quinta-feira,28 março 2024
TribunaisInformativo nº 955 do STF

Informativo nº 955 do STF

Informativo nº 955 do STF – data de divulgação: 07 a 11 de outubro 2019.

SUMÁRIO
Plenário
Exploração de recursos naturais não renováveis e repasse de “royaties” a municípios
Magistério e promoção funcional – 3
Repercussão Geral
Legitimidade do Ministério Público: ação civil pública e FGTS
Anulação de anistia e prazo decadencial
Julgamento de concessão de aposentadoria: prazo decadencial, contraditório e ampla defesa
1ª Turma
Lavagem de dinheiro e exaurimento da infração antecedente
Cumulação de títulos de magistério e aplicação retroativa de nova interpretação de norma administrativa
Ação direta de inconstitucionalidade estadual: homologação de acordos e conhecimento
Prerrogativa de função: natureza do crime e justiça comum
2ª Turma
Interrogatório de corréus: ausência de defesa técnica e acusado delator – 2 (Errata)
Inovações Legislativas

PLENÁRIO

DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Exploração de recursos naturais não renováveis e repasse de “royaties” a municípios –

O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta contra o art. 9º da Lei 7.990/1989, que “institui, para os Estados, Distrito Federal e Municípios, compensação financeira pelo resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de recursos minerais em seus respectivos territórios, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva”.

Prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin (relator), no sentido da constitucionalidade da imposição legal de repasse de parcela das receitas transferidas aos Estados-membros para os municípios integrantes da territorialidade do ente maior.

Inicialmente, o relator afirmou, com base no art. 20, V, VIII, IX, e § 1º, da Constituição Federal (CF) (1), que o poder constituinte optou por denominar os royalties como participação no resultado e compensação financeira pela exploração de recursos naturais. Destacou que a segunda modalidade possui natureza jurídica de receita transferida não tributária de cunho originário, isto é, decorrente da exploração do próprio patrimônio.

As receitas de royalties são receitas originárias da União, tendo em vista a propriedade federal dos recursos minerais, e obrigatoriamente transferidas aos Estados-membros e municípios por força do citado dispositivo constitucional. Frisou a impossibilidade de confusão conceitual em relação às classificações da receita quanto ao vínculo que a origina (receitas derivadas e originárias) e quanto à fonte de receita (receitas próprias e transferidas).

Afastou, dessa forma, a reivindicação dos royalties como receitas originárias dos Estados-membros e municípios. No ponto, observou que a ementa do precedente invocado pelo requerente (MS 24.312) contém imprecisão técnica que dá margem à atribuição de titularidade das receitas dos royalties aos referidos entes federativos.

O ministro Fachin esclareceu, ainda, que as considerações desenvolvidas pelo requerente tendentes a convencer que os royalties marítimos do petróleo somente são devidos aos Estados-membros e municípios confrontantes, que são os litorâneos, não guarda perfeita similitude fático-normativa ao pleito de excluir o dever de repasse aos municípios “não produtores”, isto é, não confrontantes, pois o adjetivo “produtor” somente é aplicável aos royalties terrestres.

A eventual procedência da argumentação de que a norma do art. 20, § 1º, da CF preconiza rateio federativo diferenciado, à luz de razões territoriais — o que não é objeto da ADI em questão —, será devidamente avaliada nas ADIs 4.917, 4.918, 4.920 e 5.038. Isso, no entanto, não leva a infirmar a obrigatoriedade da transferência de receitas não tributárias do Estado-membro às municipalidades. A incidência de royalty (arrecadação da receita pública) é temática substancialmente diversa da respectiva partilha ou distribuição (rateio federativo das verbas públicas).

Por fim, o relator repeliu a alegação de ofensa ao pacto federativo, em razão de lei federal determinar o repasse de “receitas originárias” dos Estados-membros a outros entes federativos.

Asseverou que a natureza jurídica da lei de rateio federativo das receitas dos royalties, a que se refere o § 1º do art. 20 da CF, possui natureza federal e ordinária.

Relembrou que, na linha da jurisprudência da Corte, não há hierarquia entre leis ordinárias e complementares, as quais se diferenciam apenas pelo quórum de aprovação Além disso, quanto ao caráter de nacionalidade da norma extraída do referido dispositivo constitucional, o STF já se pronunciou no sentido de que há uma equivalência da territorialidade com o alcance do preceito legal, de modo que se trata de norma federal a qual ostenta abrangência nacional. De igual modo, a titularidade da União sobre os recursos minerais e as receitas decorrentes da exploração econômica desses bens públicos indicam o caráter federal da respectiva norma, à luz do critério da predominância do interesse. Citou, no ponto, a orientação firmada no julgamento da ADI 4.606.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgou o pedido procedente por entender que a lei federal não poderia definir a distribuição do resultado da exploração de petróleo aos municípios, tendo em vista a autonomia normativa dos Estados-membros.

(1) CF: “Art. 20. São bens da União: (…) V – os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; (…) VIII – os potenciais de energia hidráulica; IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo; (…) § 1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.”

ADI 4846/ES, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 9.10.2019. (ADI-4846)

DIREITO ADMINISTRATIVO – AGENTES PÚBLICOS

Magistério e promoção funcional – 3 –

O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, resolveu questão de ordem para julgar prejudicado pedido formulado em ação direta ajuizada contra os arts. 40, 41, 42 e 54 da Lei 6.110/1994, o art. 2º da Lei 7.885/2003, e o art. 3º da Lei 8.186/2004, que dispõem sobre o Estatuto do Magistério de 1º e 2º Graus do Estado do Maranhão (Informativos 466 e 586).

O colegiado registrou a revogação das normas impugnadas.

Vencida a ministra Cármen Lúcia, cujo voto, proferido em assentada anterior, no sentido da procedência parcial do pedido, foi mantido em razão de ausência justificada na sessão.

ADI 3567/MA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 10.10.2019. (ADI-3567)

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REPERCUSSÃO GERAL
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Legitimidade do Ministério Público: ação civil pública e FGTS –

O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Com essa tese de repercussão geral (Tema 850), o Plenário negou provimento a recurso extraordinário interposto pela Caixa Econômica Federal.

Na origem, o parquet federal ajuizou ação civil pública que visa ao tratamento unificado ou à unificação das contas vinculadas ao FGTS pertencentes a empregado que possui mais de um vínculo laboral. Ao prover parcialmente embargos infringentes, o tribunal a quo aduziu estar caracterizado direito individual homogêneo com forte conotação social.

RE 643978/SE, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 9.10.2019. (RE-643978)

DIREITO ADMINISTRATIVO – ATOS ADMINISTRATIVOS

Anulação de anistia e prazo decadencial –

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a possibilidade de um ato administrativo, caso evidenciada a violação direta do texto constitucional, ser anulado pela Administração Pública quando decorrido o prazo decadencial previsto na Lei 9.784/1999. Debate-se, ainda, se uma portaria que disciplina tempo máximo de serviço de militar atende aos requisitos do art. 8º (1) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (Tema 839 da Repercussão Geral).

No caso, por meio da Portaria MJ 1.960/2012, o Ministro da Justiça anulou a anistia concedida a ex-cabo da Aeronáutica, dispensado do serviço, na década de 1960, por força da Portaria 1.104/1964-GM3.

Judicializada a questão, o acórdão recorrido concedeu a segurança para declarar a decadência do ato da Administração que anulou portaria anistiadora.

A decisão impugnada assentou que o conceito de autoridade administrativa, a que alude o § 2º do art. 54 da 9.784/1999 (2), não pode ser estendido a todo e qualquer agente público, sob pena de tornar inaplicável a regra geral contida no caput, em favor da decadência. Desse modo, devem ser consideradas como exercício do direito de anular o ato administrativo apenas as medidas concretas de impugnação à validade do ato, tomadas pelo Ministro de Estado da Justiça, autoridade que, assessorada pela Comissão de Anistia, tem competência exclusiva para decidir as questões relacionadas à concessão ou revogação das anistias políticas, nos termos do art. 1º, § 2º, III, da Lei 9.784/1999 (3) c/c o art. 10 e 12, caput, da Lei 10.559/2002 (4). Assim, as NOTAS AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 não se enquadram na definição de medida de autoridade administrativa no sentido sob exame, haja vista sua natureza de pareceres jurídicos, de caráter facultativo, formulados pelos órgãos consultivos, com trâmites internos, genéricos, os quais não se dirigem, especificamente, a quaisquer dos anistiados.

O ministro Dias Toffoli (relator) deu provimento ao recurso extraordinário para reformar o acordão impugnado e denegar a segurança ao impetrante, ora recorrido, no que foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Afirmou que, por ser matéria de ordem pública, em regra, o prazo decadencial não sofre interrupção ou suspensão. Porém, excepcionalmente, o ordenamento jurídico admite a suspensão do prazo decadencial. É o caso do disposto na parte final do caput do art. 54 da Lei 9.784/1999, que autoriza a anulação do ato administrativo consumado em situações de manifesta má-fé ou de absoluta contrariedade à Constituição Federal.

O art. 54, § 2º, da Lei 9.784/1999, por sua vez, dispõe que a adoção pela Administração Pública de qualquer medida a questionar o ato se mostra bastante a afastar a decadência.

Frisou que, ao contrário do que assentado no acórdão impugnado, as Notas Técnicas da AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 revelam as iniciativas da Administração Pública no sentido da necessidade de revisão do ato anistiador, constituindo, assim, causa obstativa da alegada decadência.

Ressaltou que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça editou súmula administrativa reconhecendo indiscriminadamente que todos os cabos da Aeronáutica que houvessem sido licenciados pela implementação do tempo de serviço militar (oito anos) seriam anistiados por ato de natureza exclusivamente política, sendo este o fundamento bastante para o enquadramento na situação do art. 8º do ADCT.

Essa interpretação dada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça conferiu uma presunção de motivação para os atos da Administração Federal consumados com fundamento na Portaria 1.104/1964, implicando em números impressionantes de anistiados na Aeronáutica.

Em procedimento de revisão pelo Grupo de Trabalho Interministerial instituído pela Portaria Interministerial 134/2011, observou-se a manifesta ausência de fato indicativo de ocorrência de punição ou perseguição por motivação política ao recorrido, em conformidade com o exigido no art. 17 da Lei 10.559/2002 (5).

No âmbito do Ministério da Justiça, o ato administrativo que anulou a Portaria Ministerial 2.340/2003, que declarou o recorrido anistiado, foi motivado por sua inadequação à condição de militar anistiado por ato de natureza política, pois seu licenciamento das Forças Armadas se deu em razão do implemento do tempo legal de serviço militar (Portaria 1.104/1964-GM3).

O relator concluiu que o ato de concessão das anistias viola a ordem constitucional, pois não se amolda ao figurino do art. 8º do ADCT, que não agasalha os militares licenciados pelo decurso do tempo, situação que não se reveste de motivação estritamente política.

Destacou que a anistia prevista no art. 8º do ADCT não alcança os militares expulsos com base em legislação disciplinar ordinária, ainda que em razão de atos praticados por motivação política. Esse é o teor da orientação que restou consubstanciada no Enunciado 674 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (STF). Embora o verbete se refira às situações de expulsão, sua razão de decidir alcança, igualmente, os militares que foram licenciados das Força Armadas em razão do implemento do tempo de serviço.

Registrou que a jurisprudência desta Corte é no sentido de que o poder-dever de autotutela autoriza a Administração a proceder à revisão da condição de anistiado político, não havendo que se falar em desrespeito ao princípio da segurança jurídica ou a direito líquido e certo.

No mais, nem mesmo o decurso do lapso temporal de cinco anos é causa impeditiva bastante para inibir a Administração Pública de revisar determinado ato, haja vista que a ressalva da parte final do caput do art. 54 da Lei 9.784/1999 autoriza sua anulação a qualquer tempo, uma vez demonstrada, no âmbito do procedimento administrativo, assegurado o devido processo legal, a má-fé do beneficiário.

Ademais, situações de flagrante inconstitucionalidade não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal. Desse modo, não pode haver usucapião de constitucionalidade, pois, a obrigatoriedade da Constituição deriva de sua vigência. Não é possível entender, portanto, que o tempo derrogue a força obrigatória de seus preceitos por causa de ações omissivas ou comissivas de autoridades públicas.

De outro lado, o STF também já decidiu que a Portaria 1.104/1964, por si, não constitui ato de exceção, sendo necessária a comprovação, caso a caso, da ocorrência de motivação político-ideológica para o ato de exclusão das Forças Armadas e consequente concessão de anistia política.

Portanto, o ato administrativo que declarou o recorrido anistiado político não é passível de convalidação pelo tempo, dada a sua manifesta inconstitucionalidade, uma vez que viola frontalmente o art. 8º do ADCT.

Em divergência, o ministro Edson Fachin negou provimento ao recurso extraordinário, no que foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Pontuou que a Portaria 1.104/1964, editada pela Aeronáutica dentro do contexto do governo militar, veio a modificar as condições para o engajamento e reengajamento dos cabos, de modo a evitar que aqueles que não fossem promovidos ao oficialato pelas vias ordinárias não pudessem permanecer nas fileiras da corporação, devendo ser licenciados ao atingir oito anos de serviço militar, antes, portanto, de alcançar os nove anos de serviço necessários à aquisição da estabilidade.

A controvérsia instaurada junto à Administração Federal reside no questionamento quanto à natureza do ato de exceção de natureza exclusivamente política, apto a subsidiar pedidos de anistia política por parte de ex-cabos que se afirmam prejudicados pelo ato normativo.

A Comissão de Anistia, após debates acerca da efetiva intenção administrativa, ao expedir a Portaria 1.104/1964, dada a motivação de evitar a formação de lideranças entre os cabos que pudessem contestar o novo regime, editou súmula administrativa dispondo que a “Portaria 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política”. Com base nesse entendimento, diversas anistias foram concedidas a ex-cabos da Aeronáutica, inclusive ao impetrante, que obteve o reconhecimento da sua condição de anistiado político.

Uma vez finalizado o processo administrativo, a autoridade coatora decidiu pela anulação da Portaria concessiva da condição de anistiado ao recorrido, acarretando, como consequência, a perda do direito à percepção de benefício de prestação continuada.

Destacou que o art. 54 da Lei 9.784/1999 estabelece apenas duas causas de interrupção do transcurso do prazo decadencial, que, no caso concreto, seriam a de má-fé do impetrante ao requerer o reconhecimento da condição de anistiado político; ou a existência de medida de autoridade administrativa apta a configurar impugnação à validade do ato.

Entretanto, o motivo para a anulação do ato de concessão da anistia política foi a mudança na interpretação do Ministério da Justiça acerca da natureza da Portaria 1.104/1964, e não eventual conduta maliciosa imputável ao impetrante.

Logo, se não se cogita de má-fé no requerimento de reconhecimento da condição de anistiado político, a causa interruptiva contida na parte final do caput do art. 54 da Lei 9.784/1999 não se aplica à hipótese em comento.

Em relação ao § 2º do art. 54 da Lei 9.784/1999, a recorrente sustenta que a Nota AGU/JD-1/2006 representaria “medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato”, de modo a obstaculizar a passagem do prazo quinquenal para a anulação do ato administrativo favorável ao impetrante.

No ponto, reputou não ser possível que ato de caráter opinativo – até porque não gestou, sozinha, nenhum efeito concreto em relação à anulação da anistia concedida ao anistiado – possa ser considerada como medida de impugnação ao ato administrativo posteriormente anulado.

É preciso ressaltar que o primeiro ato que promoveu impugnação efetiva às anistias concedidas com base na Portaria 1.104/1964 foi a Portaria Interministerial 134/2011, por meio da qual o Ministro da Justiça, conjuntamente com o Advogado-Geral da União, instaurou grupo de trabalho destinado à abertura dos processos administrativos de revisão das anistias concedidas com fundamento no ato exarado pelo então Ministro da Aeronáutica.

As notas e pareceres elaborados por membros da Advocacia-Geral da União, em especial quando não contêm conteúdo vinculante à Administração, não figuram como medida de autoridade apta a obstar a decadência administrativa no presente caso. São instrumentos de caráter genérico, que não se referem à questão específica do impetrante (ou mesmo de outros anistiados) e que apenas sugerem ao Ministro da Justiça que determine à Comissão de Anistia a observância das suas conclusões acerca da insubsistência da interpretação contida na referida súmula administrativa.

Por outro lado, facultar a qualquer agente integrante da Administração Pública a possibilidade de impugnar ato emanado de Ministro de Estado com competência exclusiva para praticá-lo não configura adequada interpretação do § 2º do art. 54 da Lei 9.784/1999. De fato, se apenas o Ministro de Estado da Justiça detém a competência exclusiva para decidir sobre concessão, revisão e revogação das anistias políticas, apenas ele pode ser considerado como autoridade cujas medidas impugnativas prestam-se a obstar o prazo decadencial para anulação de atos já consolidados no tempo.

Portanto, facultar à União a consideração de pareceres administrativos internos e genéricos, não prolatados por autoridade com competência para a revisão ou revogação do ato, como medida obstativa ao transcurso do prazo decadencial para anulação de atos administrativos, e ainda sem nenhuma possibilidade de interferência da parte interessada em defender o direito questionado, é entregar o controle da decadência – cuja aferição possui natureza eminentemente objetiva – ao alvedrio da Administração Pública. Tal entendimento coloca o administrado em posição de insegurança e sujeição contrários ao Estado Democrático de Direito que se pretendeu instaurar a partir da Constituição Federal de 1988.

Assim, apenas a Portaria Interministerial 134/2011, de autoria do Ministro da Justiça e devidamente publicizada pelos meios oficiais, poderia representar medida apta a interromper a decadência administrativa. No entanto, no momento de sua publicação, a tornar pública a instauração de processos administrativos de revisão das anistias concedidas, já se havia passado o prazo decadencial desde o ato concessivo da anistia ao recorrido.

O caso em tela não se enquadra, tampouco, na hipótese de flagrante inconstitucionalidade a excepcionar, nos termos da jurisprudência dessa Casa, o transcurso do prazo decadencial.

De fato, da documentação trazida aos autos depreende-se que houve, no âmbito administrativo, intensos debates, de 2003 a 2011, acerca da efetiva natureza da Portaria 1.104/1964. Desse modo, considerar uma flagrante inconstitucionalidade diante de tanto debate seria reconhecer uma inconstitucionalidade que, prima facie, não foi reconhecida.

Assim sendo, não se trata de inconstitucionalidade da concessão da anistia, mas, sim, de uma nova interpretação acerca de atos normativos e fatos aptos ao reconhecimento do efetivo enquadramento como anistiado político.

A questão, no fundo, refere-se a erro da Administração, em decorrência de nova interpretação conferida a fatos ocorridos em 1964. Logo, em não se tratando de inconstitucionalidade flagrante, não há que se cogitar da impossibilidade de configuração da decadência administrativa no caso em tela.

Em seguida, o relator indicou adiamento.

(1) ADCT: “Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.”
(2) Lei 9.784/1999: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”
(3) Lei 9.784/1999: “Art. 1º Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. (…) § 2º Para os fins desta Lei, consideram-se: (…) III – autoridade – o servidor ou agente público dotado de poder de decisão.”
(4) Lei 10.559/2002: “Art. 10. Caberá ao Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos decidir a respeito dos requerimentos baseados nesta Lei. (…) Art. 12. Fica criada, no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Comissão de Anistia, com a finalidade de examinar os requerimentos referidos no art. 10 desta Lei e de assessorar o Ministro de Estado em suas decisões.”
(5) Lei 10.559/2002: “Art. 17. Comprovando-se a falsidade dos motivos que ensejaram a declaração da condição de anistiado político ou os benefícios e direitos assegurados por esta Lei será o ato respectivo tornado nulo pelo Ministro de Estado da Justiça, em procedimento em que se assegurará a plenitude do direito de defesa, ficando ao favorecido o encargo de ressarcir a Fazenda Nacional pelas verbas que houver recebido indevidamente, sem prejuízo de outras sanções de caráter administrativo e penal.”

RE 817338/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 9 e 10.10.2019. (RE-817338)

DIREITO ADMINISTRATIVO – AGENTES PÚBLICOS

Julgamento de concessão de aposentadoria: prazo decadencial, contraditório e ampla defesa –

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida (Tema 445) em que se discute se o Tribunal de Contas da União (TCU) deve observar o prazo decadencial de cinco anos, previsto na Lei 9.784/1999, para julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria e a necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa.

O ministro Gilmar Mendes (relator) deu parcial provimento ao recurso para assentar que o TCU não está adstrito ao prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999 (1) para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão. Todavia, caso ultrapassados mais de cinco anos do recebimento do referido procedimento pela Corte de Contas, sem que tenha havido a apreciação de sua legalidade, deve ser assegurado aos interessados o uso das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Pontuou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendido que a concessão de aposentadoria ou pensão constitui ato administrativo complexo, que somente se aperfeiçoa após o julgamento de sua legalidade pelo TCU. Por constituir exercício da competência constitucional de controle externo (CF, art. 71, III) (2), tal ato ocorre sem a participação dos interessados e, portanto, sem a observância do contraditório e da ampla defesa. Esse, inclusive, é o teor do Enunciado 3 da Súmula Vinculante do STF (3).

Distinguiu, porém, as hipóteses em que o TCU anula as aposentadorias ou pensões por ele próprio já julgadas legais e registradas – nesse caso, há anulação de ato administrativo complexo aperfeiçoado – das outras em que o TCU julga ilegais e nega registro às aposentadorias e pensões concedidas pelos órgãos da Administração Pública – atividade de controle externo realizada sem a audiência das partes interessadas e que não se submete a prazos decadenciais.

Nesse sentido, nas hipóteses em que existe ato jurídico perfeito – isto é, já julgado e devidamente registrado pelo TCU – que concede aposentadoria ou pensão, entende o STF que a sua posterior anulação pelo próprio TCU, após decorrido um extenso lapso temporal e criada situação de estabilidade jurídica para o administrado, deve ser precedida de processo administrativo com plena participação dos interessados, assegurados o contraditório e a ampla defesa.

Nos demais casos, considera-se que o julgamento, pelo TCU, da legalidade dos atos administrativos concessivos de aposentadorias ou pensões realiza-se sem a participação dos interessados e não se submete a prazo decadencial.

Entretanto, é preciso observar esse entendimento à luz da ponderação entre o princípio da segurança jurídica, como “subprincípio” do Estado de Direito, e o princípio da legalidade dos atos da Administração Pública, levando em conta as garantias fundamentais da ampla defesa e do contraditório e sua incidência no âmbito dos processos administrativos.

Assim, uma vez que o ato formal do órgão administrativo – que verifica o preenchimento dos requisitos legais e concede a aposentadoria ou pensão – tem o condão de criar situações jurídicas com plena aparência de legalidade e legitimidade, é de se admitir, portanto, que também a atuação do TCU, no tocante ao julgamento da legalidade e registro dessas aposentadorias ou pensões, deva estar sujeita a um prazo razoável, sob pena de ofensa ao princípio da confiança, face subjetiva do princípio da segurança jurídica.

Não se trata, entretanto, de estabelecer um tipo de prazo decadencial intercorrente para o aperfeiçoamento do ato administrativo complexo concessivo da aposentadoria ou pensão. Ultrapassado o que seria o prazo razoável, definido pela legislação como sendo de cinco anos, o TCU não fica impedido de exercer seu poder-dever de, no exercício da competência de controle externo conferida pela CF (art. 71, III), julgar, para fins de registro, a legalidade das concessões de aposentadorias ou pensões. O transcurso do interregno temporal de cinco anos apenas faz surgir, para o servidor público aposentado, o direito subjetivo de ser notificado de todos os atos administrativos de conteúdo decisório e, dessa forma, de manifestar-se no processo e ter seus argumentos devidamente apreciados pelo TCU.

O ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator. Acrescentou, todavia, a possibilidade de revisão, por parte do TCU, do ato já realizado. Nesse sentido, em tese, o TCU pode considerar que um ato concessório de aposentadoria está dentro da lei, em intervalo de tempo razoável. Passado longo período a partir desse ato, pode teoricamente rever seu posicionamento, em virtude de alteração jurisprudencial, por exemplo.

Portanto, se o TCU reputar legal a concessão de aposentadoria, só poderá alterar essa situação dentro do limite do prazo quinquenal e também se respeitado o contraditório e a ampla defesa, tudo em deferência à segurança jurídica.

Em seguida, o julgamento foi suspenso.

(1) Lei 9.784/1999: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”
(2) CF: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (…) III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;”
(3) Enunciado 3 da Súmula Vinculante: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União, asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”.

RE 636553/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 10.10.2019. (RE-636553)

PRIMEIRA TURMA

DIREITO PENAL – LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL

Lavagem de dinheiro e exaurimento da infração antecedente –

A Primeira Turma recebeu denúncia oferecida contra deputado federal pela suposta prática de crime de corrupção e a rejeitou quanto ao delito de lavagem de dinheiro.

No caso, o inquérito foi instaurado para apurar o cometimento, por parlamentar federal e seu assessor, dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ante a apreensão de vultosa quantia em espécie, na posse do último, quando tentava embarcar em avião, utilizando passagens custeadas pelo primeiro.

A procuradora-geral da República apresentou denúncia em desfavor do deputado, imputando-lhe o cometimento dos delitos tipificados nos arts. 317, § 1º (corrupção passiva com causa de aumento em razão de infringir dever funcional), do Código Penal (CP) e 1º, V (lavagem de dinheiro proveniente de crime contra a Administração Pública), da Lei 9.613/1998, com redação anterior à Lei 12.683/2012, na forma do 69 (concurso material) do CP.

Segundo a denúncia, o parlamentar, na condição de líder de partido, teria recebido, por intermédio de assessor, vantagem indevida visando obter apoio para manter determinada pessoa na Presidência da Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU. A denúncia assevera ter o parlamentar deixado de praticar ato de ofício consistente na fiscalização das atividades do Poder Executivo e da Administração Pública indireta, infringindo deveres funcionais atinentes ao mandato de deputado federal. Além disso, o investigado, com a finalidade de ocultar a natureza, a origem, a disposição e a propriedade da quantia ilícita recebida, teria ordenado que o assessor movimentasse o dinheiro, camuflando as notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias, de modo a dissimular a natureza, a origem e a propriedade dos valores, caso fosse surpreendido, o que veio a acontecer.

A Turma, inicialmente, afastou as preliminares suscitadas.

No mérito, quanto ao delito previsto no art. 317, § 1º, do CP, reputou que a denúncia atendeu às exigências versadas no art. 41 do Código de Processo Penal (CPP): conter descrição do cometimento, em tese, de fato criminoso e das circunstâncias, estando individualizada a conduta imputada ao acusado.

Afirmou haver indícios de participação do denunciado no suposto fornecimento de sustentação política com a finalidade de obter vantagens ilícitas oriundas da aquisição de bens e serviços no âmbito da mencionada sociedade de economia mista. Ficou demonstrada, nos autos, a intensa troca de mensagens e de ligações efetuadas entre o assessor do deputado e o beneficiário que pretendia se manter na presidência da mencionada companhia no dia da apreensão do numerário.

Ressaltou que cumpre viabilizar, sob o crivo do contraditório, a instrução processual, para que o tema de fundo da imputação, atinente à omissão de ato de ofício com vistas à obtenção de vantagem ilícita, seja analisado.

No que se refere ao delito de lavagem de dinheiro, no entanto, não vislumbrou narrativa fática a ensejar a configuração típica da infração, surgindo relevante o articulado pela defesa acerca da ausência de justa causa.

Esclareceu que o crime de branqueamento de capitais corresponde a conduta delituosa adicional, a qual se caracteriza mediante nova ação dolosa, distinta daquela que é própria do exaurimento da infração antecedente. Entretanto, a procuradoria-geral da República limitou-se a expor, a título de conduta reveladora de lavagem de dinheiro, a obtenção da vantagem indevida proveniente do delito de corrupção passiva.

Asseverou que o ato de receber valores ilícitos integra o tipo previsto no art. 317 do CP, de modo que a conduta de esconder as notas pelo corpo, sob as vestes, nos bolsos do paletó, junto à cintura e dentro das meias, não se reveste da indispensável autonomia em relação ao crime antecedente, não se ajustando à infração versada no art. 1º, V, da Lei 9.613/1998.

Também se mostram atípicas as condutas apontadas como configuradoras do delito de lavagem de dinheiro na modalidade de dissimulação da origem de valores, visto que ausente ato voltado ao ciclo de branqueamento. A falta de justificativa a respeito da origem da quantia ou a apresentação de motivação inverossímil estão inseridas no direito do investigado de não produzir prova contra si, sem implicar qualquer modificação na aparência de ilicitude do dinheiro.

Inq 3515/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.10.2019. (Inq-3515)

DIREITO ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO

Cumulação de títulos de magistério e aplicação retroativa de nova interpretação de norma administrativa –

A Primeira Turma iniciou julgamento conjunto de mandados de segurança impetrados contra decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, em procedimento de controle administrativo posterior à realização de concurso público, fixou entendimento no sentido da impossibilidade da soma dos títulos relativos ao exercício do magistério superior com e sem prévia aprovação em concurso público. Em decorrência, o referido conselho determinou o reexame da contagem dos pontos atribuídos aos candidatos com a republicação da lista final de classificação.

Os impetrantes alegam que o CNJ deu nova interpretação a normas relativas ao certame, sendo inviável sua aplicação retroativa.

O ministro Marco Aurélio (relator) deferiu a ordem para assentar a insubsistência do pronunciamento do CNJ e a possibilidade da cumulação da pontuação dos títulos.

Considerou que novo entendimento só seria aplicável se firmado antes da abertura da sessão pública, mediante divulgação de edital. Pontuou ser imprescindível o respeito aos princípios da segurança jurídica, da vinculação ao instrumento convocatório e da impessoalidade, que impõem a manutenção das regras inicialmente estabelecidas e amplamente divulgadas, as quais orientam escolhas e projetos individuais daqueles que pretendem concorrer ao cargo.

Destacou, também, que a Lei 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, reforça a necessidade de observância da garantia constitucional e veda, de forma expressa, aplicação retroativa de nova interpretação de norma administrativa (art. 2º, parágrafo único, XIII) (1).

Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos.

(1) Lei 9.784/1999: “Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…) XIII – interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. ”

MS 35992/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.10.2019. (MS-35992)
MS 36218/RS, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.10.2019. (MS-36218)

DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Ação direta de inconstitucionalidade estadual: homologação de acordos e conhecimento –

A Primeira Turma deu provimento a agravo regimental em recurso extraordinário para determinar o retorno do processo ao tribunal de origem, para que seja julgado o mérito de ação direta de inconstitucionalidade estadual ajuizada contra normas locais que transformaram cargos de analista técnico jurídico em cargos de procurador municipal.

No caso, o Pleno do Tribunal de Justiça estadual, por maioria, não conheceu da referida ação direta de inconstitucionalidade, ao fundamento de: i) inadequação do procedimento escolhido pelo requerente para veicular as pretensões deduzidas na inicial e ii) afronta ao instituto da coisa julgada material, visto que as normas contestadas seriam fruto de acordo homologado judicialmente, sendo, portanto, inviável a rediscussão da matéria.

O colegiado entendeu não subsistir a afirmação do tribunal de origem no sentido de que as normas tidas por viciadas não podem ser objeto de ADI, pois o que se discute é a constitucionalidade das leis impugnadas e não o trânsito em julgado dos acordos homologados judicialmente.

O ministro Marco Aurélio registrou que, em observância ao princípio da vedação à supressão de instância, é inviável a apreciação da controvérsia pelo Supremo, haja vista que não houve julgamento do mérito pelo tribunal de origem.

RE 1186465 AgR/TO, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 8.10.2019. (RE-1186465)

DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA

Prerrogativa de função: natureza do crime e justiça comum –

A Primeira Turma negou provimento a agravo regimental em inquérito em que se apura a prática do crime de corrupção passiva, e determinou a remessa dos autos à justiça estadual de primeira instância.

No caso, o agravante pretendia a remessa dos autos à justiça federal em razão de um dos investigados ocupar atualmente o cargo de deputado federal.

A Turma destacou, inicialmente, não haver bem da União envolvido na causa. O fato de o agente ocupar cargo público não gera, por si só, a competência da justiça federal. Esta é definida pela prática delitiva.

O ministro Marco Aurélio (relator) asseverou que declinou da competência à justiça comum, tendo em conta que os delitos imputados, apesar de supostamente cometidos quando o referido investigado ocupava o cargo de senador da República, não estão relacionados a esse cargo. Portanto, o julgamento da causa não cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Ressaltou, no ponto, a orientação fixada pela Corte, em questão de ordem na AP 937, no sentido de que a prerrogativa de foro pressupõe a prática do ato criminoso no exercício do cargo e relacionado às funções desempenhadas.

Inq 4624 AgR, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 8.10.2019. (Inq-4624)

SEGUNDA TURMA

DIREITO PROCESSUAL PENAL – ATOS PROCESSUAIS

Interrogatório de corréus: ausência de defesa técnica e acusado delator – 2 (Errata) –

Comunicamos que o correto teor da matéria referente à AO 2.093, divulgada no Informativo 950, é este:

Em conclusão de julgamento, a Segunda Turma deu parcial provimento a ação originária em que apreciados recursos de apelação interpostos de sentença que condenou vários réus pela prática de delitos de inexigência indevida de licitação; falsificação de documento público; e/ou peculato. Na ocasião em que proferido o édito condenatório, o magistrado declarou extinta a punibilidade, pelo perdão judicial, do acusado colaborador [Lei 9.807/1999, art. 13 (1) c/c o Código Penal (CP), art. 107, IX (2)] (Informativo 949).

As condutas ilícitas a eles atribuídas relacionam-se: i) à aquisição, sem licitação, de livros de educação para o trânsito, por Departamento de Trânsito (Detran) estadual, com inexigência atestada fora das hipóteses legais, preço superfaturado e sem o fornecimento da quantidade integral de exemplares acordada; ii) à falsificação de assinatura aposta sobre o carimbo da empresa contratada em cheque emitido para o pagamento da fatura correspondente.

Os autos vieram ao Supremo Tribunal Federal em decorrência do impedimento/suspeição de mais da metade da composição do tribunal de justiça [Constituição Federal (CF), art. 102, I, n (3)].

A defesa de um dos apelantes apresentou questão de ordem no tribunal de justiça, na qual arguiu que o acusado esteve desprovido de defesa técnica quando do interrogatório de alguns corréus, entre os quais o delator a quem concedido perdão judicial. Dessa maneira, requereu a declaração de nulidade do processo desde as audiências em que ouvidos os corréus.

No que pertine ao mencionado apelante, o colegiado acolheu, em parte, preliminar de nulidade, consistente na ausência de defesa técnica do recorrente durante o interrogatório do corréu colaborador, nos termos do voto médio do ministro Gilmar Mendes. Nulidade reconhecida, com base nos arts. 563 e 566 do Código de Processo Penal (CPP) (4), apenas para declarar a imprestabilidade do interrogatório do delator em relação ao recorrente, sem determinação de repetição dos atos do processo, decisão tomada, no ponto, por maioria.

Segundo o ministro Gilmar Mendes, os patronos estavam cientes da data designada para o interrogatório de todos os corréus e compareceram inclusive no horário do depoimento de seu constituinte, no mesmo dia, porém em turno diferente. Logo, inexiste nulidade por ausência de intimação.

A imprescindibilidade da participação da defesa técnica, sob pena de nulidade, restringe-se ao acusado que é interrogado. Entretanto, excepciona-se a regra da faculdade da participação quando há a imputação de crimes pelo interrogado aos demais réus, como nos casos de colaboração premiada.

Nessas hipóteses, deve-se exigir a presença dos advogados dos réus delatados, pois, na colaboração premiada, o delator adere à acusação em troca de um benefício acordado entre as partes e homologado pelo julgador natural. Em regra, o delator presta contribuições à persecução penal incriminando eventuais corréus.

O ministro não vislumbrou nulidade pela falta de participação de advogado no interrogatório dos corréus que se limitaram a negar a autoria da acusação e a materialidade dos fatos durantes seus interrogatórios. No entanto, entendeu ser indispensável a presença de defesa técnica no interrogatório do colaborador, que confessou a prática dos crimes e indicou quem seriam os participantes. Este corréu atuou como colaborador premiado. Apesar disso, as peculiaridades do caso levaram o ministro à solução distinta.

A primeira particularidade é que o interrogatório do colaborador ocorreu antes da consolidação da jurisprudência no sentido da imprescindibilidade da participação da defesa técnica na inquirição e confronto das declarações do colaborador ou do corréu acusador. A própria colaboração prestada é anterior ao advento da norma que instituiu o procedimento e as cláusulas do acordo de colaboração premiada (Lei 12.850/2013). Portanto, o ato foi praticado consoante o entendimento legal e jurisprudencial da época.

Além disso, as imputações do colaborador ocorreram no início do processo. O interrogatório do delator foi realizado antes do advento da Lei 11.719/2008, que transferiu o ato para a parte final da instrução. Isso possibilitou à defesa realizar a devida contraposição das imputações durante toda a fase probatória. Poderia inclusive ter solicitado o reinterrogatório, mas não o fez e somente arguiu a nulidade nove anos após as audiências.

O ministro Gilmar Mendes ponderou que, mesmo que se considere a ineficácia absoluta do depoimento prestado em juízo para produzir efeitos sobre a esfera jurídica do apelante, há provas autônomas e independentes que, além de qualquer dúvida razoável, sustentam a acusação. Subsistem elementos suficientes a permitir a condenação, que está amparada em diversos outros elementos de prova material e testemunhal desvinculados das alegações do colaborador.

No ponto, destacou que o CPP prevê a admissibilidade de provas decorrentes de fontes independentes, sem nexo de causalidade com eventuais provas ilícitas, a fim de embasar decretos condenatórios (CPP, art. 157, §1º). Ademais, a tese da fonte independente também tem sido acolhida pela jurisprudência do STF como exceção à teoria dos frutos da árvore envenenada.

Em conclusão, o ministro reconheceu a nulidade em menor grau, com base nos arts. 563 e 566 do CPP. Aduziu inexistir sentido em se renovar o interrogatório em relação ao recorrente quando inúmeras outras provas justificam a condenação e foram devidamente fundamentadas pelo magistrado de piso.

Vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que decretou a nulidade do interrogatório do colaborador para que seja refeito em relação ao recorrente. A seu ver, deveria ter-lhe sido nomeado defensor ad hoc, em face da ausência do advogado constituído naquele ato processual.

De igual modo, vencidos os ministros Cármen Lúcia (relatora) e Edson Fachin (revisor), que rejeitaram a preliminar. A relatora aduziu que a ausência dos advogados nos interrogatórios seria estratégia que a defesa entendeu ser adequada no momento. Contudo, a estratégia não pode ser algo que torne inefetiva a prestação jurisdicional e, logo, não pode constituir nulidade. Os ministros ressaltaram que o advogado se fazia presente no mesmo dia. Além disso, subsistem outros elementos capazes de manter a higidez da sentença.

(1) Lei 9.807/1999: “Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; (…) Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.”
(2) CP: “Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: (…) IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.”
(3) CF: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: (…) n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;”
(4) CPP: “Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. (…) Art. 566. Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.”

AO 2093/RN, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 3.9.2019. (AO-2093)

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