não se insurgiu em relação a esse fato. Por sua vez, o novo CPC aboliu a figura do revisor na ação rescisória.

Vencido o suscitante, que entendeu ser necessária a redistribuição, considerada a interpretação sistemática dos arts. 76 e 77 do RISTF.

Ato contínuo, o Plenário reputou que o condenado não tem o direito subjetivo de perseguir a desconstituição do título penal condenatório fora da destinação legal do meio de impugnação. Dessa forma, a coisa julgada penal, excepcionalmente, admite desfazimento, mas desde que preenchidas as hipóteses taxativamente previstas no art. 621 do CPP (3) e reproduzidas no art. 263 do RISTF.

No âmbito da revisão criminal, é ônus processual do requerente ater-se às hipóteses taxativamente previstas em lei e demonstrar que a situação processual descrita autorizaria o juízo revisional. Essa ação não atua como ferramenta processual destinada a propiciar tão somente um novo julgamento, como se fosse instrumento de veiculação de pretensão recursal. Possui, destarte, pressupostos de cabimento próprios que não coincidem com a simples finalidade de nova avaliação do édito condenatório.

Portanto, a via da revisão criminal não deve existir para que o Tribunal Pleno funcione como simples instância recursal destinada ao reexame de compreensões das Turmas.

Nesse sentido, a análise empreendida em sede de revisão criminal cinge-se a aspectos de legalidade da condenação proferida sem lastro jurídico ou probatório, o que não corresponde à avaliação encetada em sede de apelação, em que também é possível o reexame aprofundado da suficiência dessas provas ou ainda da melhor interpretação do direito aplicado ao caso concreto.

Desse modo, a revisão criminal não é apta para equacionar controvérsias razoáveis acerca do acerto ou desacerto da valoração da prova ou do direito, resguardando-se seu cabimento, em homenagem à coisa julgada material, cuja desconstituição opera-se apenas de modo excepcional, às hipóteses taxativamente previstas no ordenamento jurídico.

Fixadas essas premissas, o Colegiado analisou que, no tocante à fixação da reprimenda imposta, a revisão criminal manejada com a finalidade de desconstituir parcela da dosimetria da pena não permite a reconstrução da discricionariedade atribuída ao órgão jurisdicional naturalmente competente para essa análise.

Sob esse enfoque, a revisão criminal não se presta ao escrutínio da motivada avaliação por parte do órgão competente acerca da exasperação da pena-base.

Além disso, no que se refere à suposta incidência da minorante do arrependimento posterior (CP, art. 16), o delito em questão é de natureza formal, e prescinde da ocorrência de resultado naturalístico. Não obstante, o decreto condenatório esclarece que o ato que configuraria o alegado arrependimento é de autoria de terceiro, e não do interessado. Assim, como esse ato exige pessoalidade e voluntariedade na reparação implementada para que se aperfeiçoe, ele não ocorreu.

Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que conheceram da revisão criminal e a julgaram procedente para reduzir a pena imposta. Vencido também o ministro Dias Toffoli, que se limitou a conhecer do pedido.

(1) Lei 7.492/1986: “Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo: Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.”
(2) RISTF: “Art. 76. Se a decisão embargada for de uma Turma, far-se-á a distribuição dos embargos dentre os Ministros da outra; se do Plenário, serão excluídos da distribuição o Relator e o Revisor. Art. 77. Na distribuição de ação rescisória e de revisão criminal, será observado o critério estabelecido no artigo anterior.”
(3) CPP/1941: “Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.”

RvC 5475/AM, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 6.11.2019. (RvC-5475)

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DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Execução provisória da pena e trânsito em julgado – 2 –

O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, julgou procedentes pedidos formulados em ações declaratórias de constitucionalidade para assentar a constitucionalidade do art. 283 do CPP (1) (Informativo 957).

Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator), que foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli.

O relator afirmou que as ações declaratórias versam o reconhecimento da constitucionalidade do art. 283 do CPP, no que condiciona o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado do título condenatório, tendo em vista o figurino do art. 5º, LVII, da CF (2).

Assim, de acordo com o referido preceito constitucional, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A literalidade do preceito não deixa margem a dúvidas: a culpa é pressuposto da sanção, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior.

O dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas. A CF consagrou a excepcionalidade da custódia no sistema penal brasileiro, sobretudo no tocante à supressão da liberdade anterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória. A regra é apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena, que não admite a forma provisória.
A exceção corre à conta de situações individualizadas nas quais se possa concluir pela aplicação do art. 312 do CPP (3) e, portanto, pelo cabimento da prisão preventiva.

O abandono do sentido unívoco do texto constitucional gera perplexidades, observada a situação veiculada: pretende-se a declaração de constitucionalidade de preceito que reproduz o texto da CF.

Ao editar o dispositivo em jogo, o Poder Legislativo, por meio da Lei 12.403/2011, limitou-se a concretizar, no campo do processo, garantia explícita da CF, adequando-se à óptica então assentada pelo próprio STF no julgamento do HC 84.078, julgado em 5 de fevereiro de 2009, segundo a qual “a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar”.

Também não merece prosperar a distinção entre as situações de inocência e não culpa. A execução da pena fixada por meio da sentença condenatória pressupõe a configuração do crime, ou seja, a verificação da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Assim, o implemento da sanção não deve ocorrer enquanto não assentada a prática do delito. Raciocínio em sentido contrário implica negar os avanços do constitucionalismo próprio ao Estado Democrático de Direito.

O princípio da não culpabilidade é garantia vinculada, pela CF, à preclusão, de modo que a constitucionalidade do art. 283 do CPP não comporta questionamentos. O preceito consiste em reprodução de cláusula pétrea cujo núcleo essencial nem mesmo o poder constituinte derivado está autorizado a restringir.

A determinação constitucional não surge desprovida de fundamento. Coloca-se o trânsito em julgado como marco seguro para a severa limitação da liberdade, ante a possibilidade de reversão ou atenuação da condenação nas instâncias superiores.

Em cenário de profundo desrespeito ao princípio da não culpabilidade, sobretudo quando autorizada normativamente a prisão cautelar, não cabe antecipar, com contornos definitivos – execução da pena –, a supressão da liberdade. Deve-se buscar a solução consagrada pelo legislador nos arts. 312 e 319 (4) do CPP, em consonância com a CF e ante outra garantia maior – a do inciso LXVI do art. 5º: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

Uma vez realinhada a sistemática da prisão à literalidade do art. 5º, LVII, da CF – no que direciona a apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena –, surge inviável, no plano da lógica, acolher o requerimento formalizado, em caráter sucessivo, nas ADCs 43 e 54, concernente ao condicionamento da execução provisória da pena ao julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se esse tribunal fosse um “Supremo Tribunal de Justiça”, nivelado ao verdadeiro e único Supremo.

A ministra Rosa Weber esclareceu que, diante do indeferimento das medidas cautelares nessas ações declaratórias e da tese fixada em repercussão geral segundo a qual a execução antecipada da pena não compromete a presunção de inocência, adotou, em momento anterior, o entendimento majoritário da Corte. Entendimento este mantido em processo de feição subjetiva, como no caso de habeas corpus. Porém, ao se julgar o mérito das ADCs, processo de índole objetiva, explicou estar apta a reapreciar o tema de fundo.

Asseverou que o 5º, LVII, da CF, além de princípio, representa também regra específica e expressamente veiculada pelo constituinte – a fixar, objetivamente, o trânsito julgado como termo final da presunção de inocência, o momento em que passa a ser possível impor ao acusado os efeitos da atribuição da culpa.

Para a ministra, o texto do art. 283 do CPP guarda higidez frente à ordem objetiva de princípios, valores e regras inscritos na Carta constitucional de 1988.

A Constituição de 1988 não assegura uma presunção de inocência meramente principiológica. Ainda que não o esgote, ela delimita o âmbito semântico do conceito legal de culpa, para fins de condenação criminal, na ordem jurídica por ela estabelecida. E o faz ao afirmar categoricamente que a culpa supõe o trânsito em julgado.

Considerada a conformação específica dada pela Constituição brasileira ao princípio da presunção de inocência – qual seja, a de assegurá-la até o trânsito em julgado ou a irrecorribilidade do título condenatório –, não se justifica qualquer tentativa de assimilação da ordem jurídica pátria a razões de direito comparado em relação a ordenamentos jurídicos que, por mais merecedores de admiração que sejam, não contemplam figura normativa-constitucional análoga.

De outra parte, ainda que se pretendesse relativizar a densidade normativa do art. 5º, LVII, da CF, despindo-o da sua literalidade, não seria possível identificar, no art. 283 do CPP, qualquer ofensa a este ou a qualquer outro preceito constitucional.

Em face de ato normativo editado pelo Poder Legislativo com exegese plenamente compatível com o parâmetro constitucional de controle, a tônica do exame de constitucionalidade deve ser a deferência da jurisdição constitucional à interpretação empreendida pelo ente legislativo.

Não cabe ao Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional da exegese conferida pelo Legislador a uma garantia constitucional, simplesmente substituí-la pela sua própria interpretação da Constituição.

O direito processual penal tem como norte a maior das garantias constitucionais, que é a observância, na tutela constitucional da liberdade, do devido processo legal. A Constituição assegura, expressamente, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Uma vez adotado, pelo legislador infraconstitucional, marco normativo que, longe de a ela se contrapor, visa assegurar a máxima efetividade da garantia constitucional da presunção de inocência e guarda absoluta consonância com a Lei Fundamental, não pode o intérprete da norma constitucional ceifar-lhe o potencial humanizador.

Embora fortes razões de índole social, ética e cultural amparem seriamente a necessidade de que sejam buscados desenhos institucionais e mecanismos jurídico-processuais cada vez mais aptos a responder, com eficiência, à exigência civilizatória que é o debelamento da impunidade, não há como, do ponto de vista normativo-constitucional vigente – cuja observância irrestrita também traduz em si mesma uma exigência civilizatória –, afastar a higidez de preceito que institui garantia, em favor do direito de defesa e da garantia da presunção de inocência, plenamente assimilável ao texto magno.

O ministro Ricardo Lewandowski pontuou que a presunção de inocência integra a cláusula pétrea alusiva aos direitos e garantias individuais que representa a mais importante das salvaguardas do cidadão.

Segundo o ministro, é vedado, até mesmo aos deputados e senadores, ainda que no exercício do poder constituinte derivado do qual são investidos, extinguir ou minimizar a presunção de inocência, plasmada na Constituição de 1988, porquanto foi concebida como um antídoto contra a volta de regimes ditatoriais. Com maior razão não é dado aos juízes fazê-lo por meio da estreita via da interpretação, eis que esbarrariam nos intransponíveis obstáculos das cláusulas pétreas, verdadeiros pilares das instituições democráticas.

Afirmou que não se mostra possível superar a taxatividade do inciso LVII do art. 5° da CF, salvo em situações de cautelaridade, por tratar-se de comando constitucional absolutamente imperativo, categórico, com relação ao qual não cabe qualquer tergiversação. Ademais, o texto do dispositivo constitucional, além de ser claríssimo, jamais poderia ser objeto de uma inflexão jurisprudencial para interpretá-lo in malam partem, ou seja, em prejuízo dos acusados em geral.

Por fim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, elaborada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas e subscrita pelo Brasil, de observância obrigatória por todos os Estados que a assinaram, consagrou, em seu art. 30, o princípio da proibição do retrocesso em matéria de direitos e garantias fundamentais, plenamente aplicável à espécie.

O ministro Gilmar Mendes destacou que, nos últimos anos, o CPP sofreu alterações, com o objetivo de se adequar à CF/1988. No mesmo sentido, o STF tem se posicionado contra a prisão abusiva, como, por exemplo, a fundada no clamor público, ou a prisão aplicada de modo automático, sem fundamentação.

A execução penal antes do trânsito em julgado não é compatível com a CF, e a ordem de prisão decretada antes desse marco processual deve se revestir dos requisitos da prisão preventiva, sob pena de ofensa ao princípio de presunção de não culpabilidade.

Esse postulado tem a feição de garantia institucional do réu, para que não seja tratado da mesma forma durante o trâmite do processo. Assim, a lei pode impor a ele tratamento diferenciado ao longo da marcha processual, conforme são preenchidos determinados requisitos.

Ainda que existam graves disfuncionalidades no sistema processual penal, que levam à prescrição e à não aplicação da pena, elas não legitimam a prática de medidas abusivas por parte do Poder Judiciário, como prisões processuais infundadas ou baseadas na manutenção da ordem pública e na gravidade do delito, como a denominada “prisão provisória de caráter permanente”.

A problemática da prescrição, ademais, pode ser solucionada de maneira mais satisfatória a depender de medidas administrativas tomadas pelos tribunais. Desse modo, é preciso tornar o sistema mais eficiente; e não promover a ablação de uma norma constitucional.

Frisou que o combate a qualquer tipo de criminalidade deve sempre ser feito dentro dos limites da Constituição e da lei.

O ministro Celso de Mello, ao acompanhar essa orientação, o fez com os seguintes fundamentos: a) a presunção de inocência qualifica-se como direito público subjetivo, de caráter fundamental, expressamente contemplado na CF (art. 5º, LVII); b) o estado de inocência, que sempre se presume, cessa com a superveniência do efetivo e real trânsito em julgado da condenação criminal, não se admitindo, por incompatível com a cláusula constitucional que o prevê, a antecipação ficta do momento formativo da coisa julgada penal; c) a presunção de inocência não se reveste de caráter absoluto, em razão de constituir presunção juris tantum, de índole meramente relativa; d) a presunção de inocência não se esvazia progressivamente, à medida em que se sucedem os graus de jurisdição, pois só deixa de subsistir quando resultar configurado o trânsito em julgado da sentença penal condenatória; e) o postulado do estado de inocência não impede que o Poder Judiciário utilize, quando presentes os requisitos que os legitimem, os instrumentos de tutela cautelar penal, como as diversas modalidades de prisão cautelar (entre as quais, p. ex., a prisão temporária, a prisão preventiva ou a prisão decorrente de condenação criminal recorrível) ou, então, quaisquer outras providências de índole cautelar diversas da prisão (CPP, art. 319); f) a Assembleia Constituinte brasileira, embora lhe fosse possível adotar critério diverso (como o do duplo grau de jurisdição), optou, conscientemente, de modo soberano, com apoio em escolha política inteiramente legítima, pelo critério técnico do trânsito em julgado; g) a exigência de trânsito em julgado da condenação criminal, que atua como limite inultrapassável à subsistência da presunção de inocência, não traduz singularidade do constitucionalismo brasileiro, pois foi também adotada pelas vigentes Constituições democráticas da República Italiana de 1947 (art. 27) e da República Portuguesa de 1976 (art. 32, n. 2); h) a execução provisória (ou antecipada) da sentença penal condenatória recorrível, por fundamentar-se, artificiosamente, em uma antecipação ficta do trânsito em julgado, culmina por fazer prevalecer, de modo indevido, um prematuro juízo de culpabilidade, frontalmente contrário ao que prescreve o art. 5º, LVII, da CF; i) o reconhecimento da possibilidade de execução provisória da condenação criminal recorrível, além de inconstitucional, também transgride e ofende a legislação ordinária, que somente admite a efetivação executória da pena após o trânsito em julgado da sentença que a impôs (LEP, arts. 105 e 147; CPPM, arts. 592, 594 e 604), ainda que se trate de simples multa criminal (CP, art. 50; LEP, art. 164); j) as convenções e as declarações internacionais de direitos humanos, embora reconheçam a presunção de inocência como direito fundamental de qualquer indivíduo, não estabelecem, quanto a ela, a exigência do trânsito em julgado, o que torna aplicável, configurada situação de antinomia entre referidos atos de direito internacional público e o ordenamento interno brasileiro e em ordem a viabilizar o diálogo harmonioso entre as fontes internacionais e aquelas de origem doméstica, o critério da norma mais favorável (Pacto de São José da Costa Rica, art. 29), pois a CF, ao proclamar o estado de inocência em favor das pessoas em geral, estabeleceu o requisito adicional do trânsito em julgado, circunstância essa que torna consequentemente mais intensa a proteção jurídica dispensada àqueles que sofrem persecução criminal; k) a exigência do trânsito em julgado vincula-se à importância constitucional e político-social da coisa julgada penal, que traduz fator de certeza e de segurança jurídica (res judicata pro veritate habetur); e l) a soberania dos veredictos do júri, que se reveste de caráter meramente relativo, não autoriza nem legitima, por si só, a execução antecipada (ou provisória) de condenação ainda recorrível emanada do Conselho de Sentença.

Por fim, o ministro Dias Toffoli demonstrou indicadores no sentido de que a morosidade da justiça, que porventura leva à impunidade de criminosos, tem relação com erros, omissões e abusos cometidos em diversas fases, processuais e pré-processuais, e não se pode imputar esse fenômeno exclusivamente ao intervalo entre a condenação em segundo grau e o trânsito em julgado, que tem um papel residual nesses números. A estatística é ainda mais alarmante em relação aos procedimentos relativos a processo e julgamento pelo tribunal do júri, tendo em vista sua inerente complexidade.

Além disso, existem mecanismos processuais à disposição das partes e do juiz, que podem ser aplicados para que se evite a superveniência da prescrição.

Registrou, ainda, o elevado e crescente número de presos no país cujo decreto prisional não está fundado em decisão condenatória transitada em julgado.

Assim, cabe ao Legislativo dispor sobre a temática de maneira diversa da que está no art. 283 do CPP, desde que o faça em respeito ao postulado da presunção de inocência. Enquanto não houver essa mudança, a prisão que não estiver fundada nos requisitos de prisões cautelares somente poderá subsistir se baseada no trânsito em julgado do édito condenatório. Em outras palavras, a presunção de inocência não impede a prisão em qualquer fase, processual ou pré-processual, desde que preenchidos os requisitos da prisão cautelar.

Vencidos os ministros Edson Fachin, que julgou improcedentes os pedidos formulados; e os ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que julgaram os pedidos parcialmente procedentes, no sentido de dar interpretação conforme ao art. 283 do CPP. Admitiram a execução da pena após decisão em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário.

(1) CPP: “Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
(2) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”
(3) CPP: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”
(4) CPP: “Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX – monitoração eletrônica.”

ADC 43/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 7.11.2019. (ADC-43)
ADC 44/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 7.11.2019. (ADC-44)
ADC 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 7.11.2019. (ADC-54)

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3ª Parte: Vídeo

REPERCUSSÃO GERAL
DIREITO CONSTITUCIONAL – SEGURIDADE SOCIAL

Incidência da contribuição previdência sobre o salário maternidade –

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida (Tema 72), em que se discute a constitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade.

O ministro Roberto Barroso (relator) deu provimento ao recurso extraordinário para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário maternidade, prevista no art. 28, § 2º, da Lei 8.212/1991, e a parte final do seu § 9º, “a”, em que se lê “salvo o salário-maternidade” (1).

Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia acompanharam o voto do relator.

O ministro Barroso apresentou, inicialmente, breve histórico sobre a legislação relacionada ao salário maternidade, a fim de ressaltar a mudança de sua natureza, de prestação trabalhista para benefício previdenciário. Registrou que o legislador pátrio, em observância a compromisso internacional imposto pela Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 1965, aprovou a Lei 6.136/1974 e passou a incluir o salário maternidade como uma prestação a ser paga pela previdência social, e não mais pelo empregador.

Asseverou que a Constituição de 1988 adotou uma postura de ampla proteção à mulher, em geral, e à gestante e mãe, em particular. Ela manteve a tradição anterior: assegurou e aprofundou a proteção à maternidade, passou a considerá-la um direito social, previu a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, e a proteção da mulher no mercado de trabalho, mediante incentivos específicos.

Com o texto constitucional de 1988, tornou-se inconteste a natureza previdenciária do salário maternidade, nos termos do seu art. 201, II (2). Trata-se, portanto, de benefício, e não de contraprestação pelo trabalho, o qual, ademais, não possui caráter habitual.

O salário maternidade não constitui contraprestação por trabalho prestado, porque, durante a licença, a mulher não está prestando trabalho. Ela deixa de receber salário pelo empregador e passa a recebe-lo pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O benefício também não constitui ganho habitual, pois o estado de gestação não é um estado habitual de uma mulher.

No ponto, o relator citou o que decidido no julgamento da ADI 1.946. Nesse precedente, a Corte, ao interpretar o art. 14 da Emenda Constitucional (EC) 20/1998, que estabeleceu teto para os benefícios da previdência social, concluiu que esse teto não se aplicava ao salário maternidade. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) reputou que aquela regra violava o mandamento constitucional de proteção de acesso da mulher ao mercado de trabalho. Trata-se, portanto, de precedente claro no sentido da desoneração do ônus do empregador na contratação de mulheres em geral.

O ministro Barroso se referiu, também, a outro precedente do Plenário (RE 565.160), em que definido o alcance da expressão folha de salários, contido no art. 195, I, a, da CF (3), para fins de instituição de contribuição social sobre o total das remunerações. Ali foi fixada a seguinte tese do Tema 20 da repercussão geral: “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998”.

Ressaltou a possibilidade da instituição de novas contribuições sociais, desde que por lei complementar, nos termos do art. 154, I, da CF (4). Isso se aplica às contribuições previdenciárias, conforme farta jurisprudência da Corte.

Concluiu que, ao não se adequar ao conceito de folha de salários do art. 195, I, a, da CF, e sendo contribuição nova criada por lei, que deveria ser instituída somente por lei complementar, estaria demonstrada a inconstitucionalidade formal da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário maternidade.

Ademais, admitir essa incidência importaria em permitir uma discriminação incompatível com o texto constitucional e com os tratados e documentos internacionais que procuram proteger o acesso da mulher ao mercado de trabalho e o exercício da maternidade. Isso porque, quando se onera o empregador que opta por contratar uma mulher, se desincentiva essa opção. Para o relator, a preocupação fiscal, no caso, tem de ceder a uma demanda universal por justiça, emancipação e igualdade das mulheres.

O ministro Alexandre de Moraes, em divergência, negou provimento ao recurso extraordinário. No mesmo sentido votaram os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Segundo o ministro Alexandre tem-se, no caso, uma discussão tributária travestida de discussão de gênero. A igualdade de gênero aparece como uma cortina de fumaça para obtenção de mais lucros e para deixar de contribuir em um sistema que é solidário, que é necessário, e com o argumento, também, de que não se trata de natureza salarial, porque quem agora paga é o INSS.

Não se trata de nenhum mecanismo que afaste a contratação das mulheres, estimule a discriminação de gênero. Afinal, a legislação vem determinando ao INSS que arque com a licença-maternidade, e, depois, o próprio STF estabeleceu, nesses casos, que não há – nem o teto – de se referir a qualquer prejuízo às mulheres.

O ministro Alexandre frisou que o cerne da questão seria verificar, para fins de incidência da contribuição previdenciária, se o salário maternidade se ajusta ou não ao conceito de remuneração prevista no art. 195, I, da CF, ou se constitui nova fonte de custeio para a Seguridade Social, para a qual seria imprescindível edição de lei complementar.

Afirmou que não altera a natureza salarial do salário maternidade o fato de o Brasil ter recepcionado a convenção da OIT que determinou que o Estado se colocasse como um verdadeiro garantidor dessa remuneração. Durante a licença maternidade, a mulher recebe esse valor porque ela tem um contrato de trabalho. Observou que, até o advento da Lei 6.136/1974, a incumbência era do empregador. Ocorre que, para uma maior garantia da mulher e para se evitar – aí sim – a discriminação de gênero, o Estado, por meio do INSS, passou a pagar, mas a verba continuou a ser remuneratória. Tanto é que, se a mulher não estiver empregada, não receberá.

O salário maternidade, mesmo custeado pela Previdência Social, não perdeu seu caráter salarial, integra a base de cálculo da contribuição incidente sobre a folha de pagamento. No conceito de remuneração, previsto no art. 195, I, da CF, está essa substituição legal do pagamento do salário-maternidade que fez a legislação, para uma maior garantia da mulher. Não há motivo para que, por parte do empregador, não incida a contribuição que deve ser normalmente e regularmente paga.

Além disso, tendo em conta que sobre o salário-maternidade recai a contribuição paga pela própria empregada, seria incongruente que a contribuição previdenciária patronal incidisse sobre base econômica mais restrita do que a daquela, especialmente se considerada a sua destinação ou o custeio da Seguridade Social. Ou seja, só a empregada continuaria contribuindo, pelo princípio da solidariedade, sem qualquer vantagem econômica revertida em seu favor, o que frustraria, do ponto de vista do empregador, o imperativo constitucional da equidade na forma de participação no custeio da Seguridade previsto no art. 194, V.

Por essas razões, o ministro Alexandre afastou qualquer incompatibilidade entre a Lei 8.212/1991 e o texto do art. 195, I, da CF. A delimitação dada pela lei à base de cálculo da contribuição patronal corresponde à fonte de custeio indicada pelo texto constitucional. Não há que se falar, portanto, em necessidade de edição de uma lei complementar e afronta ao art. 195, § 4º, e 154, I, da CF.

Em seguida, o ministro Marco Aurélio pediu vista dos autos.

(1) Lei 8.212/1991: “Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição: I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; II – para o empregado doméstico: a remuneração registrada na Carteira de Trabalho e Previdência Social, observadas as normas a serem estabelecidas em regulamento para comprovação do vínculo empregatício e do valor da remuneração; III – para o contribuinte individual: a remuneração auferida em uma ou mais empresas ou pelo exercício de sua atividade por conta própria, durante o mês, observado o limite máximo a que se refere o § 5º; IV – para o segurado facultativo: o valor por ele declarado, observado o limite máximo a que se refere o § 5º. (…) § 2º O salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição. (…) § 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: (…) a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade;”
(2) CF: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (…) II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;”
(3) CF: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;”
(4) CF: “Art. 154. A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;”

RE 576967/PR, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 6.11.2019. (RE-576967)

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SEGUNDA TURMA
DIREITO CONSTITUCIONAL – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

TCU e competência para fiscalizar os recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal –

O Tribunal de Contas da União (TCU) é o órgão competente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal.

Com base nesse entendimento, a Segunda Turma negou provimento a agravo regimental em mandado de segurança.

No caso, o agravante sustentava que os recursos do mencionado fundo, por disposição do art. 21, XIV, da Constituição Federal (CF) (1), traduziriam receitas obrigatórias, e, por conseguinte, pertenceriam ao Distrito Federal, razão pela qual sua fiscalização estaria a cargo da corte de contas distrital.

A Turma afirmou que os recursos destinados ao custeio dos serviços públicos previstos no referido dispositivo constitucional pertencem aos cofres federais.

Rememorou que compete à União legislar sobre a organização das Polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros no âmbito do Distrito Federal, justamente porque caberá a ela – União – suportar os ônus correspondentes, com recursos do Tesouro Nacional.

Assim, os recursos destinados à manutenção da segurança pública e execução de serviços públicos do Distrito Federal pertencem ao Tesouro Nacional, de modo que é inafastável a conclusão no sentido de que a fiscalização de sua aplicação compete ao TCU (CF, art. 70, parágrafo único, e 71, VI) (2).

(1) CF: “Art. 21. Compete à União: (…) XIV – organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;
(2) CF: “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (…) Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (…) VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município”.

MS 28584/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 29.10.2019. (MS-28584)

DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Tráfico privilegiado de drogas e revaloração de fatos e provas – 2 –

A Segunda Turma, em conclusão de julgamento, ante o empate na votação, concedeu a ordem em habeas corpus no qual discutida a possibilidade de revaloração de fatos e provas para fins de aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º (1), da Lei 11.343/2006, no caso de condenação por tráfico transnacional de drogas de réu considerado integrante de organização criminosa pelo juízo a quo (Informativo 931).

Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, que aplicou o citado redutor do § 4º do art. 33 por considerar preenchidas as condições do tráfico privilegiado, uma vez que o réu é primário, com bons antecedentes, sem qualquer indicação de envolvimento em atividades ilícitas.

Asseverou que as provas dos autos não são aptas a demonstrar o envolvimento do paciente em organização criminosa. A habitualidade e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser comprovados, afastada a simples presunção. Se não houver prova nesse sentido, o condenado fará jus à redução da pena. Assim, a quantidade e a natureza são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na modulação da causa de diminuição, por si sós, não são aptas a comprovar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação a atividades criminosas.

Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski (relator) e Cármen Lúcia, que negaram provimento ao agravo regimental para denegar a ordem. Reputaram inadequado, em habeas corpus, reexaminar fatos e provas no tocante à participação do paciente em organização criminosa ou à valoração da quantidade da droga apreendida, quando utilizados como fundamento para afastar ou dosar a causa de diminuição de pena aquém do patamar máximo.

(1) Lei 11.343/2006: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (…) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”

HC 152001 AgR/MT, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 29.10.2019. (HC-152001)

DIREITO CONSTITUCIONAL – SERVIDORES PÚBLICOS

Nulidade do ato de efetivação de servidores públicos sem concurso público –

A Segunda Turma retomou julgamento de embargos de declaração em embargos de declaração em mandado de segurança em que se discute a legalidade de ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que declarou nula a efetivação de servidores públicos sem concurso público.

Na sessão de 6.9.2016, a ministra Cármen Lúcia (relatora) rejeitou os embargos de declaração por considerar que o ato impugnado do CNJ guarda perfeita consonância com o entendimento já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e sintetizado no Enunciado 43 (1) da Súmula Vinculante e no Enunciado 685 (2) da Súmula do STF, diante da flagrante situação de inconstitucionalidade funcional dos embargantes.

Naquela oportunidade, destacou que o § 2º do art. 37 da CF (3) prevê que a inobservância da regra para investidura em cargo público torna o ato nulo, motivo pelo qual não se deve cogitar a produção de efeitos válidos, tampouco a convalidação pelo decurso do tempo. Ressaltou, ainda, a inexistência, no caso, de qualquer situação excepcional autorizadora de reconhecimento do princípio da boa-fé e de aplicação do princípio da segurança jurídica.

O julgamento foi retomado na sessão de 29.10.2019 com o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que abriu a divergência para acolher os embargos de declaração e reconhecer a boa-fé dos embargantes. Propôs a modulação de efeitos da decisão a fim de manter a validade dos atos tidos como inconstitucionais pelo CNJ. Salientou a necessidade da mitigação da declaração de nulidade dos atos em prol do princípio da segurança jurídica. O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o voto de divergência.

O ministro Edson Fachin, por sua vez, acompanhou o voto da relatora. Pontuou que, na época em que ocorreu a efetivação desses servidores públicos, o STF já havia pacificado o entendimento sobre a ilicitude de provimento dessa natureza no julgamento da ADI 837, em que debatida a compreensão do inciso II do art. 37 da CF (4).

Em seguida, o julgamento foi suspenso.

(1) Súmula Vinculante 43: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido. ”
(2) Súmula 685: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido. ”
(3) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) § 2º A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei. ”
(4) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”

MS 27673 ED-ED/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 29.10.2019. (MS-27673)

DIREITO PROCESSUAL PENAL – NULIDADES E RECURSOS EM GERAL

Assistente de acusação: tempestividade de recurso e coisa julgada – 2 –

A Segunda Turma, em conclusão de julgamento, negou provimento a agravo regimental em habeas corpus em que se discutia a tempestividade de recurso de agravo manejado pelo assistente de acusação, por meio do qual deferiu-se seguimento a Recurso Especial (REsp); bem assim a possibilidade de esse agravo obstar a ocorrência do trânsito em julgado para a acusação (Informativo 950).

No caso, o Ministério Público (MP) e o assistente de acusação insurgiram-se contra a absolvição do agravante por meio de recursos especiais, que não foram admitidos na origem. Ambos agravaram da decisão de inadmissibilidade.

O colegiado, inicialmente, apontou que o ato coator deixou consignado que a questão da tempestividade do agravo do assistente da acusação estava preclusa.

Registrou que o prazo recursal de cinco dias para agravar (Lei 8.038/1990, art. 28) (1) esgotou-se, para o MP, em 12.11.2012. O parquet protocolou seu recurso em 19.11.2012, intempestivamente, portanto.

É cediço que a inércia do órgão ministerial faz nascer para o assistente da acusação o direito de atuar na ação penal, inclusive para interpor recursos excepcionais (Enunciado 210 da Súmula do STF) (2). A manifestação do promotor de justiça pela absolvição do réu, inclusive, não altera nem anula o direito de o assistente de acusação requerer a condenação.

O prazo para o assistente de acusação interpor recurso começa a correr do encerramento, in albis, do prazo ministerial (Enunciado 448 da Súmula do STF) (3). No caso, o prazo do assistente de acusação se iniciou em 13.11.2012, e o recurso foi protocolado em 19.11.2012 (segunda-feira), de modo que foi respeitado o quinquídio legal.

Assim, se o acórdão absolutório foi combatido tempestivamente pelo assistente de acusação, não houve formação de coisa julgada em favor do réu.

(1) Lei 8.038/1990: “Art. 28. Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de cinco dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso”.
(2) Enunciado 210: “O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 do Cód. de Proc. Penal.”
(3) Enunciado 448: “O prazo para o assistente recorrer, supletivamente, começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público.”

HC 154076 AgR/PA, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 29.10.2019. (RE-154076)

DIREITO PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS

Acordo de delação premiada e impugnação – 2 –

A Segunda Turma retomou julgamento conjunto de habeas corpus em que se discute a validade de termo aditivo de acordo de colaboração premiada firmado no âmbito de operação deflagrada com o objetivo de desarticular organização criminosa formada por auditores fiscais (Informativo 941).

Na espécie, auditor investigado por supostos atos relacionados a propinas para redução de tributos foi preso em flagrante por crimes sexuais. Nessa ocasião, ele e sua irmã fizeram um acordo de colaboração premiada com o ministério público, o qual abrangeu todos os crimes a ele imputados e culminou com a prisão de diversos auditores fiscais. Esse acordo foi rescindido diante de constatações de que o delator teria mentido, omitido fatos e cometido novos crimes. Durante interrogatório pelo juízo de origem, o delator asseverou que a rescisão do citado acordo teria sido arbitrária. Acusou promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de manipular suas declarações e ocultar todos os vídeos dos depoimentos que havia prestado extrajudicialmente.

Posteriormente, o Parquet firmou com ele novo acordo de delação premiada, sob a condição de que se retratasse das mencionadas acusações e ratificasse as declarações que fizeram parte do acordo rescindido. O segundo acordo foi homologado como termo aditivo pelo juízo a quo.

Em voto-vista, o ministro Edson Fachin divergiu do relator. Não conheceu do primeiro writ e denegou a ordem no segundo.

Reconheceu que a jurisprudência reiterada do Pleno do Tribunal, a partir do julgamento do HC 127.483, tem sido no sentido da inviabilidade de impugnação do acordo de colaboração premiada por coautores ou partícipes do colaborador, mesmo que nominados no respectivo instrumento, no relato da colaboração e seus possíveis resultados (Lei 12.850/2013, art. 6º, I) (1).

Observou que o voto do relator se assenta no dissenso em relação à aludida compreensão do colegiado maior deste Tribunal sobre o tema, e não em peculiaridades do caso concreto que poderiam potencialmente refletir a não incidência dos precedentes do Tribunal. Para ele, o afastamento de prévias manifestações jurisdicionais pode e deve ocorrer sob a perspectiva da não incidência (hipótese do distinguishing) ou da superação. Esta última, porque implica verdadeira substituição da compreensão judicial estampada no precedente, desafia um acentuado ônus argumentativo e a observância do dever de auto referência com explicitação de razões que justifiquem a guinada jurisprudencial.

Além disso, a superação deve ser promovida pelo mesmo órgão ou por órgão superior em relação ao qual emana a compreensão objeto de evolução. Portanto, não cabe a órgão fracionário repensar compreensão sedimentada no Tribunal Pleno, sobretudo como ocorre no caso em apreço, em que a matéria foi equacionada por mais de uma oportunidade e à unanimidade. Ponderou que, ainda que se admitisse essa possibilidade, por força da independência de seus magistrados, não se teria, no caso, ilegalidade ou irregularidade apta a macular o segundo acordo de delação premiada.

Afirmou, na sequência, que a colaboração premiada é um gênero que compreende as hipóteses de colaboração bilateral ou colaboração unilateral. Tomando a colaboração como meio de obtenção de prova, para ele seria possível, em tese, a adoção de postura colaborativa sponte propria, mesmo que dissociada de um contexto negocial formalizado. No campo da colaboração unilateral, cujo assento decorre de uma homenagem à ampla defesa, não se verifica margem para impugnação de terceiros quanto à colaboração em si, resguardando-se ao estado juiz, em sede de sentença, a aferição da eficácia da atividade colaborativa e, por óbvio, assegurando-se a todos os implicados a contraposição ao conteúdo incriminatório que resulte das provas amealhadas a partir desse comportamento colaborativo.

A colaboração premiada permite a redução da margem de erro das hipóteses investigativas, direcionando, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a apuração para um caminho potencialmente mais provável de adequada reconstrução histórica dos fatos objetos de investigação. É nesse sentido que a colaboração premiada tem mesmo, tal como declara a própria lei, feitio de meio de obtenção de prova e não é ela prova propriamente dita.

Asseverou que, nos termos do citado HC 127.483, o acordo de colaboração premiada constitui negócio jurídico processual que tem, por finalidade precípua, a aplicação da sanção premial ao colaborador, com base nos resultados concretos que trouxer para a investigação e o processo criminal. A homologação judicial do acordo constitui simples fator de atribuição de eficácia do acordo de colaboração. Por isso, o delatado não é beneficiado nem prejudicado por ela. O que, em tese, pode atingir a esfera jurídica do delatado é o ato de colaborar e não o acordo de colaboração, suas cláusulas ou a eventual homologação judicial. Assim, o delatado pode insurgir-se contra o conteúdo probatório resultante do acordo de colaboração, mas não contra o ato de colaborar em si, que, por integrar o catálogo de meios inerentes ao exercício do direito de defesa, constitui direito subjetivo dos acusados em geral.

O ministro Fachin considerou, ademais, que a atipicidade de cláusulas negociais ou sanções premiais não constitui, por si só, ilegalidade do ajuste. A Lei 12.850/2013 é nítida ao conferir poderes negociais amplos e, até mesmo atípicos, ao ministério público, circunstâncias que, com maior razão, devem ser observadas em momento anterior à sentença. No caso, embora se possa questionar abstratamente a atuação de membros do ministério público, não se retrata, sequer em tese, vício de legalidade ou regularidade até mesmo por força desse poder negocial conferido ao Parquet.

Ainda que assim não fosse, as declarações prestadas pelos colaboradores realmente gozam de reduzida aptidão demonstrativa, na medida em que, por expressa dicção legal, não se prestam, isoladamente, a sustentar qualquer condenação, de acordo com o previsto no § 16 do art. 4º da Lei 12.850/2013 (2).

No caso, concluiu que eventual redução da confiabilidade das declarações prestadas pelos colaboradores deve, se for o caso, ser examinada em sentença, quando feita a valoração das provas.

Por fim, manifestou-se contra a proposição do relator de fixação prospectiva da obrigatoriedade de registro áudio visual de todos os atos de colaboração premiada, diante do que prescreve o § 13 do art. 4º da Lei 12.850/2013, que ressalta o caráter não absoluto dessa exigência.

O ministro Gilmar Mendes, em aditamento ao voto, frisou que o caso em questão é diverso daqueles decididos pelo Plenário. Trata-se de aproveitamento das provas resultantes do segundo acordo em processos concretos. O Pleno não discutiu a possibilidade na qual o acordo possui reflexos diretos sobre situações de terceiros.

Dessa forma, não se cuida de impugnação do acordo de colaboração premiada por terceiros, mas de questionamento de terceiros que tem a aplicação de provas no seu caso concreto. O que se discute é a produção de provas pelo colaborador nos processos que tramitam em face dos pacientes desta ação. O foco da impugnação diz respeito à utilização de provas contra os imputados e ao modo que tais elementos foram produzidos a partir de um cenário de acordos de colaborações temerários e claramente questionáveis. Sendo assim, no caso concreto, pode-se questionar a aplicação das provas colhidas nos acordos.

O ministro Ricardo Lewandowski, ao acompanhar o relator, reputou que, em razão da gravidade das acusações que foram irrogadas aos membros do Ministério Público estadual que participaram destas delações, resta demonstrada a impossibilidade de esses agentes negociarem ou transigirem sobre a pretensão acusatória relativamente aos fatos que foram a eles irrogados.

Por conseguinte, afirmou a necessidade de se oficiar o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e a Corregedoria do Ministério Público do Paraná, a fim de instaurar procedimentos investigatórios para o esclarecimento dos fatos, devendo referidos órgãos informar o STF sobre o andamento e os resultados da apuração.

Em seguida, a ministra Cármen Lúcia pediu vista dos autos.

(1) Lei 12.850/2013: (…) “Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: I – o relato da colaboração e seus possíveis resultados;”
(2) Lei 12.850/2013: “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados (…) § 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.”

HC 142205/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 5.11.2019. (HC-142205)
HC 143427/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 5.11.2019. (HC-143427)

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