quinta-feira,28 março 2024
TribunaisInformativo nº 949 STF

Informativo nº 949 STF

Resumo do Informativo nº 949 do STF – data de divulgação: 26 a 30 de agosto 2019.

SUMÁRIO
1ª Turma
Súmula Vinculante 14 e não comprovação de restrição de acesso aos elementos de prova
2ª Turma
Interrogatório de corréus: ausência de defesa técnica e acusado delator
Colaboração premiada e ordem da apresentação de alegações finais
Transcrições
Outras Informações

PRIMEIRA TURMA

DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVAS

Súmula Vinculante 14 e não comprovação de restrição de acesso aos elementos de prova –

A Primeira Turma negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão monocrática que negou seguimento a reclamação ajuizada contra ato de juízo federal sob a alegada afronta à autoridade da Súmula Vinculante 14.

No caso, o reclamante afirmava não ter tido acesso ao procedimento da escuta telefônica que serviu de esteio ao oferecimento da denúncia, o que impossibilitou a análise do período da autorização e de seus fundamentos. Pretendia a procedência da reclamação, com a anulação das provas produzidas contra ele na origem.

O colegiado manteve os fundamentos da decisão reclamada, visto que o acesso aos autos originários, da forma como franqueado aos reclamantes, seguiu os parâmetros da Súmula Vinculante 14. Inexiste, portanto, substrato fático ou jurídico capaz de atrair a sua incidência.

De acordo com as informações prestadas pela autoridade reclamada, as interceptações telefônicas foram cautelarmente colhidas com a autorização do juízo e os áudios interceptados também foram juntados ao inquérito policial e sempre estiveram disponíveis às partes e procuradores, inclusive na forma digitalizada depois de deflagrada a investigação.

Além disso, o juízo reclamado apreciou pedido de transcrição integral dos áudios interceptados formulado pela defesa, o que pressupõe prévio acesso aos respectivos autos em que produzidos.

Por fim, a reclamação foi deficientemente instruída.

O reclamante sequer explicitou o ato judicial que supostamente implicou o indeferimento do acesso do reclamante aos autos da interceptação telefônica, não obstante a concessão excepcional de prazo para sua complementação.

Rcl 27919 AgR/GO, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 27.8.2019. (Rcl-27919)

SEGUNDA TURMA
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ATOS PROCESSUAIS

Interrogatório de corréus: ausência de defesa técnica e acusado delator –

A Segunda Turma retomou julgamento de ação originária em que são apreciados recursos de apelação interpostos de sentença que condenou vários réus pela prática de delitos de inexigência indevida de licitação; falsificação de documento público; e/ou peculato, bem assim declarou extinta a punibilidade pelo perdão judicial concedido ao acusado colaborador [Lei 9.807/1999, art. 13 (1) c/c Código Penal (CP), art. 107, IX (2)].

As condutas ilícitas a eles atribuídas relacionam-se: i) à aquisição, sem licitação, de livros de educação para o trânsito, por Departamento de Trânsito (Detran) estadual, com inexigência atestada fora das hipóteses legais, preço superfaturado e sem o fornecimento da quantidade integral de exemplares acordada; ii) à falsificação de assinatura aposta sobre o carimbo da empresa contratada em cheque emitido para o pagamento da fatura correspondente.

Os autos vieram ao Supremo Tribunal Federal em decorrência do impedimento/suspeição de mais da metade da composição do tribunal de justiça [Constituição Federal (CF), art. 102, I, n (3)].

Em 20.8.2019, a ministra Cármen Lúcia (relatora) deu parcial provimento a diversos recursos e negou provimento à apelação de um dos sentenciados, no que foi acompanhada pelo ministro Edson Fachin (revisor).

Na ocasião, a ministra rejeitou preliminar de nulidade consubstanciada na ausência de defesa técnica de acusados durante o interrogatório de alguns corréus, entre os quais o delator a quem concedido perdão judicial.

A relatora observou que os atos combatidos ocorreram antes do advento da Lei de Colaboração Premiada. Registrou que as oitivas questionadas eram de réus, e não de testemunhas. Os advogados dos recorrentes foram comunicados previamente sobre a data e o horário dos interrogatórios. Ainda que regularmente intimados, não compareceram. Nesse sentido, o art. 565 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.

A seu ver, o estudo dos autos deixou patente a combatividade dos advogados dos recorrentes no processo. Inúmeras teses e nulidades foram alegadas e diversos requerimentos apresentados, com participação ativa em várias audiências. Ademais, o interrogatório de todos os acusados, inclusive o dos apelantes que arguiram a nulidade, foram realizados no mesmo dia e pelo mesmo juiz. E os patronos atuaram no interrogatório de seus clientes e compareceram a outras oitivas. Diante disso, concluiu que os advogados dos recorrentes não participaram dos interrogatórios porque entenderam ser a ausência estratégia adequada no momento. Contudo, a estratégia de defesa não pode ser algo que torne inefetiva a prestação jurisdicional e, portanto, não pode constituir nulidade.

A ministra acentuou que, em um dos casos, a nulidade foi suscitada em questão de ordem pelo causídico nove anos depois das audiências, quando os autos já estavam no tribunal de justiça.

Aduziu que o interrogatório de corréu é ato do juiz, que propicia à defesa dos demais denunciados mera faculdade de participação. A imprescindibilidade da presença de defesa técnica ocorre durante o interrogatório do réu por ela representado, não quanto aos demais. No tocante aos corréus, há obrigatoriedade de intimação da data de interrogatório, a permitir o comparecimento do advogado, o que comprovado na espécie.

Ao final, a relatora assinalou que a sentença não se alicerça apenas em indícios e que subsistem outros elementos capazes de manter sua higidez.

Por seu turno, o ministro Edson Fachin enfatizou que, na situação em apreço, foram exercitados o contraditório e as garantias constitucionais. A todos foi permitido enfrentar as imputações e infirmar as declarações de corréu antes da própria sentença condenatória no trâmite processual.

Na sequência, o julgamento foi suspenso.

Nesta assentada, a ministra Cármen Lúcia (relatora) indeferiu pedido de reconhecimento da prescrição de pretensão punitiva formulado, em 21.8.2019, por um dos apelantes. Asseverou que o prazo prescricional somente é reduzido à metade quando o agente tiver mais de setenta anos de idade na data da sentença (CP, art. 115) e o requerente completou a idade posteriormente. Na mesma linha, votaram os ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski.

Em divergência, o ministro Ricardo Lewandowski deu parcial provimento às apelações.

Ao acolher questão de ordem inicialmente formulada no tribunal de justiça, decretou a nulidade do processo a partir da audiência de interrogatório do delator, prejudicada a análise do mérito da apelação exclusivamente em relação a determinado réu.

Sublinhou que, apesar de o advogado ter sido intimado para o ato de interrogatório dos corréus, este não compareceu à audiência e o juiz de direito que a presidiu não nomeou advogado dativo para o apelante, o qual esteve totalmente desassistido de defesa técnica. Isso, à toda evidência, viola garantias fundamentais sobre as quais se assenta o próprio Estado Democrático de Direito.

Segundo o ministro, apartar o processo judicial dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade ou do ideal da concretização do justo esvazia por inteiro o direito ao contraditório e à ampla defesa. Impende considerar que, na audiência em que o recorrente ficou absolutamente desprovido de defesa técnica — portanto, indefeso — procedeu-se à colheita do depoimento do delator. Este, em cumprimento a acordo de colaboração premiada firmado com o Ministério Público, desvelou o esquema criminoso e imputou aos demais acusados a prática dos delitos narrados na denúncia.

O ministro Lewandowski ponderou que, no particular, as palavras dos delatores devem ser vistas com reservas, porquanto têm claro interesse no desfecho da demanda para obter benefícios penais. Na perspectiva do órgão acusador, o réu colaborador apresenta-se como verdadeira testemunha dos fatos criminosos na medida em que imputa aos seus comparsas a prática de atos ilícitos. Logo, afigura-se evidente a existência de prejuízo ao delatado sempre que este não puder exercer efetivamente a ampla defesa e contraditar a versão do delator, sobretudo endereçando perguntas ao criminoso confesso que busca livrar-se da responsabilidade pelos malfeitos cometidos.

Ressaltou que, na referida audiência, aos advogados dos demais acusados foi assegurada a oportunidade de fazer reperguntas ao delator, garantia que fora subtraída ao corréu. Dessa maneira, vulnerou-se a isonomia, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.

Ademais, reputou não ser válido o argumento segundo o qual, desprezada a delação, subsistiriam elementos no acervo probatório para a condenação do réu. Isso, porque, além de constituir nulidade absoluta [CPP, art. 564, III, c (4)], o prejuízo ficou plenamente evidenciado na espécie, visto que o juiz sentenciante atribuiu especial relevo ao depoimento do colaborador para afirmar a culpabilidade dos acusados. A delação contribuiu decisivamente com o fortalecimento das demais provas. Sem ela, as provas seriam tênues.

Desse modo, a defesa técnica do recorrente que, no caso, era imperiosa, foi crucialmente cerceada, porquanto não pôde fazer reperguntas a fim de contraditar o delator. Ainda que intimado o advogado constituído, a falta deveria ter sido suprida com a nomeação de defensor ad hoc.

Em seguida, o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos.

(1) Lei 9.807/1999: “Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III – a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.”
(2) CP: “Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: (…) IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.”
(3) CF: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: (…) n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;”
(4) CPP: “Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (…) III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: (…) c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos;”

AO 2093/RN, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 27.8.2019. (AO-2093)

DIREITO PROCESSUAL PENAL – LEI 12.850/2013

Colaboração premiada e ordem da apresentação de alegações finais –

A Segunda Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental em habeas corpus para anular a condenação imposta ao paciente e assegurar-lhe nova oportunidade de apresentar memoriais escritos, após o decurso do prazo oferecido para a apresentação dessa peça aos corréus colaboradores.

No caso, o paciente foi condenado, no âmbito da operação Lava Jato, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Entretanto, na fase final da instrução processual, o juízo determinou a apresentação, em prazo comum, de alegações finais pelos corréus, independentemente de ostentarem a condição de colaboradores ou de haverem sido delatados nos acordos celebrados.

A defesa alegou que, embora inexistente previsão legal específica, o paciente — delatado — deveria ter o direito de apresentar sua peça defensiva após os delatores.

Inicialmente, a Turma, por maioria, conheceu do habeas corpus. No ponto, o ministro Gilmar Mendes anotou que o Tribunal construiu jurisprudência segundo a qual hipóteses que não envolvem risco imediato de prisão — como análise de licitude de prova, por exemplo — são matérias que implicam conhecimento do writ. Concluiu que toda vez que houver a possibilidade de condenação e, portanto, envolvimento da liberdade de ir e vir, caberá o habeas corpus.

O ministro Ricardo Lewandowski acrescentou outra hipótese que enseja cognoscibilidade: o respeito à cronologia das sustentações orais, com o direito de a defesa se manifestar por último.

A ministra Cármen Lúcia lembrou que a jurisprudência da Corte quanto ao cabimento do habeas corpus é generosa e abarca casos nos quais, à primeira vista, não parece estar em jogo apenas a liberdade de locomoção. Frisou que o direito de locomoção é uma condição sine qua non do exercício de uma infinidade de direitos, como o direito à saúde, ao trabalho, ao desenvolvimento científico e religioso, entre outros.

Vencido, no ponto, o ministro Edson Fachin (relator), que não conheceu do habeas corpus.

No mérito, prevaleceu o voto do ministro Ricardo Lewandowski, no que acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes e pela ministra Cármen Lúcia.

Entendeu evidente a ocorrência de constrangimento ilegal. Nesse sentido, o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa deve permear todo o processo legal, garantindo-se sempre a possibilidade de manifestações oportunas da defesa, bem como a possibilidade de se fazer ouvir no julgamento e de oferecer, por último, os memoriais de alegações finais. Pouco importa, na espécie, a qualificação jurídica do agente acusador: Ministério Público ou corréu colaborador.

A colaboração premiada possui natureza jurídica de meio de obtenção de prova (Lei 12.850/2013, art. 3º, I) (1). Permitir, pois, o oferecimento de memoriais escritos de réus colaboradores, de forma simultânea ou depois da defesa — sobretudo no caso de utilização desse meio de prova para prolação de édito condenatório — comprometeria o pleno exercício do contraditório, que pressupõe o direito de a defesa falar por último, a fim de poder reagir às manifestações acusatórias.

O direito de a defesa falar por último decorre do sistema normativo, como se depreende do Código de Processo Penal (CPP). A inversão processual consagrada pela intelecção que prestigia a manifestação final de réus colaboradores por último, ou simultaneamente, ocasiona sério prejuízo ao delatado, que não pode se manifestar para repelir os argumentos eventualmente incriminatórios ou para reforçar os favoráveis.

Inexistente dispositivo processual expresso, é evidente que, sob pena de nulidade, os réus colaboradores não podem se manifestar por último, em razão da carga acusatória que existe em suas informações.

Fere, igualmente, as garantias de defesa, todo expediente que impede o acusado, por meio do defensor, de usar sua palavra por último. Isso porque, independentemente de estar despida de roupagem acusatória, a peça processual das alegações finais, ao condensar todo o histórico probatório, pode ser determinante ao resultado desfavorável do julgamento em relação ao acusado, o que legitima este a merecer a oportunidade de exercitar o contraditório.

O prejuízo da defesa é, portanto, induvidoso. Só se poderia afastar o nexo entre o defeito processual e a certeza do prejuízo da defesa se o resultado do julgamento tivesse sido favorável a ela. Isso não se verifica na hipótese de condenação.

Vencido o relator, que negou provimento ao agravo. Reputou que a colaboração premiada não consubstancia meio de prova, mas meio de obtenção de prova. Assim, as meras e eventuais afirmações do agente colaborador em sede de alegações finais não são aptas a conferir influência sobre a esfera jurídica do delatado, a ponto de autorizar, sem demonstração concreta de prejuízo, a infirmação da marcha processual.

(1) Lei 12.850/2013: “Art. 3º. Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I – colaboração premiada;”

HC 157627 AgR/PR, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 27.8.2019. (HC-157627)

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos Julgamentos por meio eletrônico*
Em curso Finalizados
Pleno — — — — 192
1ª Turma 27.08.2019 — 2 11 225
2ª Turma 27.08.2019 — 1 1 141
* Emenda Regimental 52/2019-STF. Sessão virtual de 23 a 29 de agosto de 2019.

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

RE 594.435 ED/SP
RELATOR: Ministro Marco Aurélio

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão proferido pelo Tribunal Pleno, o qual foi assim ementado:

“COMPETÊNCIA – COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA – INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. Compete à Justiça comum o julgamento de conflito a envolver a incidência de contribuição previdenciária sobre complementação de proventos de aposentadoria (RE nº 594.435/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 3/9/18).”

Na oportunidade, foi fixada a seguinte tese para o Tema de repercussão geral nº 149:

“Compete à Justiça comum o julgamento de conflito de interesses a envolver a incidência de contribuição previdenciária, considerada a complementação de proventos.”

Pedem os embargantes a modulação dos efeitos do acórdão atacado, “para que seja fixada a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar os processos em que já tenha sido proferida sentença até a data do julgamento do recurso no Plenário do Supremo Tribunal Federal”.

O Relator, Ministro Marco Aurélio, votou pelo conhecimento dos embargos e por seu não provimento.

Abriu divergência o Ministro Alexandre de Moraes, votando pela modulação dos efeitos do acórdão embargado, de modo a manter na Justiça do Trabalho, até o fim da fase de execução, todos os processos da espécie em que tenha sido proferida sentença de mérito até o dia da conclusão do julgamento do recurso extraordinário. Acompanharam Sua Excelência os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

Pedi vista dos autos para melhor refletir sobre o assunto.

Com a devida vênia, entendo ser o caso de se acompanhar a divergência.

Verifica-se que a Corte já se debruçou sobre caso análogo ao examinar o RE nº 586.453/SE. Na ocasião, o Tribunal Pleno, por maioria, concluiu ser da Justiça Comum, e não da Justiça do Trabalho, a competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar. Em seguida, também por maioria, nos termos do voto da Relatora, Ministra Ellen Gracie, a Corte modulou os efeitos da decisão, reconhecendo a competência da Justiça do Trabalho “para processar e julgar, até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão” do julgamento daquele recurso.

Ao votar pela modulação dos efeitos, a Relatora destacou que o encaminhamento de muitos processos já julgados pela Justiça especializada para a Justiça Comum implicaria retrocesso às primeiras fases processuais, causando danos à celeridade processual e à eficiência, bem como prejuízo aos interessados. A Relatora referiu também que “os sistemas processuais trabalhistas e civil não [guardariam] identidade procedimental”. Isso, segundo ela, tornaria muito complexa a simples remessa dos autos de uma Justiça para outra. Para corroborar seu entendimento, Sua Excelência se valeu das seguintes passagens do voto proferido pelo Ministro Ayres Britto no julgamento do CC nº 7.204/MG, Tribunal Pleno, DJ de 9/12/05:

“ 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite da Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação.
5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto.
6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete” (destaquei).

Penso que o mesmo raciocínio se aplica ao presente caso.

Por fim, a respeito do instituto da translatio iudicii (art. 64, § 4º, do CPC), vale relembrar as observações feitas pelo Ministro Luiz Fux na sessão de 24/5/18:

“Modernamente, hoje, quando se entende que um juízo é incompetente, a consequência imediata é a remessa ao juízo competente. Não há mais a regra de que os atos decisórios são nulos. Inclusive, essa regra tem dado ensejo a uma série de distorções graves, anulando os atos decisórios. Isso implica prescrições de todos os níveis, no nível cível, no nível penal etc. Então, hoje, o que se opera é a translatio iudicii, ou seja, sai de um juízo que era incompetente e vai para o juízo competente. Se o juízo competente entender que deve repetir atos, ele o fará, mas declarar a nulidade dos atos decisórios tem causado uma série de distorções graves” (destaquei).

Como se nota, é preciso evitar o império da insegurança jurídica e a inobservância do princípio da confiança legítima. Desse modo, entendo ser o caso de se acolherem os embargos de declaração.

Ante o exposto, pedindo vênia ao Relator, acompanho a divergência.

É como voto.

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