quinta-feira,28 março 2024
TribunaisInformativo nº 941 do STF

Informativo nº 941 do STF

Confira Resumo do Informativo nº 941 do STF.

 

Sumário:

Plenário

  • Homofobia e omissão legislativa – 3

Repercussão Geral

  • Direito à saúde e medicamento sem registro na Anvisa – 3
  • Direito à saúde: demanda judicial e responsabilidade solidária dos entes federados

1ª Turma

  • Súmula Vinculante 13 e nomeação de parente para cargo político
  • Extradição voluntária e atuação do relator

2ª Turma

  • Acordo de delação premiada e impugnação

 

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Homofobia e omissão legislativa – 3 

O Plenário retomou o julgamento conjunto de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) e mandado de injunção ajuizados em face de alegada omissão legislativa do Congresso Nacional em editar lei que criminalize os atos de homofobia e transfobia (Informativos 930 e 931).

O partido político autor da ação direta de inconstitucionalidade por omissão alega inércia legislativa do Congresso Nacional em apreciar proposições legislativas apresentadas com o objetivo de incriminar todas as formas de homofobia e transfobia e, assim, garantir efetiva proteção jurídico-social aos integrantes da comunidade LGBT.

Já o impetrante do mandado de injunção aponta a mora do Congresso no sentido de proceder à criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente das ofensas individuais e coletivas, bem como de homicídios, agressões, ameaças e discriminações motivadas pela orientação sexual ou identidade de gênero.

Nesta assentada, o ministro Celso de Mello (relator da ADO) noticiou o recebimento, pouco antes do início da sessão, de comunicação do Senado Federal. No expediente, aquele órgão fez saber que: (i) a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania daquela Casa (CCJ), em 22.5.2019, aprovou substitutivo do relator ao Projeto de Lei 672/2019, que aprimora a Lei 7.716/1989 para incluir os crimes de discriminação ou preconceito de orientação sexual e/ou identidade de gênero. O substitutivo será submetido a turno suplementar, em apreciação terminativa; e (ii) na mesma reunião ordinária, a CCJ aprovou, em caráter terminativo, o Projeto de Lei 191/2017, que altera a redação do art. 2º da Lei 11.340/2006, para incluir, entre os valores protegidos pela Lei Maria da Penha, também a identidade de gênero, como forma de atender aos indivíduos transgêneros identificados com o sexo feminino. Na parte final, a comunicação, em atenção ao dever das partes de colaborar com o Poder Judiciário, informa os aludidos fatos supervenientes que demonstram estar a matéria objeto de apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) sendo apreciada pelo Senado Federal, no exercício de sua competência constitucional típica de aprimorar a legislação penal existente.

O colegiado passou, então, a examinar questão relativa à prejudicialidade do processamento e definitiva conclusão do julgamento do processo de controle normativo abstrato. Por maioria, decidiu dar regular prosseguimento à ação.

Prevaleceu o voto do ministro Celso de Mello, que compreendeu não se registrar situação configuradora de prejudicialidade. O relator da ADO asseverou que a mera existência de proposições legislativas em trâmite no Congresso Nacional não tem o condão de afastar, por si só, a configuração, na espécie, de inércia por parte do Poder Legislativo.

Não se desconheceu que o STF, no passado, veio a acolher o entendimento de que a mera instauração do processo legislativo, com o envio do correspondente projeto de lei às Casas do Congresso Nacional para deliberação e aprovação, descaracterizaria, por si só, a configuração da mora no adimplemento da imposição constitucional. Essa diretriz, no entanto, ficou integralmente superada pela jurisprudência após o exame em Plenário da ADI 3.682, em maio de 2007. Na ocasião, o STF assinalou que o estado de mora legislativa pode restar configurado tanto na fase inaugural do processo de elaboração das leis (mora agendi) quanto no estágio de deliberação sobre as proposições já veiculadas (mora deliberandi), desde que evidenciada, pela superação excessiva de prazo razoável, inércia abusiva e inconstitucional do Poder Legislativo. Admitiu-se que a inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O entendimento sobre a questão a envolver a mora decorrente da inertia deliberandi foi reafirmado na ADO 25.

No caso da ADO 26, passaram-se trinta anos desde o início da vigência da Constituição Federal de 1988 (CF) e dezoito, pelo menos, a contar da apresentação, perante a Câmara dos Deputados, de projeto de lei com o intuito de dar implementação efetiva às cláusulas constitucionais em exame.

O relator sublinhou que a constatação objetiva de hipótese de mora inconstitucional, apta a instaurar situação de injusta omissão geradora de manifesta lesividade à posição jurídica das pessoas tuteladas pela cláusula constitucional inadimplida [CF, art. 5º, XLI e XLII (1)], justifica, plenamente, a intervenção do Poder Judiciário, notadamente a do STF. Na espécie, subsiste a mora legislativa, caracterizada pelo estado de inertia deliberandi dos órgãos estatais.

Ainda ponderou que, também por essa razão, em sede de ações de mandado de injunção, a Corte tem reconhecido, em sucessivos precedentes, que o retardamento abusivo na regulamentação legislativa do texto constitucional, não obstante a existência de projetos de lei em tramitação, qualifica-se como requisito autorizador da concessão da ordem injuncional.

Noutro passo, o ministro discorreu sobre a complexidade do iter formativo das leis, cujo processo de elaboração pode estender-se por longo período de tramitação em ambas as Casas do Congresso Nacional, uma vez que o procedimento legislativo é regido, em nosso sistema constitucional, pelo modelo que consagra a prática do bicameralismo. O processo de formação das leis é composto de três fases rituais distintas: (i) fase introdutória (apresentação da proposição legislativa); (ii) fase constitutiva, que se desenvolve primeiro na instância parlamentar e depois no Poder Executivo (sanção e/ou veto); e (iii) fase complementar (promulgação e publicação da lei).

Por fim, advertiu que, apesar das deliberações em caráter terminativo, o procedimento de elaboração legislativa das proposições divulgadas na comunicação do Senado sequer se acha concluído na esfera daquela Câmara Alta.

Vencidos os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli (presidente), que reputaram ser conveniente a suspensão do julgamento para aguardar-se os trabalhos a serem desenvolvidos no Congresso Nacional.

Ato contínuo, o Plenário deu andamento ao exame da ADO e do mandado de injunção. Votaram os ministros Rosa Weber e Luiz Fux, que acompanharam o pronunciamento de ambos os relatores.

Em seguida, o julgamento foi suspenso.

(1) CF/1988: “Art. 5º (…) XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”

ADO 26/DF, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23.5.2019. (ADO-26)
MI 4733/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 23.5.2019. (MI-4733)

 

 

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM SOCIAL

Direito à saúde e medicamento sem registro na Anvisa – 3 –

1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.

Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento, ao apreciar o Tema 500 da repercussão geral, deu parcial provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de o Estado ser obrigado a fornecer medicamento não registrado na Anvisa (Informativos 839 e 841).

O Tribunal afirmou que, como regra geral, o Estado não pode ser obrigado a fornecer, por decisão judicial, medicamentos não registrados na Anvisa. O registro é meio para garantir proteção à saúde pública, atestado de eficácia, segurança e qualidade dos fármacos comercializados no País, além de assegurar o devido controle de preços.

No caso de medicamentos experimentais, sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes, não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Estado a fornecê-los. Isso não interfere com a dispensação desses fármacos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável.

No caso de medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, mas ainda sem registro na Anvisa, seu fornecimento por decisão judicial assume caráter absolutamente excepcional e somente poderá ocorrer na hipótese de irrazoável mora da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016). Ainda nessa situação, porém, será preciso que haja prova do preenchimento cumulativo de três requisitos: i) pedido de registro do medicamento no Brasil; ii) registro do medicamento pleiteado em renomadas agências de regulação no exterior; e iii) inexistência de substituto terapêutico registrado na Anvisa. Ademais, haja vista que o pressuposto básico da obrigação estatal é a mora da agência, as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.

No caso de doenças raras e ultrarraras, é possível, excepcionalmente, que o Estado forneça o medicamento independentemente do registro. Isso porque, nesses casos, muitas vezes o laboratório não tem interesse comercial em pedir o registro.

O ministro Edson Fachin reajustou o voto proferido na assentada anterior para dar parcial provimento ao recurso extraordinário.

Vencidos os ministros Marco Aurélio e Dias Toffoli (presidente), que negaram provimento ao recurso. Afirmaram que o registro do medicamento na Anvisa é condição inafastável para se concluir pela obrigação do Estado ao fornecimento.

RE 657718/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 22.5.2019. (RE-657718)

 

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS SOCIAIS

Direito à saúde: demanda judicial e responsabilidade solidária dos entes federados –

Os entes da Federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Ao fixar essa tese de repercussão geral (Tema 793), o Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento, rejeitou embargos de declaração em recurso extraordinário, opostos a decisão tomada por meio eletrônico que reafirmara jurisprudência da Corte no sentido da responsabilidade solidária dos entes federados pela promoção dos atos necessários à concretização do direito à saúde, tais como o fornecimento de medicamentos e o custeio de tratamento médico adequado aos necessitados (Informativo 793).

Preliminarmente, o colegiado conheceu dos embargos declaratórios apresentados contra o pronunciamento no Plenário Virtual (PV).

No mérito, o Tribunal, por maioria, rejeitou os embargos ante a inexistência de defeito ou vício a justificar seu acolhimento. Em seguida, reiterou o entendimento no sentido da responsabilidade solidária das unidades federativas na matéria.

O ministro Edson Fachin ponderou ser a presente tese coerente com aquela aprovada no exame do Tema 500 da repercussão geral (RE 655.718), segundo a qual: “As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União”. A seu ver, na enunciação do Tema 500, consta a obrigatoriedade de a União figurar no polo passivo, e não a sua exclusividade. Na tese do tema em análise, tem-se que o cumprimento será dirigido conforme a repartição de competência. Esse segmento foi extraído do Enunciado 60, aprovado na II Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (1), cujo teor é mais elastecido. Também salientou que a orientação estabelecida para o Tema 500 estaria agasalhada na formulação da repartição de competência.

Noutro ponto, o ministro Edson Fachin observou que o texto, em sua primeira parte, reafirma a solidariedade e, ao mesmo tempo, atribui poder-dever à autoridade judicial para direcionar o cumprimento. A tese não trata da formação do polo passivo. Caso se direcione e depois se alegue que, por alguma circunstância, o atendimento da demanda da cidadania possa ter levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Quanto à fixação da tese, ficou vencido o ministro Marco Aurélio, por ser contrário à sua aprovação, haja vista o pronunciamento do Tribunal pela improcedência dos embargos. Além disso, pontuou que o ministro Luiz Fux (relator), de certa forma, lançou uma tese quando da apreciação do feito no PV, que está na ementa confeccionada pelo relator.

Vencidos, no mérito, o ministro relator, que, nesta assentada, reformulou seu voto, e os ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso e Dias Toffoli (presidente). Segundo eles, a demanda que veicular pedido de medicamento, material, procedimento ou tratamento, constante das políticas públicas, deve ser proposta em face da pessoa política com competência administrativa para o fornecimento, dispensação daquele medicamento, tratamento ou material, ressalvada, em todos os casos, a responsabilidade subsidiária da União.

(1) Enunciado 60 da II Jornada de Direito da Saúde/CNJ: “Saúde Pública – A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.”

RE 855178 ED/SE, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 23.5.2019. (RE-855178)

 

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Súmula Vinculante 13 e nomeação de parente para cargo político 

A Primeira Turma iniciou julgamento de agravo regimental em reclamação em que se alega afronta ao Enunciado 13 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) (1), em virtude de prefeito ter nomeado seu filho para o cargo de secretário executivo do seu gabinete.

O ministro Roberto Barroso (relator) desproveu o recurso. Considerou precedentes, inclusive do Plenário, que ressalvam da proibição constante do referido enunciado a nomeação para cargos políticos, como o de secretário de Estado e o de ministro de Estado.

Em divergência, o ministro Marco Aurélio deu provimento ao recurso. Entendeu que a vedação constante do enunciado em questão não excepciona o denominado cargo político e abrange parentes consanguíneos ou afins até o 3º grau.

Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos.

(1) Enunciado 13 da Súmula Vinculante do STF: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.“

Rcl 29033 AgR/RJ, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 21.5.2019. (Rcl-29033)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – EXTRADIÇÃO

Extradição voluntária e atuação do relator 

A Primeira Turma resolveu questão de ordem no sentido de autorizar seus ministros a julgarem monocraticamente os pleitos extradicionais sempre que o próprio extraditando manifeste expressamente, de modo livre e voluntário, com assistência técnico-jurídica de seu advogado, concordância com o pedido de sua extradição, desde que não tenha cometido crime no território nacional e se preenchidos os demais requisitos. Na sequência, deferiu pedido de extradição formulado pelo Governo da China.

O colegiado registrou que a declaração expressa do extraditando é exigida quando a extradição é voluntária [Lei 13.445/2017, art. 87 (1)]. Embora seja condição inapta a afastar o controle de legalidade do pedido de extradição, a anuência possibilita a apreciação do pleito pelo relator.

(1) Lei 13.445/2017 (Lei da Migração): “Art. 87. O extraditando poderá entregar-se voluntariamente ao Estado requerente, desde que o declare expressamente, esteja assistido por advogado e seja advertido de que tem direito ao processo judicial de extradição e à proteção que tal direito encerra, caso em que o pedido será decidido pelo Supremo Tribunal Federal.”

Ext 1564/DF, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 21.5.2019. (Ext-1564)

 

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS

Acordo de delação premiada e impugnação 

A Segunda Turma iniciou julgamento conjunto de habeas corpus em que se discute a validade de aditivo de acordo de colaboração premiada firmado no âmbito de operação deflagrada com o objetivo de desarticular organização criminosa formada por auditores fiscais.

Na espécie, auditor investigado por supostos atos relacionados a propinas para redução de tributos foi preso em flagrante por crimes sexuais. Nessa ocasião, ele e sua irmã fizeram um acordo de colaboração premiada com o ministério público, o qual abrangeu todos os crimes a ele imputados e culminou com a prisão de diversos auditores fiscais. Esse acordo foi rescindido diante de constatações de que o delator teria mentido, omitido fatos e cometido novos crimes. Durante interrogatório pelo juízo de origem, o delator asseverou que a rescisão do citado acordo teria sido arbitrária. Acusou promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de manipular suas declarações e ocultar todos os vídeos dos depoimentos que havia prestado extrajudicialmente.

Posteriormente, o Parquet firmou com ele novo acordo de delação premiada, sob a condição de que se retratasse das mencionadas acusações e ratificasse as declarações que fizeram parte do acordo rescindido. O segundo acordo foi homologado como termo aditivo pelo juízo a quo.

O ministro Gilmar Mendes (relator) concedeu a ordem, de ofício, em ambos os habeas corpus, para declarar a nulidade do segundo acordo de colaboração premiada. Reconheceu, por derivação, a ilicitude das declarações incriminatórias prestadas pelos delatores. Determinou ao juízo de origem que verifique eventuais outros elementos probatórios contaminados pela ilicitude declarada e atos que devam ser anulados em razão de neles estarem fundamentados, além da viabilidade de manutenção ou trancamento do processo penal ao qual estão submetidos os pacientes do habeas corpus. Determinou, também, nos termos do art. 157, § 3º, do Código de Processo Penal (CPP), a inutilização da prova declarada ilícita, após a preclusão da decisão de desentranhamento, sendo facultado às partes acompanhar o incidente. Entretanto, tendo em vista a necessidade de segurança jurídica e previsibilidade ao sistema penal negocial, considerou que devem ser mantidos os benefícios oferecidos aos delatores pelo ministério público e concedidos pelo juízo de origem. Em razão das graves denúncias com relação a atuações dos membros do ministério público na realização dos acordos de colaboração premiada, determinou, por fim, que se oficie ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e à corregedoria do ministério público estadual, a fim de que instaurem procedimentos investigatórios para o esclarecimento dos fatos, devendo tais órgãos manter o Supremo Tribunal Federal (STF) informado sobre o andamento e os resultados da apuração.

Inicialmente, o relator relembrou que a Segunda Turma, no HC 151.605, já havia assentado, por violação às regras de competência, a ilegalidade da homologação do acordo de colaboração premiada ora questionado e reconhecido a ineficácia das provas por meio dele produzidas em relação ao paciente daquele writ.

Assim, o relator frisou que as práticas realizadas na operação analisada são claramente temerárias e questionáveis, visto que ocasionaram inúmeras impugnações e colocaram em risco a efetividade da persecução penal.

Diante disso, afirmou a possibilidade de impugnação do acordo de colaboração premiada por terceiros delatados e a necessidade de o STF rever o entendimento fixado em sentido contrário no julgamento do HC 127.483. Nesse precedente, partiu-se da premissa de que o acordo de colaboração, como negócio jurídico personalíssimo, não vincula o delatado e não atinge diretamente sua esfera jurídica. Para o relator, é evidente e irrefutável que a esfera de terceiros delatados é afetada pela homologação de acordos ilegais e ilegítimos.

O fato de ser viável aos coimputados se defenderem das declarações dos delatores, posteriormente, em exame cruzado na audiência de instrução e julgamento não esvazia a necessidade de controle de legalidade na homologação do acordo. Trata-se de fases diferentes do procedimento probatório: admissibilidade do meio de obtenção e exercício do contraditório no momento de produção do meio de prova. Portanto, em razão do impacto na esfera de direitos de terceiros e da necessidade de legalidade dos benefícios penais oferecidos pelo Estado, o acordo de colaboração premiada deve ser passível de impugnação e controle judicial.

O ministro Gilmar Mendes ressaltou que o estabelecimento de balizas legais para o acordo é uma opção do nosso sistema jurídico, para garantir a isonomia e evitar a corrupção dos imputados, mediante incentivos desmesurados à colaboração, e dos próprios agentes públicos, aos quais se daria um poder sem limite sobre a vida e a liberdade dos imputados. É preciso respeitar a legalidade, visto que as previsões normativas caracterizam limitação ao poder negocial no processo penal. No caso de ilegalidade manifesta em acordo de colaboração premiada, o Poder Judiciário deve agir para a efetiva proteção de direitos fundamentais.

Registrou que, em diversos precedentes, a Corte assentou que o acordo de colaboração premiada é meio de obtenção de prova. Portanto, trata-se de instituto de natureza semelhante, por exemplo, à interceptação telefônica. Tendo em conta que o STF reconheceu, várias vezes, a ilegalidade de atos relacionados a interceptações telefônicas, não há motivo para afastar essa possibilidade em ilegalidades que permeiam acordos de colaboração premiada.

Observou que, no caso concreto, em face da gravidade das acusações atribuídas aos membros do ministério público estadual, é questionável a possibilidade de esses agentes negociarem e transigirem sobre a pretensão acusatória com relação a fatos supostamente criminosos a eles imputados. Além disso, diante do cenário descrito, em que houve a realização de acordo de colaboração premiada sucessivo à rescisão por descumprimento de avença anterior, há clara fragilização à confiabilidade das declarações prestadas pelos delatores. A força probatória de tais declarações, já mitigada em razão do previsto no art. 4º, § 16, da Lei 12.850/2013 (1), resta completamente esvaziada diante do panorama de ilegalidades narrado.

Apontou, como orientação prospectiva ou até um apelo ao legislador, a obrigatoriedade de registro audiovisual de todos os atos de colaboração premiada, inclusive negociações e depoimentos prévios à homologação. Para o relator, grande parte dos problemas que se verificaram no caso concreto decorrem da ausência de registro e controle dos atos de negociação e das declarações prestadas pelos delatores.

Em seguida, o ministro Edson Fachin pediu vista dos autos.

(1) Lei 12.850/2013: “Art. 4º. O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: (…) § 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.”

HC 142205/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 21.5.2019. (HC-142205)
HC 143427/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 21.5.2019. (HC-143427)

 

Perfil editorial do Megajurídico, criador e editor de conteúdo.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img
spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -