sexta-feira,29 março 2024
TribunaisInformativo nº 946 o STF

Informativo nº 946 o STF

Confira resumo do Informativo nº 946 STF.

 

Sumário
Plenário

  • Medida provisória: rejeição e reedição
  • Porte de arma de fogo para agentes socioeducativos e agentes penitenciários
  • Recolhimento compulsório de crianças e direito de ir e vir
  • Prisão de ex-presidente da República e transferência de presídio
  • Proibição de cobrança de taxa de religação do serviço de energia elétrica e relação consumerista

Repercussão Geral

  • Art. 19 do ADCT e fundação pública de natureza privada – 3

1ª Turma

  • Reconhecimento fotográfico e elemento probatório idôneo

2ª Turma

  • Extradição e quadro de instabilidade do Estado requerente

DIREITO CONSTITUCIONAL – PODER EXECUTIVO

Medida provisória: rejeição e reedição –

Nos termos expressos da Constituição Federal (CF), é vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada.

Com essa orientação, o Plenário referendou medidas cautelares em ações diretas de inconstitucionalidade para reestabelecer a competência da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça, para a demarcação de terras indígenas.

No caso, o presidente da República editou a Medida Provisória (MP) 870/2019 para transferir a competência de demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. Posteriormente, essa MP foi submetida à deliberação do Congresso Nacional e tornou-se a Lei 13.844/2019. Na conversão, o Congresso rejeitou a transferência da aludida competência para o Ministério da Agricultura.

Promulgada a lei de conversão com a referida rejeição, o presidente da República, na mesma data, editou a MP 886/2019, para reincluir na lei de conversão a exata medida que havia sido rejeitada pela deliberação do Congresso Nacional.

O Colegiado pontuou que o art. 62, § 10, da CF (1) é explícito ao vedar essa prática. Além do caráter inequívoco da norma constitucional, há precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) nesse mesmo sentido (2).

Pela lógica da separação de Poderes, ao se admitir, diante da rejeição do Congresso, a possibilidade de edição de nova MP com a mesma matéria anteriormente rejeitada, haveria uma sucessão infindável de atos normativos. Além disso, a última palavra, no momento de conversão de projeto de lei em lei, é do Congresso Nacional. O presidente da República tem apenas o poder de veto.

O Plenário também destacou a existência do “periculum in mora”, consistente na existência de uma sucessão de MPs e de decisões do Congresso que criaram um limbo no tocante ao mandamento constitucional da demarcação de terras indígenas, inscrito no art. 231 da CF (3).

Quanto a essa norma, a Corte frisou haver matérias em que vigoram as escolhas políticas dos agentes eleitos e outras em que prevalece a CF. Quando a CF é inequívoca, como no caso do seu art. 231, a competência é vinculada. Não se trata, portanto, de escolhas políticas.

(1) CF/1988: “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (…) § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.”
(2) ADI 5.709, ADI 5.716, ADI 5.717 e ADI 5.727.
(3) CF/1988: “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé. § 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.”

ADI 6062 MC-Ref/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 1º.8.2019. (ADI-6062)
ADI 6172 MC-Ref/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 1º.8.2019. (ADI-6172)
ADI 6173 MC-Ref/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 1º.8.2019. (ADI-6173)
ADI 6174 MC-Ref/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 1º.8.2019. (ADI-6174)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Porte de arma de fogo para agentes socioeducativos e agentes penitenciários –

O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a expressão “inativos”, contida no caput do art. 55 da Lei Complementar 472/2009 do Estado de Santa Catarina, e do inciso V do mesmo dispositivo legal, que autoriza o porte de arma de fogo para os agentes de segurança socioeducativos estaduais (1).

Inicialmente, o colegiado converteu o julgamento da medida cautelar em julgamento definitivo de mérito.

Em seguida, o ministro Edson Fachin (relator) julgou procedente o pedido formulado por entender que a norma ofende o art. 22, I e XXI, da Constituição Federal (CF) (2) ao usurpar a competência privativa da União para dispor sobre direito penal e material bélico.

Asseverou que, no exercício dessa competência, a União editou a Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), que afastou a possibilidade de os Estados e Municípios tratarem da matéria com base em suas competências complementares ou suplementares.

Citou a orientação fixada pela Corte no julgamento da ADI 2.729, no sentido de reconhecer a competência privativa da União para legislar sobre registro e porte de arma.

O relator ainda observou que as medidas socioeducativas têm caráter pedagógico voltado à preparação, reabilitação para a vida em comunidade e formação de cidadãos. Portanto, permitir o porte de arma para os agentes, nesses casos, reforçaria a equivocada ideia do caráter punitivo das citadas medidas.

Em divergência, o ministro Alexandre de Moraes julgou o pleito improcedente. Segundo ele, o legislador estadual agiu em observância à competência concorrente para tratar de segurança pública, reconhecida pela Corte, com base no disposto no art. 144 da CF (3).

A lei impugnada prevê a possibilidade de garantir a segurança pessoal e familiar daqueles que atuam nas áreas principais de segurança pública e lidam com a privação de liberdade de indivíduos infratores maiores ou menores de dezoito anos. Em nenhum momento a norma permite o porte de armas pelos agentes dentro dos estabelecimentos prisionais ou socioeducativos.

O ministro Alexandre de Moraes acrescentou que a lei catarinense também está em consonância com o previsto na legislação federal sobre a matéria. Esclareceu que a Lei 13.675/2018 (Lei da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social) foi expressa, no seu art. 9º, caput, § 2º, VIII (4), ao se referir aos órgãos do sistema penitenciário como integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública. Por sua vez, a Lei 10.826/2003, a partir do reconhecimento da relevância dos órgãos estatais que lidam com a privação de liberdade e a escolta armada de indivíduos – típicas funções de segurança pública –, previu, no seu art. 6º, caput, VII (5), o porte de arma de fogo para os agentes públicos em questão, mesmo fora do efetivo exercício da função. No ponto, ressaltou a semelhança das funções exercidas pelos agentes socioeducativos e penitenciários.

Para o ministro Alexandre de Moraes, ao estabelecer a função de guarda prisional e de integrante de escolta – e não o cargo de agente penitenciário –, o Estatuto do Desarmamento estende a possibilidade do porte de arma a todos os que exercem essa função. Além disso, o art. 30 do Decreto presidencial 9.847/2019 (6), que regulamenta a Lei 10.826/2003, expressamente permite o porte de armas pelos inativos.

Após os votos das ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e dos ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que acompanharam o relator, e dos votos dos ministros Roberto Barroso e Luiz Fux, que acompanharam a divergência, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

(1) Lei Complementar 472/2009: “Art. 55. Os Agentes Penitenciários e Agentes de Segurança Socioeducativo, ativos e inativos, gozarão das seguintes prerrogativas, entre outras estabelecidas em lei: (…) V – porte de arma aos Agentes de Segurança Socioeducativo, reservado o uso fora do Sistema de Atendimento ao Adolescente Infrator.”
(2) CF/1988: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (…) XXI – normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;”
(3) CF/1988: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (…)”
(4) Lei 13.675/2018: “Art. 9º É instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como órgão central o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos órgãos de que trata o art. 144 da Constituição Federal, pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais e pelos demais integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de forma cooperativa, sistêmica e harmônica. (…) § 2º São integrantes operacionais do Susp: (…) VIII – órgãos do sistema penitenciário;”
(5) Lei 10.826/2003: “Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: (…) VII – os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;”
(6) Decreto 9.847/2019: “Art. 30. Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos II, V, VI e VII do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou aposentados, para conservarem a autorização de porte de arma de fogo de sua propriedade deverão submeter-se, a cada dez anos, aos testes de avaliação psicológica a que faz menção o inciso III do caput do art. 4º da Lei nº 10.826, de 2003.”

ADI 5359 MC/SC, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 7.8.2019. (ADI-5359)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM SOCIAL

Recolhimento compulsório de crianças e direito de ir e vir –

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade em que se impugnavam os arts. 16, I (1); 105 (2); 122, II e III (3); 136, I (4); 138 (5); e 230 (6) da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O Tribunal afirmou que as normas impugnadas devem ser analisadas à luz do que preveem os arts. 5º, caput e incisos XXXV, LIV, LXI (7), e 227 (8) da CF.

As referidas normas possuem íntima ligação com regras da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), da Convenção sobre os Direitos da Criança, das Regras de Pequim para a Administração da Justiça de Menores e da Convenção Americana de Direitos Humanos.

A Corte sublinhou que o art. 16, I, do ECA consagra a liberdade de locomoção da criança e do adolescente, “ressalvadas as restrições legais”, e está de acordo com a doutrina da proteção integral positivada no art. 227 da CF, que assegura o direito à dignidade, ao respeito e à liberdade das pessoas em desenvolvimento, proibindo toda e qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão. Dessa forma, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade no direito de liberdade – de ir e vir – previsto no art. 16, I, da Lei 8.069/1990.

Ressaltou que o direito em questão constitui cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF, e não pode sequer ser suprimido ou indevidamente restringido mediante proposta de emenda constitucional.

Ademais, a cláusula de abertura do art. 5º, § 2º, da CF leva à conclusão de que a norma do art. 16, I, do ECA está em consonância não só com os dispositivos constitucionais mencionados, mas também com o direito à liberdade e a proibição à discriminação, previstos nos arts. 1º e 2º da DUDH; com a proibição contra interferências ilegítimas e arbitrárias na vida particular das crianças, prevista no art. 16 da Convenção sobre Menores da ONU; com a norma de proteção integral estabelecida no art. 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos; e com as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores.

Ao contrário do que defendido pelos autores da ação, a exclusão da referida norma é que poderia ensejar interpretações que levassem a violações aos direitos humanos e fundamentais acima transcritos, agravando a situação de extrema privação de direitos aos quais são submetidos crianças e adolescentes no país, em especial para aqueles que vivem em condição de rua.

As privações sofridas e a condição de rua desses menores não podem ser corrigidas com novas restrições a direitos e o restabelecimento da doutrina menorista que encarava essas pessoas enquanto meros objetos da intervenção estatal.

É certo que a liberdade das crianças e adolescentes não é absoluta, admitindo restrições legalmente estabelecidas e compatíveis com suas condições de pessoas em desenvolvimento, conforme a parte final do art. 16, I, do ECA. Nesse sentido, a capacidade de exercício de direitos pode ser limitada, em razão da imaturidade.

Reputou que o pedido formulado nesta ação busca eliminar completamente o direito de liberdade dos menores, o núcleo essencial, indo além dos limites imanentes ou “limites dos limites” desse direito fundamental, restabelecendo a já extinta “prisão para averiguações”, que viola a norma do art. 5º, LXI, da CF.

Também não se vislumbrou a alegada inconstitucionalidade à luz do mandado de criminalização constante do art. 227, § 4º, da CF, que impõe ao legislador o dever de punir severamente atos de violência praticados contra crianças e adolescentes.

A declaração de inconstitucionalidade do referido tipo penal representaria verdadeiro cheque em branco para que detenções arbitrárias, restrições indevidas à liberdade dos menores e violências de todo tipo pudessem ser livremente praticadas, o que não pode ser admitido.

Aliás, o crime em questão é sancionado com pena de detenção de seis meses a dois anos, tratando-se, dessa forma, de infração penal de menor potencial ofensivo. Portanto, o tipo penal se aproxima mais da proibição de proteção deficiente que da inconstitucionalidade por excesso de criminalização.

Ademais, a existência da referida norma não impede a apreensão em flagrante de menores pela prática de atos análogos a crimes.

A Corte afastou, de igual modo, a alegada violação à inafastabilidade da jurisdição pelos arts. 105, 136 e 138 do ECA.

Esclareceu que o tratamento adequado para a criança infratora é um desafio para a sociedade. A decisão do legislador de não aplicar medidas mais severas está em harmonia com a percepção de que a criança é um ser em desenvolvimento que precisa, acima de tudo, de proteção e educação, ou seja, trata-se de uma distinção compatível com a condição de maior vulnerabilidade e de pessoa em desenvolvimento, quando comparada a adolescentes e pessoas adultas.

O legislador dispõe de considerável margem de discricionariedade para definir o tratamento adequado à criança em situação de risco criada por seu próprio comportamento. A opção pela exclusividade das medidas protetivas não é desproporcional; ao contrário, alinha-se com as normas constitucionais e internacionais.

A atuação do conselho tutelar nesses casos de atos infracionais praticados por crianças não representa qualquer ofensa à Constituição nem viola a garantia da inafastabilidade da jurisdição. Nesse sentido, cumpre ressaltar que o conselho tutelar é um colegiado de leigos, assim como o tribunal do júri, previsto no inciso XXXVIII do art. 5º da CF.

Trata-se de órgão que permite a participação direta da sociedade na implementação das políticas públicas definidas no art. 227 da CF, voltadas para a promoção e proteção da infância, em consonância com as mais atuais teorias de justiça, democracia e participação popular direta.

A atuação do conselho tutelar não exclui a apreciação de eventuais demandas ou lides pelo Poder Judiciário, inexistindo, portanto, a alegada ofensa ao art. 5º, XXXV, da CF.

Por fim, o colegiado repeliu a apontada inconstitucionalidade do art. 122, II e III, do ECA por violação à proporcionalidade.

Novamente, o espaço de conformação é amplo. Deve ser reconhecida uma margem larga de discricionariedade ao legislador para estabelecer as medidas aplicáveis ao adolescente infrator.

As infrações violentas podem, desde logo, corresponder à internação (inciso I). O objetivo de prevenção é especialmente resguardado nos casos em que a integridade física das vítimas é posta em risco. Fora isso, a lei evita ao máximo conferir ao magistrado o poder de aplicar a internação.

Tem-se aí uma opção perfeitamente proporcional do legislador, em razão do caráter estigmatizante e traumatizante da internação de uma pessoa em desenvolvimento. Isso sem falar da precária situação das entidades de acolhida.

A referida opção legislativa encontra-se de acordo com as normas constitucionais e internacionais que impõem a utilização das medidas de internação como último recurso, privilegiando os princípios da excepcionalidade, brevidade e proporcionalidade das medidas restritivas da liberdade.

(1) ECA: “Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;”
(2) ECA: “Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.”
(3) ECA: “Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: (…) II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.”
(4) ECA: “Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: I – atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;”
(5) ECA: “Art. 138. Aplica-se ao Conselho Tutelar a regra de competência constante do art. 147.”
(6) ECA: “Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente: Pena – detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais.”
(7) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (…) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (…) LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;”
(8) CF/1988: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

ADI 3446/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 7 e 8.8.2019. (ADI-3446)

 

DIREITO PENAL – EXECUÇÃO PENAL

Prisão de ex-presidente da República e transferência de presídio –

O Plenário, por maioria, referendou decisão liminar proferida pelo ministro Edson Fachin (relator), para suspender a eficácia das decisões prolatadas pela 12ª Vara Federal Criminal de Curitiba e pela Vara de Execução Penal de São Paulo que determinaram a transferência de ex-presidente da República, atualmente preso na superintendência da Polícia Federal do Paraná, para presídio em São Paulo, e para assegurar o direito do preso de permanecer em Sala de Estado Maior.

No caso, tramita perante a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) o HC 164.493/PR (cujo paciente é o ex-presidente da República), de relatoria do ministro Edson Fachin. O julgamento do “writ” está suspenso em razão de pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. A defesa, por considerar a decisão do juízo de 1º grau conexa à matéria tratada no HC, formulou pedidos sucessivos visando a: a) restabelecer a liberdade do paciente; b) suspender a eficácia da decisão de transferência de presídio; e c) assegurar ao paciente o direito de permanência em Sala de Estado Maior.

O Colegiado, de início, afirmou que a decisão proferida por juízo de 1º grau seria, em tese, objeto de controle por parte do respectivo tribunal. Entretanto, a competência do STF seria atraída pela tramitação do aludido HC perante a 2ª Turma, cujo objeto revelaria conexão com a decisão ora impugnada.

Além disso, a situação dos autos demonstrou a existência de requisitos de cautelaridade suficientes para que a matéria fosse de imediato apreciada pelo Plenário, sem que fosse necessário aguardar a próxima sessão da 2ª Turma, competente para o julgamento do HC.

No mérito, o Colegiado acolheu, como razão de decidir, a manifestação do Ministério Público, no sentido de que o requerimento da defesa está conectado com o princípio constitucional que assegura a todos o julgamento e o cumprimento de pena perante o juiz natural. Nesse sentido, os arts. 66, VI, e 67 da Lei de Execução Penal (LEP) (1) são claros ao prescrever que compete ao juiz da execução da pena zelar pelo cumprimento correto da reprimenda, bem como fiscalizar a execução da pena com concurso do membro do Ministério Público que atua na respectiva área de jurisdição.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que não referendou a decisão por não considerar o STF competente para apreciar o pedido.

(1) LEP: “Art. 66. Compete ao Juiz da execução: (…) VI – zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança; (…) Art. 67. O Ministério Público fiscalizará a execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução.”

Pet 8312/PR, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 7.8.2019. (Pet-8312)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA

Proibição de cobrança de taxa de religação do serviço de energia elétrica e relação consumerista –

O direito do consumidor, à mercê de abarcar competência concorrente dos Estados-membros, não pode conduzir à frustração da teleologia das normas que estabelecem as competências legislativa e administrativa privativas da União.

Com essa orientação, na linha de diversos precedentes (1), o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido nela formulado para declarar a inconstitucionalidade da Lei 13.578/2016 do Estado da Bahia. O diploma legal impugnado proíbe a cobrança de taxa de religação do serviço de energia elétrica em caso de corte de fornecimento por atraso no pagamento da fatura e obriga as empresas distribuidoras de energia elétrica a restabelecer esse serviço no prazo máximo de 24 horas, sem ônus para o consumidor.

O ministro Luiz Fux (relator) entendeu que a referida lei estadual invade a competência privativa da União para dispor sobre energia, em ofensa ao art. 22, IV, da Constituição Federal (CF) (2), bem como interfere na prestação de serviço público federal, nos termos do art. 21, XII, b, da CF (3), em contrariedade às normas técnicas setoriais editadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Ressaltou que os prazos e valores do fornecimento de energia elétrica estão normatizados em legislação própria e se submetem à homologação da ANEEL. Portanto, não há espaço para atuação do legislador estadual com o pretexto de conferir maior proteção ao consumidor.

Vencidos os ministros Edson Fachin e Marco Aurélio, que julgaram o pleito improcedente por considerar que a matéria trata de consumo, de competência legislativa concorrente, conforme o art. 24, V, da CF (4).

(1) ADI 3.322 MC, ADI 3.361, ADI 4.925, ADI 4.761, ADI 5.253, ADI 4.861, ADI 4.477, ADI 2.615 e ADI 4.478.
(2) CF/1988: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;”
(3) CF/1988: “Art. 21. Compete à União: (…) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;”
(4) CF/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) V – produção e consumo.”

ADI 5610/BA, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 8.8.2019. (ADI-5610)

 

 

DIREITO ADMINISTRATIVO – FUNDAÇÃO PÚBLICA

Art. 19 do ADCT e fundação pública de natureza privada – 3 –

A qualificação de uma fundação instituída pelo Estado como sujeita ao regime público ou privado depende (i) do estatuto de sua criação ou autorização e (ii) das atividades por ela prestadas. As atividades de conteúdo econômico e as passíveis de delegação, quando definidas como objetos de dada fundação, ainda que essa seja instituída ou mantida pelo poder público, podem se submeter ao regime jurídico de direito privado.

A estabilidade especial do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (1) não se estende aos empregados das fundações públicas de direito privado, aplicando-se tão somente aos servidores das pessoas jurídicas de direito público.

Com essas teses de repercussão geral (Tema 545), o Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento, deu provimento a recurso extraordinário para reconhecer a legalidade da demissão sem justa causa do recorrido e afastar a decisão que determinara sua reintegração (Informativo 761).

No caso, o empregado, ora recorrido, ingressou, em 1981, na Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativas (FPA), onde permaneceu trabalhando de forma ininterrupta, mesmo após se aposentar espontaneamente em 1995, até ser despedido sem justa causa em 2005. Em virtude disso, pleiteou sua reintegração, que foi negada pelo juízo de primeira instância e por tribunal regional, ambos sob o fundamento de que a aposentadoria espontânea extinguiria o contrato de trabalho. Na sequência, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) proveu recurso de revista, para afastar a tese da extinção automática do contrato de trabalho e reconhecer a estabilidade do art. 19 do ADCT.

Inicialmente, o colegiado rememorou entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que a aposentadoria espontânea somente dá causa à extinção do contrato de trabalho se ocorrer o encerramento da relação empregatícia. No ponto, o acórdão impugnado está de acordo com a orientação jurisprudencial.

Ato contínuo, sublinhou que os objetivos institucionais da recorrente – exploração de atividades de rádio e televisão com objetivos educacionais e culturais – revelam que ela não exerce atividade estatal típica. Tanto no atual regime constitucional quanto no anterior, a exploração dos serviços de telecomunicação pelo Estado poderia se dar diretamente ou por meio de concessão pública. Não se caracteriza serviço público próprio, até porque, apesar da alta relevância social, não implica exercício de poder de polícia, tendente à limitação das liberdades dos cidadãos. Por conseguinte, era plenamente viável a instituição de fundação de natureza privada para a exploração de parte desse complexo comunicacional, na área de rádio e televisão.

A FPA sujeita-se ao regime de direito privado, cuja conformação se assemelha mais à das empresas públicas e das sociedades de economia mista do que à das autarquias. Não foi por outra razão que a lei autorizou a sua instituição e definiu o regime de pessoal como celetista.

O Tribunal asseverou que o aludido dispositivo possui abrangência limitada aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entre os quais não se compreendem os empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista. Além disso, a estabilidade excepcional não se harmoniza com os direitos e deveres previstos na legislação trabalhista, notadamente o regime de proteção definido pelo FGTS, consagrado no art. 7º, III, da Constituição Federal (CF). Assim, o art. 19 do ADCT só se aplica aos servidores de pessoas jurídicas de direito público. Essa dedução é corroborada pelo fato de não haver uma única menção nos autos de que a recorrente tivesse, após a CF de 1988, realizado a transformação dos empregos em cargos públicos, ocupados automaticamente pelos antigos servidores celetistas. A mutação seria imprescindível para a devida adequação do quadro de pessoal da fundação ao texto constitucional.

Portanto, o termo “fundações públicas”, constante do art. 19, deve ser compreendido como fundações autárquicas, sujeitas ao regime jurídico de direito público. O preceito não incide em relação aos empregados das fundações públicas de direito privado. Como o recorrido não se beneficiou da estabilidade, era possível sua demissão sem justa causa, sem incorrer em afronta ao art. 7º, I, da CF (2).

Vencidos os ministros Rosa Weber, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que negaram provimento ao recurso extraordinário. Para eles, a referida estabilidade se aplica aos empregados da FPA que preencherem as condições do art. 19 do ADCT.

(1) ADCT: “Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público. § 1º O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei. § 2º O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do “caput” deste artigo, exceto se se tratar de servidor. § 3º O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.”
(2) CF: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;”

RE 716378/SP, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 1º e 7.8.2019. (RE-716378)

 

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVAS

Reconhecimento fotográfico e elemento probatório idôneo –

A Primeira Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute nulidade processual decorrente da ausência de intimação da defesa, considerada a apelação e absolvição do paciente, diante da não confirmação em juízo de reconhecimento realizado durante inquérito policial.

No caso, o magistrado de piso absolveu o paciente e o corréu da imputação relativa às infrações previstas nos arts. 157, § 2º, I, II e V (roubo em concurso de agentes, com emprego de arma de fogo e privação da liberdade das vítimas), e 213, caput (estupro), do Código Penal (CP). Considerou frágil o reconhecimento fotográfico, única prova para amparar o decreto condenatório.

No âmbito de inquérito policial, o paciente foi identificado, em fotografia, somente por uma das vítimas do roubo, tendo as demais, inclusive a do estupro, afirmado não dispor de condições para fazê-lo.

De acordo com a sentença, a vítima retificou seu depoimento. Primeiro, classificou o estuprador como negro, com aproximadamente 1,60 metro e cabelo carapinha, mas, depois, o descreveu como moreno claro, com cabelo meio “ruim” ou meio “espetado”. Não obstante, identificou o paciente como o autor do crime, o qual, segundo os autos, possui 1,74 metro de altura, é de cor branca e tem cabelo liso.

O ministro Marco Aurélio (relator) deferiu a ordem para, considerada a ausência de elemento probatório idôneo, absolver o paciente, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal (CPP) (1), no que foi acompanhado pelo ministro Alexandre de Moraes.

O relator, de início, afastou a alegação de nulidade processual decorrente da ausência de intimação. Observou que o juízo, em face do silêncio dos patronos constituídos, procedeu à intimação do paciente, inclusive por edital, para que indicasse novo advogado. A nomeação de defensor público ocorreu após exaurido o prazo para manifestação, de modo que não há que se falar em cerceamento de defesa.

Em seguida, sublinhou que o tribunal de justiça, ao reformar a sentença, potencializou o reconhecimento por retrato realizado na fase pré-processual, bem assim aludiu a depoimentos dos investigadores de polícia, prestados em juízo, os quais não presenciaram os fatos e se limitaram a confirmar o reconhecimento do paciente pela vítima no inquérito.

Segundo o relator, o valor probatório do reconhecimento, o qual, por si só, mostra-se reduzido, há de ser analisado observadas as formalidades do art. 226 do CPP (2). Desse modo, a discrepância entre o relato e as verdadeiras características do acusado torna o reconhecimento desprovido de relevância.

O reconhecimento que deu suporte à condenação, além de ter ocorrido em desconformidade com o rito previsto no citado artigo, porquanto meramente fotográfico, surgiu desvinculado da descrição anteriormente fornecida pela vítima. Vale ressaltar que a mesma vítima, ao se deparar com outras fotografias do paciente, deixou de reconhecê-lo.

A utilização do meio fotográfico como base a implicar a condenação pressupõe a existência de outras provas, obtidas sob o crivo do contraditório, aptas a corroborá-lo, revelando-se insubsistente o pronunciamento lastreado exclusivamente nesse meio de prova. O Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, assentou a inadmissibilidade do reconhecimento fotográfico como único fundamento a respaldar a condenação (HC 70.038, HC 70.936, HC 74.368 e HC 74.751).

Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Roberto Barroso.

(1) CPP: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (…)VII – não existir prova suficiente para a condenação.”
(2) CPP: “Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.”

HC 157007/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 6.8.2019. (HC-157007)

 

DIREITO INTERNACIONAL – EXTRADIÇÃO

Extradição e quadro de instabilidade do Estado requerente –

A Segunda Turma indeferiu pedido de extradição instrutória formulado em desfavor de nacional turco, acusado de integrar organização terrorista armada que, em 15.7.2016, teria intentado golpe contra o Governo da República da Turquia e seu presidente. Nos termos da peça postulatória, além de perpetrar outras condutas, ao seguir ordem de líder religioso, o extraditando, entre 2013 e 2014, depositou valor na conta de instituição bancária vinculada à organização.

Preliminarmente, o colegiado afastou o óbice à extradição previsto no art. 5º, LI, da Constituição Federal (CF), pois incide na espécie a exceção nele estabelecida. Trata-se de brasileiro naturalizado, ao qual se imputam condutas praticadas em período anterior à naturalização.

Em seguida, a Turma assentou a existência de obstáculos à concessão do pleito.

O primeiro é a ausência de dupla tipicidade. No ordenamento jurídico brasileiro, a tipificação do crime de terrorismo somente veio a lume com o advento da Lei 13.260/2016, posteriormente aos fatos tidos como delituosos, ocorridos entre 2013 e 2014. A eles não se aplica, haja vista a irretroatividade da lei penal brasileira. Portanto, a extradição é inviável, uma vez que, ao tempo da prática das condutas imputadas, não havia tipificação em nossa legislação penal comum.

O segundo impedimento à concessão consiste na caracterização política da conduta delituosa atribuída ao extraditando, notadamente sob a perspectiva de seu enquadramento na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983). Isso, porque há expressa vedação constitucional à extradição por crime político (CF, art. 5º, LII). À míngua de legislação específica, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu como delitos políticos aqueles tipificados na Lei 7.170/1983. Nessa linha, a assimilação aos tipos penais da aludida norma traria a questão do tratamento peculiar aos crimes políticos no caso em exame e conduziria à hipótese na qual a extradição é proibida.

O terceiro empecilho ao deferimento está na submissão do extraditando a tribunal ou juízo de exceção, vedada inclusive pela Lei de Migração [Lei 13.445/2017, art. 82, VIII (1)]. Essa expressão deve ser apreendida como garantia a um julgamento justo e ao devido processo legal.

Podem ser considerados fatos notórios a instabilidade política, as demissões de juízes e as prisões de opositores do governo do Estado requerente. Nos autos, há notícia de que o Parlamento europeu condenou o aumento do controle exercido pelo Executivo naquele país e a pressão política no trabalho dos juízes e magistrados. Em tais circunstâncias, há no mínimo uma justificada dúvida quanto às garantias de que o extraditando será efetivamente submetido a um tribunal independente e imparcial, o que se imporia num quadro de normalidade institucional.

Nesse contexto, em juízo de proteção das liberdades individuais, também foi negado o pedido, pois não se pode denotar com certeza a garantia de julgamento isento de acordo com as franquias constitucionais.

Por conseguinte, o colegiado cassou as medidas cautelares anteriormente impostas ao extraditando.

O ministro Celso de Mello registrou que a exceção de delinquência política não é oponível aos atos criminosos de natureza terrorista. A situação exposta nos autos traduz a configuração de delito impregnado de caráter eminentemente político.

(1) Lei 13.445/2017: “Art. 82. Não se concederá a extradição quando: (…) VIII – o extraditando tiver de responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção; ou”

Ext 1578/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 6.8.2019. (Ext-1578)

Informativo nº 946 – 1º a 9 de agosto de 2019.

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