quinta-feira,28 março 2024
TribunaisInformativo do STF nº 942

Informativo do STF nº 942

Resumo do Informativo do STF nº 942.

Sumário:

Plenário

  • CLT, art. 394-A: atividade insalubre e afastamento de gestante e de lactante
  • Venda de empresa estatal e autorização legislativa – 1

Repercussão Geral

  • Limitação de compensação de prejuízos fiscais

1ª Turma

  • CNJ: estatização de serventia judicial e provimento anterior à CF/1988 – 3
  • Competência dos municípios para legislar e tempo máximo de espera em fila
  • Decisões do CADE e atuação do Poder Judiciário

2ª Turma

  • CPI e comparecimento compulsório
  • Acordo de colaboração premiada e ausência de direito líquido e certo

 

 

DIREITO DO TRABALHO – PROTEÇÃO À MATERNIDADE

CLT, art. 394-A: atividade insalubre e afastamento de gestante e de lactante –

O Plenário, por maioria, confirmou medida cautelar deferida pelo ministro Alexandre de Moraes (relator) em decisão monocrática e julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, contida nos incisos II e III do art. 394-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (1), inseridos pelo art. 1º da Lei 13.467/2017.

O colegiado registrou que, na redação anterior, o preceito estabelecia que a empregada gestante ou lactante seria afastada, enquanto durasse a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres e deveria exercer suas atividades em local salubre.

Com a alteração implementada pela Lei 13.467/2017, que promoveu a “Reforma Trabalhista” de 2017, o art. 394-A passou a permitir que a mulher gestante continuasse a realizar suas atividades mesmo em condições insalubres em grau mínimo ou médio. Ainda mais grave, no caso da lactação, que ela permanecesse a desempenhá-las inclusive em grau máximo de insalubridade. Ademais, criou o ônus à gestante ou à lactante da apresentação de atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, que certificasse a necessidade do afastamento. Essa mudança trouxe a exposição dessas trabalhadoras a atividades insalubres.

A Corte assinalou que a Constituição Federal (CF) proclama, no caput do art. 6º, a proteção à maternidade como direito social, ligado à dignidade da pessoa humana. Essa proteção é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, como a licença-gestante, o direito à segurança no emprego, que compreende a tutela da relação de emprego contra dispensa arbitrária sem justa causa da gestante, e, nos termos do art. 7º, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (inciso XX), e a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII).

Sob essa ótica, a proteção da mulher grávida ou lactante contra o trabalho insalubre caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher quanto da criança. Trata-se de normas de salvaguarda dos direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura, sem os perigos de um ambiente insalubre. A imprescindibilidade da máxima eficácia desse direito social também decorre da absoluta prioridade que o art. 227 do texto constitucional (2) estabelece à integral proteção à criança, inclusive ao nascituro e ao recém-nascido lactente.

Há, na hipótese, direito de dupla titularidade. A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, pela impossibilidade decorrente da distância de centros médicos ou pela própria negligência da gestante ou lactante em apresentar atestado médico, sob pena de prejudicá-la e de prejudicar o recém-nascido. Outras razões poderiam levar a mulher a não apresentar o documento, como, por exemplo, o medo de vir a ser demitida posteriormente ou a pressão para não entregar o atestado.

Dessa forma, as expressões impugnadas não estão em consonância com os dispositivos constitucionais. A previsão do afastamento automático da mulher gestante ou lactante do ambiente insalubre está de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à integral proteção à maternidade e à saúde da criança.

Na espécie, a mudança trazida pela lei pretendeu a inversão do ônus da demonstração probatória e documental da circunstância insalubre, a inversão da proteção à maternidade e ao nascituro ou recém-nascido. Partiu-se erroneamente da lógica de que, em regra, a insalubridade mínima e a média, durante a gestação, e mesmo a máxima, durante a lactação, não causam riscos. Isso desfavorece a plena proteção do interesse constitucionalmente protegido, na medida em que sujeita a empregada a maior embaraço para o exercício de seus direitos. O caso guarda relação com julgado recente em que apreciado o Tema 497 da repercussão geral (RE 629.053) sobre a estabilidade de empregada gestante.

Naquele julgamento, o STF consignou que o conjunto dos direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, visando à melhoria das condições de vida dos hipossuficientes e à concretização da igualdade social.

O ministro Edson Fachin frisou que não se trata de reconhecer às mulheres qualquer benesse do ponto de vista constitucional. Por sua vez, o ministro Roberto Barroso acrescentou que a exigência viola o princípio da precaução, que vale também para o ambiente do trabalho, pelo qual, sempre que houver risco ou incerteza, deve ser favorecida a posição mais conservadora e protetiva.

A ministra Rosa Weber expôs o histórico do direito e os principais instrumentos internacionais a respeito. Aduziu que a alteração implica inegável retrocesso social, uma vez que revoga anterior norma proibitória desse trabalho da gestante e lactante, além do menoscabo ao direito fundamental à saúde da mãe trabalhadora, pois transfere ao próprio sujeito tutelado a responsabilidade pela conveniência de atestado indicando a necessidade de afastamento do trabalho. Por seu turno, o ministro Luiz Fux também apontou a inconstitucionalidade por violação à igualdade de gênero, acompanhando o que destacado pelo ministro Alexandre de Moraes (relator) e pela ministra Rosa Weber.

Já o ministro Celso de Mello reforçou os fundamentos trazidos e registrou que a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais, a impedir que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos, degradados ou suprimidos.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que reputou improcedente o pleito formulado na ação. A seu ver, os preceitos encerram tão somente liberdade da mulher prestadora dos serviços, no que prevista a possibilidade de afastamento do ambiente insalubre, e visam atender às exigências do mercado de trabalho para não se criarem óbices à contratação da mão de obra feminina. O ministro afirmou não ser desarrazoada a imposição do atestado médico.

(1) CLT: “Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: (…) II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.”
(2) CF/1988: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
(3) CF/1988: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”

ADI 5938/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 29.5.2019. (ADI-5938)

 

DIREITO ADMINISTRATIVO – EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Venda de empresa estatal e autorização legislativa – 1 –

O Plenário iniciou julgamento de referendo em medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Lei 13.303/2016, a qual dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Alega-se, entre outras violações, ofensa direta ao princípio da separação dos Poderes, materializando invasão ilegítima e inaceitável do Poder Legislativo sobre a prerrogativa do chefe do Poder Executivo de dar início ao processo legislativo em matérias que envolvam a organização e o funcionamento do Poder Executivo e ao regime jurídico de seus servidores.

Após a leitura do relatório e a realização das sustentações orais, o julgamento foi suspenso.

ADI 5624 MC/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 30.5.2019. (ADI-5624)

 

 

DIREITO TRIBUTÁRIO – TRIBUTOS

Limitação de compensação de prejuízos fiscais –

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida (Tema 117), em que se questiona a constitucionalidade dos arts. 42 e 58 da Lei 8.981/1995 e dos arts. 15 e 16 da Lei 9.065/1995. Os dispositivos legais limitam em 30%, para cada ano-base, o direito do contribuinte de compensar os prejuízos fiscais do Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) e a base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Após a leitura do relatório e a realização das sustentações orais, o julgamento foi suspenso.

RE 591340/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 29.5.2019. (RE-591340)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – PODER JUDICIÁRIO

CNJ: estatização de serventia judicial e provimento anterior à CF/1988 – 3 –

Em conclusão de julgamento, a Primeira Turma deferiu ordem em mandado de segurança, para manter o impetrante na titularidade de serventia judicial provida, em caráter privado, antes da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) (Informativos 930 e 934).

O writ foi impetrado contra ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em procedimento de controle administrativo, por meio do qual foi: (a) declarada a estatização de serventias judiciais paranaenses indevidamente providas a partir de 5.10.1988; (b) fixado o prazo de doze meses para a efetivação das providências necessárias ao funcionamento delas; e (c) autorizada a permanência das pessoas, no exercício das atividades, nessas serventias, até o preenchimento dos cargos de acordo com cronograma aprovado ulteriormente pelo CNJ, a fim de evitar a descontinuidade dos serviços.

Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator), que, ao deferir a ordem, afirmou que a situação não se confunde com a dos cartórios de notas e de registros. Relembrou que a Emenda Constitucional (EC) 7/1977 incluiu o art. 206 na Carta então em vigor, a revelar que “ficam oficializadas as serventias do foro judicial e extrajudicial, mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo”. Posteriormente, houve modificação não substancial desse mesmo artigo pela EC 22/1982.

Segundo o relator, na mudança do regime, o constituinte de 1988 constatou a quase ineficácia do disposto na EC 7/1977 e previu a estatização das serventias judiciais pelos estados brasileiros no art. 31 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) (1), com eficácia maior no campo prático, por meio de lei de organização judiciária ou diploma especial. No entanto, o CNJ não atentou para o hiato existente entre o formal e a realidade, tampouco para as repercussões, principalmente no campo jurisdicional. Da decisão atacada, resulta o desmantelamento da base da atuação judicial, que é a cartorária.

O ministro frisou que o ato do mencionado órgão apanhou situações consolidadas há muitos anos e, neste mandado de segurança, provimento pretérito à CF/1988, em que não se verificou a remoção do impetrante.

Dessa maneira, o CNJ substituiu o constituinte de 1988 e colocou em segundo plano o versado na parte final do art. 31 do ADCT, que sinalizou o respeito aos direitos dos atuais titulares decorrentes de situações constituídas em 1988, sem delimitação no tempo nem apego à unidade ano. Além de declarar a inconstitucionalidade do trecho final do dispositivo – obra do poder constituinte originário –, o Conselho substituiu-se ao estado do Paraná na estatização das serventias, suplantando os atos mais de cinco anos após a prática.

(1) ADCT: “Art. 31. Serão estatizadas as serventias do foro judicial, assim definidas em lei, respeitados os direitos dos atuais titulares.”

MS 29998/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28.5.2019. (MS-29998)

 

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

Competência dos municípios para legislar e tempo máximo de espera em fila –

A Primeira Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental em recurso extraordinário e manteve decisão monocrática que aplicou a sistemática da repercussão geral, por considerar que a matéria discutida nos autos foi submetida ao Plenário Virtual no RE 610.221 (Tema 272).

Ao apreciar aquele tema, a Corte reconheceu a existência de repercussão geral e ratificou a jurisprudência firmada pelo Tribunal. Posteriormente, fixou a tese de que compete aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local, notadamente sobre a definição do tempo máximo de espera de clientes em filas de instituições bancárias.

De início, o colegiado esclareceu que a lei municipal objeto da presente ação estabelece, em seu art. 1º, que os supermercados e hipermercados do município ficam obrigados a colocar à disposição dos consumidores pessoal suficiente no setor de caixas, de forma que a espera na fila para o atendimento seja de, no máximo, quinze minutos. Em seguida, consignou que a norma atacada não obriga a contratação de pessoal, e sim sua colocação suficiente no setor de caixas para o atendimento aos consumidores. Entendeu que a ratio legis é beneficiar o usuário, que não pode ficar em fila por tempo maior. Assim, irrelevante ser a fila de banco ou de supermercado. Isso sempre sob a ótica da inconstitucionalidade formal, ou seja, se a municipalidade pode ou não legislar a respeito.

Vencido o ministro Alexandre de Moraes, que deu provimento ao agravo para o regular prosseguimento do recurso extraordinário. A seu ver, não se aplica à espécie o precedente da repercussão geral relativo à fila de banco. Justificou que, no caso dos bancos, a lei vale para todos. Na questão do supermercado, há desvirtuamento da livre concorrência, porque abrange os supermercados e os hipermercados, e não os minimercados locais. Dessa forma, os minimercados seriam favorecidos.

ARE 809489 AgR/SP, rel. Min. Rosa Weber, julgamento em 28.5.2019. (ARE-809489)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Decisões do CADE e atuação do Poder Judiciário –

A Primeira Turma negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que, ao entender ser impossível a análise do mérito de ato administrativo, bem como o incursionamento no conjunto fático-probatório dos autos, negara provimento a recurso extraordinário.

No caso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) restabeleceu decisão sancionadora do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) proferida em processo administrativo.

A Turma afirmou que a capacidade institucional na seara regulatória, a qual atrai controvérsias de natureza acentuadamente complexa que demandam tratamento especializado e qualificado, revela a reduzida expertise do Judiciário para o controle jurisdicional das escolhas políticas e técnicas subjacentes à regulação econômica, bem como de seus efeitos sistêmicos.

O dever de deferência do Judiciário às decisões técnicas adotadas por entidades reguladoras repousa em duas premissas: i) a falta de conhecimento técnico e capacidade institucional de tribunais para decidir sobre intervenções regulatórias, que envolvem questões policêntricas e prognósticos especializados; e (ii) a possibilidade de a revisão judicial ensejar efeitos sistêmicos nocivos à coerência e dinâmica regulatória administrativa.

A expertise técnica e a capacidade institucional do CADE em questões de regulação econômica demandam uma postura deferente do Poder Judiciário ao mérito das decisões proferidas pela autarquia. O controle jurisdicional deve cingir-se ao exame da legalidade ou abusividade dos atos administrativos, consoante a firme jurisprudência desta Suprema Corte.

No caso, o CADE, após ampla análise do conjunto fático e probatório dos autos do processo administrativo, examinou circunstâncias fáticas e econômicas complexas, incluindo a materialidade das condutas, a definição do mercado relevante e o exame das consequências das condutas das agravantes no mercado analisado. No processo, a autarquia, no âmbito de sua competência legal, concluiu que a conduta perpetrada pelas agravantes se enquadraria nas infrações à ordem econômica previstas nos arts. 20, I, II e IV, e 21, II, IV, V e X, da Lei 8.884/1994 (Lei Antitruste).

Além disso, divergir do acórdão recorrido demandaria o reexame de fatos e provas, o que não se revela cognoscível em recurso extraordinário diante do óbice erigido pelo Enunciado 279 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (1) (STF).

(1) Enunciado 279 da Súmula do STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.”

RE 1083955/DF, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 28.5.2019. (RE-1083955)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

CPI e comparecimento compulsório –

A Segunda Turma, diante de empate na votação, concedeu a ordem de habeas corpus para convolar a compulsoriedade de comparecimento em facultatividade e deixar a cargo do paciente a decisão de comparecer, ou não, à Câmara dos Deputados, perante comissão parlamentar de inquérito (CPI), para ser ouvido na condição de investigado.

Além disso, a Turma assegurou ao paciente, caso queira comparecer ao ato: a) o direito ao silêncio, ou seja, a não responder perguntas a ele direcionadas; b) o direito à assistência por advogado durante o ato; c) o direito de não ser submetido ao compromisso de dizer a verdade ou de subscrever termos com esse conteúdo; e d) o direito de não sofrer constrangimentos físicos ou morais decorrentes do exercício dos direitos anteriores.

No caso, o paciente foi convocado para comparecer à Câmara dos Deputados, perante CPI que está investigando as causas do rompimento de barragem da empresa de mineração da qual foi presidente.

O colegiado rememorou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendido que, tal como ocorre em depoimentos prestados perante órgãos do Poder Judiciário, é assegurado o direito de o investigado não se incriminar perante CPI (HC 79.812).

O direito ao silêncio, que assegura a não produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana.

Esse princípio proíbe a utilização ou a transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações.

O direito à não autoincriminação tem fundamento mais amplo do que o expressamente previsto no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal. Em verdade, ele é derivado da união de diversos enunciados constitucionais, entre os quais os dos arts. 1º, III (dignidade humana), e 5º, LIV (devido processo legal), LV (ampla defesa) e LVII (presunção de inocência).

Ademais, o direito ao silêncio foi consagrado em tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, que enunciam o direito do acusado de não depor contra si mesmo (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 14, 3, g, em execução por força do Decreto 592/1992; e Pacto de São José da Costa Rica, art. 8.2, g, em execução por força do Decreto 678/1992).

O ministro Gilmar Mendes (relator) entendeu que, por sua qualidade de investigado, o paciente não pode ser convocado a comparecimento compulsório, menos ainda sob ameaça de responsabilização penal, no que foi acompanhado pelo ministro Celso de Mello.

Para o relator, se o paciente não é obrigado a falar, não faz qualquer sentido que seja obrigado a comparecer ao ato, a menos que a finalidade seja de registrar as perguntas que, de antemão, todos já sabem que não serão respondidas, apenas como instrumento de constrangimento e intimidação. O ministro Celso de Mello acompanhou o relator.

Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia deferiram o habeas corpus em menor extensão, pois tão somente não convolaram a compulsoriedade do comparecimento em faculdade. Desse modo, mantiveram a necessidade de comparecimento do paciente à CPI.

HC 171438/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento 28.5.2019. (HC-171438)

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA

Acordo de colaboração premiada e ausência de direito líquido e certo –

A Segunda Turma negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que indeferiu mandado de segurança impetrado por condenado em duas ações penais contra ato da Procuradoria-Geral da República (PGR).

O colegiado entendeu inexistir direito líquido e certo a compelir o ministério público à celebração do acordo de delação premiada, diante das características do acordo de colaboração premiada e da necessidade de distanciamento do Estado-juiz do cenário investigativo.

Observou que, na linha do que decidido no HC 127.483, o acordo de colaboração premiada, além de meio de obtenção de prova, constitui negócio jurídico processual personalíssimo, cuja conveniência e oportunidade não se submetem ao escrutínio do Estado-juiz. Trata-se, portanto, de ato voluntário por essência, insuscetível de imposição judicial. Ademais, no âmbito da formação do acordo de colaboração premiada, o juiz não pode participar das negociações realizadas entre as partes, por expressa vedação legal (Lei 12.850/2013, art. 4º, § 6º) (1). Isso decorre do sistema acusatório, que desmembra os papéis de investigar e acusar e aqueles de defender e julgar e atribui missão própria a cada sujeito processual.

Aduziu ser possível cogitar que o acusado ostente direito subjetivo à colaboração (atividade, e não negócio jurídico), comportamento processual sujeito ao oportuno exame do Poder Judiciário, por ocasião da sentença. Essa compreensão, no entanto, não se estende, necessariamente, ao âmbito negocial.

Ao fazer a distinção entre a colaboração premiada e o acordo de colaboração premiada, frisou que a primeira é realidade jurídica em si mais ampla que o segundo. Explicou que uma coisa é o direito subjetivo à colaboração e, em contrapartida, a percepção de sanção premial correspondente a ser concedida pelo Poder Judiciário. Situação diversa é a afirmação de que a atividade colaborativa traduz a imposição do Poder Judiciário ao ministério público para fim de celebrar acordo de colaboração ainda que ausente voluntariedade ministerial. Citou, no ponto, o disposto no § 2º do art. 4º da Lei 12.850/2013 (2), que estabelece a possibilidade, em tese, até mesmo de perdão judicial, ainda que referida sanção premial não tenha sido prevista na proposta inicial. Registrou que, no mesmo sentido, diversos diplomas normativos antecedentes à Lei 12.850/2013 já previam essa possibilidade de concessão de sanção premial, sem a exigência da celebração de acordo de colaboração, o qual, embora confira maior segurança jurídica à esfera do colaborador, não se revela indispensável à mitigação da pretensão punitiva. Portanto, independentemente da formalização de ato negocial, persiste a possibilidade, em tese, de adoção de postura colaborativa e, ainda em tese, a concessão judicial de sanção premial condizente com esse comportamento.

Considerou, também, as razões explicitadas pelo ministério público, em sede de discricionariedade regrada, para afastar, no caso concreto, a celebração do acordo de colaboração. A PGR afirmou que os elementos de corroboração apresentados não se revestem da consistência necessária à elucidação do que relatado, nem são conclusivos quanto à certificação das irregularidades apontadas, para afastar, no caso concreto, a celebração do acordo de colaboração. Essa motivada valoração, sob o ponto de vista negocial, não se submete ao crivo do Poder Judiciário, sob pena de se afetar, diretamente, a própria formação da independente convicção ministerial. Por isso, com fundamento no princípio acusatório, cabe exclusivamente ao ministério público avaliar a conveniência e a oportunidade de celebração do ato negocial, resguardando-se os direitos do agente em caso de não formalização do acordo de efetiva colaboração ao exame dessa colaboração pelo Estado-juiz na fase de sentença.

Evidenciou que a ausência de acordo de colaboração, em tese, pode se submeter a eventual escrutínio implementado no seio do próprio ministério público, aplicando-se, por analogia, o art. 28 do Código de Processo Penal (CPP) (3). Essa realidade, no entanto, não se coloca no caso concreto, visto que o ato coator é atribuído à PGR, chefe do Ministério Público da União, o que atrai a incidência da regra que prescreve a inviabilidade de atuação das câmaras de coordenação e revisão nessa hipótese [Lei Complementar 75/1993 (LC), art. 25 c/c o art. 62, IV] (4).

Por fim, o colegiado atentou para o fato de que a autoridade apontada como coatora, ao rejeitar a proposta de formalização do acordo, determinou a devolução, ao impetrante, dos anexos e documentos de corroboração eventualmente fornecidos. Afirmou que esses documentos não consubstanciam elementos de prova, ou seja, não integram arcabouço apto a propiciar a demonstração de possíveis teses acusatórias vertidas pelo titular da ação penal.

O ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, mas, à guisa de obiter dictum, assentou premissas ao modelo de colaboração premiada brasileiro diante de omissões relevantes na legislação pertinente. As premissas foram endossadas pelos ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

Para o ministro Gilmar Mendes, a negativa de realização do acordo por parte do órgão acusador deve ser devidamente motivada e orientada pelos critérios definidos em lei. Essa recusa também pode ser objeto de controle por órgão superior no âmbito do ministério público, por aplicação analógica do art. 28 do CPP. Ademais, informações ou elementos produzidos por investigados em negociações de acordo de colaboração premiada não formalizado não podem ser utilizadas na persecução penal. Por fim, o juiz, na sentença, pode conceder benefício ao investigado mesmo sem prévia homologação de acordo de colaboração premiada.

O ministro Celso de Mello ressaltou a importância de se estabelecer esses parâmetros em ordem a evitar abusos por parte do Estado e frustração da confiança depositada nos seus agentes por potenciais agentes colaboradores.

(1) Lei 12.850/2013: “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: (…) § 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.”
(2) Lei 12.850/2013: “Art. 4º (…) § 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).”
(3) CPP: “Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.”
(4) LC 75/1993: “Art. 25. O Procurador-Geral da República é o chefe do Ministério Público da União, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, permitida a recondução precedida de nova decisão do Senado Federal. (…) Art. 62. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão: (…) IV – manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral;”

MS 35693 AgR/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 28.5.2019. (MS-35693)

 

 

Informativo STF nº 942 – 27 a 31 de maio 2019.

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