quinta-feira,28 março 2024
TribunaisInformativo 947 do STF

Informativo 947 do STF

Resumo do informativo n º 947 do STF – data de divulgação: 12 a 16 de agosto 2019.

SUMÁRIO

Plenário
Repasses complementares do Fundef e princípio da colegialidade
Gratificação de servidor público e subsídio – 3
Radiodifusão e conflito de competência legislativa
Crime sexual contra vulnerável e retroatividade da lei mais benéfica
Repercussão Geral
Danos causados por agente público: ação de indenização e legitimidade passiva
Maus antecedentes e condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos
1ª Turma
Tribunal do júri: absolvição e pronunciamento manifestamente contrário à prova dos autos
Mandado de injunção e aposentadoria de servidor público com deficiência
Reclamação e legitimidade de parte – 2
2ª Turma
Usina termonuclear de Angra 3 e tráfico de influência

PLENÁRIO

DIREITO FINANCEIRO – FUNDEF

Repasses complementares do Fundef e princípio da colegialidade – –

O Plenário retomou julgamento, iniciado em ambiente eletrônico, de agravo regimental interposto de decisão monocrática que entendeu ser procedente pedido formulado em ação cível originária, para reconhecer o direito de Estado-membro a recalcular o valor mínimo nacional por aluno nos anos de 1998 a 2003, para fins de complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).

Nesta assentada, o ministro Edson Fachin (relator) confirmou voto apresentado na sessão virtual e negou provimento ao agravo, por compreender que a União, ora recorrente, não trouxe argumentos aptos a infirmar o ato agravado.

Ao rejeitar o argumento de ofensa ao princípio da colegialidade, o relator sublinhou que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a infraconstitucionalidade da matéria em debate ao apreciar o RE 636.978 RG (Tema 422), sob a sistemática da repercussão geral. Esse entendimento cumulado com a análise do assunto realizada sob o regime de recursos repetitivos (REsp 1.101.015), decorrente da competência jurisdicional de uniformização da legislação federal do Superior Tribunal de Justiça (STJ), são elementos, por si sós, capazes de ensejar a atuação monocrática sujeita à revisão do colegiado mediante agravo interno e embargos de declaração.

Ademais, o STF, ao examinar em conjunto as ACOs 648, 660, 669 e 700, estabeleceu diretriz jurisprudencial convergente com a da decisão impugnada. Na ocasião, foram firmadas as seguintes orientações: i) o valor da complementação da União ao Fundef deve ser calculado com base no valor mínimo nacional por aluno extraído da média nacional; e ii) a complementação ao Fundef realizada a partir do valor mínimo anual por aluno fixada em desacordo com a média nacional impõe à União o dever de suplementação de recursos, mantida a vinculação constitucional a ações de desenvolvimento e manutenção do ensino.

Naquela oportunidade, a Corte ainda delegou aos ministros relatores a faculdade de decidirem monocraticamente as demais ações cíveis originárias que tratem da mesma matéria.

O ministro Edson Fachin também aduziu que a jurisprudência do STF propiciou assinalar a ilegalidade do Decreto 2.264/1997, na medida em que extravasou da delegação legal oriunda do § 1º do art. 6º da Lei 9.424/1996 (1) e das margens de discricionariedade conferidas à Presidência da República, para fixar, em termos nacionais, o valor mínimo por aluno.

Superado o entendimento de que a controvérsia é infraconstitucional, o relator indicou a possibilidade de aplicar-se o federalismo de cooperação do inciso III do art. 3º da Constituição Federal (CF) (2) e que veio vertido no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), nomeadamente no § 4º (3), incluído pela Emenda Constitucional (EC) 14/1996, ao cuidar da fixação de valor mínimo. Dessa forma, nenhum aluno do ensino fundamental valerá mais ou menos dependendo de onde estiver no país.

Noutro passo, explicitou que o Tema 416 da repercussão geral (RE 635.347) versa sobre a forma de pagamento de débito originado de erro no cálculo das verbas a serem repassadas pela União a título de complementação ao Fundef. Esclareceu que, entretanto, o relator daquele feito não determinou a suspensão nacional dos processos correlatos ao assunto, como autoriza o art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil (CPC).

Os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator. A ministra Rosa Weber reafirmou, caso afastada a natureza infraconstitucional, o pronunciamento exposto nas ACOs acerca do tema à luz do vetor constitucional. Dessa maneira, enfatizou que a EC 14/1996 é clara ao fixar a função redistributiva e supletiva da União em matéria educacional de forma a garantir a equalização de oportunidades e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira. O propósito da criação do Fundef, portanto, foi a uniformização da qualidade do ensino fundamental na concretização do objetivo fundamental da Federação de reduzir desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º, III). A universalização do acesso à educação e a qualidade do ensino são condições essenciais à participação política na sociedade e, consequentemente, inerentes ao exercício da cidadania, sobretudo em um país ainda marcado por profundas desigualdades socioeconômicas. Considerar dados estaduais para o cálculo significa relativizar a complementação da recorrente de acordo com a realidade econômica local. Se for assim, aqueles que precisam mais receberão menos, em completa inversão da finalidade constitucional.

Em voto-vista, o ministro Alexandre de Moraes iniciou a divergência e deu provimento ao agravo regimental, para, desde logo, julgar improcedente a pretensão deduzida na ação cível originária. No mesmo sentido votou o ministro Gilmar Mendes.

O ministro Alexandre de Moraes avaliou que o assunto foi examinado à luz da nacionalização dos recursos para a educação e do próprio Fundef, posição distinta da que ele defende, que é sob a perspectiva da federalização do fundo.

A seu ver, na nacionalização, os parâmetros de cálculo levam em conta um ficto Fundef nacional, considerada a somatória dos Fundefs estaduais. E, na federalização, os parâmetros levam em conta os valores estipulados no âmbito de cada um dos fundos estaduais. Isso resultaria em enorme diferença. A somatória de todos os fundos privilegia os Estados-membros que costumeiramente deram isenções no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Uma vez que a maior parte dos recursos do Fundef provem da receita do ICMS, o encolhimento da arrecadação do tributo resulta na diminuição do montante do fundo. Por essa razão, aqueles que investiram menos na educação, com isso, ganham maiores complementações da União. Logo, a nacionalização pretendida pelo ente autor da ação penaliza os Estados que não concederam série de isenções tributárias, aderiram à ideia de um fundo forte e mais investiram na educação. A nacionalização causa o desbalanceamento federativo. É necessário que os cálculos sejam regionais, em virtude da inexistência de um fundo nacional. Além disso, o cálculo federalizado faz o Estado levar em conta suas opções políticas.

O ministro acentuou que, em momento algum, o art. 60, § 3º, do ADCT (4) menciona “Fundo Nacional”, e sim “fundos”. De igual modo, anotou que o art. 60 não deixa dúvidas sobre a necessidade de se observar a estrutura federativa na distribuição dos recursos, pois, em seu § 1º (5), diz que é mediante a criação no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal de um fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de valorização do magistério, de natureza contábil. Também se percebe facilmente que a norma contida no § 7º do art. 60 (6) é de eficácia limitada, condicionada a legislação infraconstitucional. No particular, foi editada a Lei 9.426/1996, com a finalidade de assegurar a universalização do ensino fundamental no país.

Portanto, impende, pelo menos, garantir a igualdade entre os Estados sem penalizar os que não concederam grandes isenções tributárias. A intenção do Congresso Nacional, ao alterar o art. 60 do ADCT, não foi a de que a União substituísse os Estados, mas a de criar fundo estadual para que os aludidos entes fortalecessem, privilegiassem a educação e tivessem concorrentemente um aporte da União.

Em dissenso, o ministro Marco Aurélio, sem adentrar o tema de fundo, deu provimento ao agravo para dar sequência à ação cível originária. Segundo o ministro, quando o STF proclamou que os relatores poderiam atuar, partiu da premissa de que aquele pronunciamento da época seria definitivo. Ocorre que ele não se mostrou definitivo, porque houve a ajuizamento de embargos declaratórios, que visam esclarecer ou integrar a decisão proferida na apreciação conjunta das ACOs.

Em seguida, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do ministro Dias Toffoli (presidente).

(1) Lei 9.424/1996: “Art. 6º A União complementará os recursos do Fundo a que se refere o art. 1º sempre que, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. § 1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e I.”
(2) CF/1988: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (…) III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”
(3) ADCT: “Art. 60. Nos dez primeiros anos da promulgação desta Emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de sessenta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização de seu atendimento e a remuneração condigna do magistério. (…) § 4º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ajustarão progressivamente, em um prazo de cinco anos, suas contribuições ao Fundo, de forma a garantir um valor por aluno correspondente a um padrão mínimo de qualidade de ensino, definido nacionalmente.”
(4) ADCT: “Art. 60. (…) § 3º A União complementará os recursos dos Fundos a que se refere o § 1º, sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.”
(5) ADCT: “Art. 60. (…) § 1º A distribuição de responsabilidades e recursos entre os Estados e seus Municípios a ser concretizada com parte dos recursos definidos neste artigo, na forma do disposto no art. 211 da Constituição Federal, é assegurada mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, de natureza contábil.”
(6) ADCT: “Art. 60. (…) § 7º A lei disporá sobre a organização dos Fundos, a distribuição proporcional de seus recursos, sua fiscalização e controle, bem como sobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional por aluno.”

ACO 701 AgR/AL, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 14.8.2019. (ACO-701)

 

DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO

Gratificação de servidor público e subsídio – 3 – –

O Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da Lei 7.406/2012 do Estado de Alagoas, que cuida da denominada “Gratificação de Dedicação Excepcional” devida aos servidores da Assembleia Legislativa local (Informativo 825).

O Supremo Tribunal Federal afirmou que o cerne da questão é definir o sentido e o alcance do que se deve atribuir ao modelo de retribuição por subsídio, instituído pelo art. 39, § 4º (1), da Constituição Federal (CF).

Assim, a controvérsia se limita a saber se a CF admite que servidores da Assembleia Legislativa alagoana, submetidos a essa disciplina, podem receber, além da parcela única referida no citado dispositivo, um acréscimo a ser pago a título de “Gratificação de Dedicação Excepcional”.

A Corte observou que, após a edição da EC 19/1998, o subsídio passou a reunir, sob um único título genuinamente remuneratório, todos e quaisquer valores pagos aos servidores como contraprestação pelo trabalho executado no desempenho normal de suas funções.

O objetivo é muito claro: criar um padrão confiável de correspondência entre o que é atribuído e o que é efetivamente pago pelo exercício do cargo público. Assim, se elimina prática corriqueira na Administração Pública, em que aumentos salariais são concedidos de maneira artificiosa, na forma de benefícios adicionais, instituídos mediante alíquotas de incidências caprichosas, confusas e sucessivas, cuja aplicação frequentemente conduz a excessos ilegítimos.

O conceito de subsídio a que se refere a EC 19/1998 não se aplica apenas a agentes políticos, como ocorria anteriormente, comportando extensão a todas as categorias de servidores organizadas em carreira, nos termos do art. 39, § 8º (2), da CF.

Uma leitura isolada do art. 39, § 4º, da CF pode sugerir que o pagamento do subsídio há de ser feito de maneira absolutamente monolítica, ou seja, sem o acréscimo de qualquer outra parcela. Todavia, essa compreensão é equivocada. Uma interpretação sistemática revela que a própria Constituição, no art. 39, § 3º (3), assegura a todos os servidores públicos, sem distinção, a fruição de grande parte dos direitos sociais do art. 7º, que envolve pagamento de verbas adicionais, cumuláveis com a do subsídio, tais como adicional de férias, décimo terceiro salário, acréscimo de horas extraordinárias, adicional de trabalho noturno, entre outras.

Portanto, não há, no art. 39, § 4º, da CF, uma vedação absoluta ao pagamento de outras verbas além do subsídio.

Cumpre estabelecer em que medida e em que situações é cabível eventual pagamento de adicional. O novo modelo de subsídio busca evitar que atividades exercidas pelo servidor público como inerentes ao cargo que ocupa — e já cobertas pelo subsídio — sejam remuneradas com o acréscimo de qualquer outra parcela adicional. Nesse sentido, são excluídos os valores que não ostentam caráter remuneratório, como os de natureza indenizatória e os valores pagos como retribuição por eventual execução de encargos especiais não incluídos no plexo das atribuições normais e típicas do cargo considerado.

À luz dessas considerações, não se pode ter como inconstitucionais as disposições normativas da lei alagoana atacada na ação direta (4). Isso porque o pagamento nela previsto retribui atividades que extrapolam as próprias e normais do cargo pago por subsídio.

Essas atividades, a serem retribuídas por parcela própria, detêm conteúdo ocupacional estranho às atribuições ordinárias do cargo. Em suma, o que a norma constitucional impede, no art. 39, § 4º, é a acumulação do subsídio com outras verbas destinadas a retribuir o exercício de atividades próprias e ordinárias do cargo.

Assim, somente se demonstrasse a previsão de duplo pagamento pelas mesmas funções normais do cargo — o que não se deu no caso — é que se poderia considerar inconstitucional a lei estadual atacada.

Vencido, em parte, o ministro Dias Toffoli (presidente), que julgou o pedido parcialmente procedente para conferir interpretação conforme à Constituição, a fim de vedar apenas aos servidores que exerçam função ou ocupem cargo em comissão o recebimento de tais gratificações previstas nos incisos I e III do § 2º do art. 1º da Lei estadual 6.975/2008, porquanto configuraria cumulação indevida de vantagens pelo exercício de uma única atribuição.

(1) CF/1988: “Art. 39 (…) § 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.”
(2) CF/1988: “Art. 39 (…) § 8º A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser fixada nos termos do § 4º.”
(3) CF/1988: “Art. 39 (…) § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.”
(4) Lei 7.406/2012 do Estado de Alagoas: “Art. 1º (…) § 2º Para concessão desta gratificação serão considerados objetivamente: I – se o servidor for submetido a regime de tempo integral e dedicação exclusiva; II – se o servidor for submetido ao exercício de funções institucionais fora da sede do Parlamento, notadamente para assistir ao Parlamentar no acompanhamento e fiscalização estatal nas mais variadas localidades do Estado; III – se o servidor for designado para o exercício de funções de chefia; IV – se o servidor for designado para compor comissão disciplinar ou comissão sindicante; e V – se o servidor for designado para o exercício de função de pregoeiro ou de membro de comissão licitante;”

ADI 4941/AL, rel. orig. Min. Teori Zavascki, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento 14.8.2019. (ADI-4941)

 

 

DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA

Radiodifusão e conflito de competência legislativa – –

O Plenário julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar a inconstitucionalidade da Lei 416/2008 do Município de Augustinópolis/TO, que autoriza o Executivo a conceder exploração de radiodifusão.

O ministro Luiz Fux (relator) concluiu que o diploma legal impugnado invade a competência privativa da União para dispor sobre radiodifusão, em ofensa ao art. 21, XII, a, da Constituição Federal (CF) (1).

(1) CF/1988: “Art. 21. Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;”

ADPF 235/TO, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14.8.2019. (ADPF-235)

 

 

DIREITO PENAL – PRINCÍPIOS E GARANTIAS PENAIS

Crime sexual contra vulnerável e retroatividade da lei mais benéfica – –

O Plenário, por maioria, concedeu habeas corpus de ofício para decotar da pena imposta ao paciente — condenado pela prática dos crimes de estupro em concurso de agentes e atentado violento ao pudor em concurso de agentes; além do crime de corrupção de menores, tudo em concurso material — a incidência da majorante prevista no art. 9º da Lei 8.072/1990 (1).

A defesa argumentou que a incidência da referida majorante consubstancia bis in idem.

Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes. De início, não conheceu da impetração, porque movida contra decisão monocrática de ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Entretanto, anotou que a posterior revogação do art. 224 do Código Penal (CP) (2) deixou sem efeito a aplicabilidade do art. 9º da Lei 8.072/1990, expressamente condicionado à incidência daquele dispositivo.

Afastou a alegada ocorrência de bis in idem, mas reconheceu que a alteração legislativa que revogou o art. 224 do CP implicou situação mais favorável ao paciente e, portanto, deve retroagir em seu benefício.

Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Ricardo Lewandowski, que concederam a ordem de ofício em maior extensão. Consideraram que a Lei 12.015/2009 unificou os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, de modo que caberia ao juiz da execução analisar as condutas do paciente para aplicar-lhe reprimenda compatível com a configuração de crime único ou crime continuado, sem a incidência de concurso material.

Vencido também o ministro Edson Fachin, que não concedeu a ordem de ofício.

(1) Lei 8.072/1990: “Art. 9º As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.”
(2) CP/1940: “Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.”

HC 100181/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 15.8.2019. (HC-100181)

 

 

REPERCUSSÃO GERAL

DIREITO ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Danos causados por agente público: ação de indenização e legitimidade passiva – –

A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (CF) (1), a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Com fundamento nessa tese de repercussão geral (Tema 940), o Plenário deu provimento a recurso extraordinário para assentar a ilegitimidade passiva da recorrente.

Na espécie, tratava-se de recurso extraordinário interposto por agente público em face de acórdão no qual o tribunal de origem consignou caber à vítima do dano escolher contra quem propor ação indenizatória.

O colegiado asseverou que o aludido dispositivo constitucional não encerra legitimação concorrente. Assim, a pessoa jurídica de direito público e a de direito privado prestadora de serviços públicos respondem pelos danos causados a terceiros, considerado ato omissivo ou comissivo de seus agentes.

(1) CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

RE 1027633/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.8.2019. (RE-1027633)

 

 

DIREITO PENAL – DOSIMETRIA

Maus antecedentes e condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos – –

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a possibilidade de condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos serem consideradas como maus antecedentes para efeito de fixação da pena-base (Tema 150 da Repercussão Geral).

Ao aplicar extensivamente o art. 64, I, do Código Penal (CP) (1), o acórdão recorrido excluiu sumariamente a possibilidade de se considerarem os maus antecedentes nas condenações com penas extintas há mais de cinco anos. Assentou, também, não se registrarem os antecedentes, em virtude do princípio constitucional da presunção da inocência [Constituição Federal (CF), art. 5º, LVII (2)].

O ministro Roberto Barroso (relator) deu parcial provimento ao recurso extraordinário para manter a decisão recorrida por outro fundamento, com a fixação da seguinte tese: “Não se aplica, para o reconhecimento dos maus antecedentes, o prazo quinquenal de prescrição da reincidência previsto no art. 64, I, do Código Penal”.

Para o relator, a existência de condenações penais anteriores irrecorríveis, mesmo revelando-se inaplicável a circunstância agravante da reincidência, não inibe o Poder Judiciário de considerá-las, no processo de dosimetria da pena, como elementos caracterizadores de maus antecedentes judiciários e sociais do acusado.

Afirmou que, no sistema normativo brasileiro, reincidência não se confunde com maus antecedentes, e é o próprio legislador quem faz essa distinção. O sistema de dosimetria é regido pelo art. 68 do CP (3), que prevê três fases na determinação da pena.

De acordo com a legislação, os maus antecedentes figuram entre as circunstâncias judiciais do art. 59 (4) do CP. Desse modo, a existência de maus antecedentes é aferida na primeira fase da dosimetria. Já a reincidência é verificada na segunda fase (CP, art. 61) (5), ou seja, após a fixação da pena-base e, portanto, após ter-se levado em consideração a eventual existência de maus antecedentes.

O relator ponderou que o legislador, no art. 64, I, expressamente excluiu a possibilidade de se considerar a reincidência, se já decorridos mais de cinco anos, e que até poderia ter acrescentado o mesmo para maus antecedentes, mas não o fez.

Sublinhou que deve ser respeitada essa opção do legislador de excluir apenas a reincidência após os cinco anos, e não os maus antecedentes.

Asseverou que os maus antecedentes podem, ou não, ser levados em conta pelo juiz no momento da fixação da pena-base, por ser uma competência discricionária. No entanto, a aplicação da reincidência é uma obrigação do juiz, porque há uma norma do CP vinculante que determina consequências expressas no caso de reincidência, como, por exemplo, a impossibilidade de concessão de regime mais benéfico para o reincidente ou a possibilidade de substituição da pena.

Observou não haver, nos autos, nenhuma discussão de presunção da não culpabilidade ou de presunção de inocência, em razão de os maus antecedentes não terem sido utilizados para a formação da culpa. Uma vez caracterizada a culpa e, consequentemente, a necessidade da condenação, aí, sim, os maus antecedentes poderão ser, ou não, levados em conta. Não é possível imaginar uma discussão sobre presunção de inocência após o momento em que essa presunção já foi quebrada por um juízo condenatório.

Ressaltou que impedir a utilização dos maus antecedentes, mesmo depois de cinco anos, impossibilita que o juiz, ao formular o juízo condenatório, aplique os princípios constitucionais da isonomia e o da individualização da pena.

Dessa forma, se, ao julgar um caso em que um dos autores do delito praticou dez estelionatos há seis anos e o outro é réu primário com bons antecedentes, o magistrado não puder levar em conta os maus antecedentes, terá de condenar essas duas pessoas à mesma pena, o que viola tanto o critério da isonomia quanto o critério da individualização da pena.

Todavia, no caso concreto, o relator concluiu que não se consideraram os maus antecedentes, até porque o réu foi condenado por dois crimes, mas apenas a um deles se aplicou a reincidência. Os crimes anteriores realmente já estão distanciados no tempo.

Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia acompanharam o relator.

Em divergência, o ministro Ricardo Lewandowski negou provimento ao recurso extraordinário. Recordou o precedente firmado pela Segunda Turma no sentido de que, se “o paciente não pode ser considerado reincidente, diante do transcurso de lapso temporal superior a 5 (cinco) anos, conforme previsto no art. 64, inciso I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores não caracteriza maus antecedentes” (HC 128.153).

Reportou-se ao HC 126.315, no qual ficou assentado que “o agravamento da pena-base, com fundamento em condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não encontra previsão na legislação, tampouco em nossa Carta Maior, tratando-se de analogia in malam partem, método de integração vedado no ordenamento jurídico”.

Concluiu que a Constituição veda, expressamente, sanções de caráter perpétuo.

Em seguida, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Marco Aurélio.

(1) CP/1940: “Art. 64. Para efeito de reincidência: I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;”
(2) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”
(3) CP/1940: “Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.”
(4) CP/1940: “Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:”
(5) CP/1940: “Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I – a reincidência;”

RE 593818/SC, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 15.8.2019. (RE-593818)

 

 

PRIMEIRA TURMA

DIREITO PROCESSUAL PENAL – TRIBUNAL DO JÚRI

Tribunal do júri: absolvição e pronunciamento manifestamente contrário à prova dos autos – –

A Primeira Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute a possibilidade de se anular julgamento realizado pelo tribunal do júri, em virtude de o conselho de sentença haver absolvido o acusado após responder afirmativamente aos quesitos alusivos ao reconhecimento da materialidade e autoria do crime.

No caso, a apelação ministerial foi provida, sob o fundamento de que, reconhecidas a materialidade e a autoria de crime contra a vida, sem tese defensiva de excludente de ilicitude ou culpabilidade, o acolhimento do quesito genérico de absolvição demonstra contradição dos jurados. Assim, o conselho de sentença não poderia absolver o acusado por clemência.

O ministro Marco Aurélio (relator) concedeu a ordem para restabelecer o pronunciamento absolutório do tribunal do júri. Afirmou que os jurados reconheceram, por maioria, a autoria e a materialidade delitivas. Na sequência, questionados se absolviam o paciente [Código de Processo Penal (CPP), art. 483, § 2º] (1), responderam afirmativamente.

Considerou que o quesito versado no dispositivo tem natureza genérica, sem compromisso com a prova obtida no processo. Decorre da essência do júri, segundo a qual o jurado pode absolver o réu com base na livre convicção e independentemente das teses veiculadas, considerados elementos não jurídicos e extraprocessuais.

Em seguida, pediu vista o ministro Luiz Fux.

(1) CPP/1941: “Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (…) § 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado?”

HC 146672/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13.8.2019. (HC-146672)

DIREITO ADMINISTRATIVO – AGENTES PÚBLICOS

Mandado de injunção e aposentadoria de servidor público com deficiência – –

A Primeira Turma, em julgamento conjunto, acolheu pedidos formulados em mandados de injunção para reconhecer o direito dos impetrantes — servidores públicos com deficiência — de ver analisado o requerimento de aposentadoria, apresentado com base no art. 40, § 4º, I, da Constituição Federal (CF) (1), consideradas as normas da Lei Complementar (LC) 142/2013.

Inicialmente, o Colegiado rejeitou as preliminares alusivas à atual tramitação de projeto de lei que regula a matéria, pois não afasta a impetração; e à suposta ausência de prévio requerimento administrativo. No ponto, a CF exauriu as situações que exigem a observância dessa fase: o dissídio coletivo, próprio da justiça do trabalho; e os processos relativos à justiça desportiva.

No mérito, destacou que a adoção das normas da LC 142/2013 — retroativamente, inclusive — para suprir a omissão do Congresso Nacional na matéria exige um salto hermenêutico menor do que exigiria a aplicação da Lei 8.213/1991, que cuida da previdência dos trabalhadores em geral.

(1) CF/1988: “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (…) § 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: I – portadores de deficiência;”

MI 6818/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13.8.2019. (MI-6818)
MI 6988/RR, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13.8.2019. (MI-6988)

DIREITO CONSTITUCIONAL – RECLAMAÇÃO

Reclamação e legitimidade de parte – 2-

Em conclusão de julgamento, a Primeira Turma, por maioria, negou provimento a agravo regimental em reclamação. O agravo foi interposto de decisão monocrática em que assentada a procedência do pedido formulado, para cassar o pronunciamento da Justiça estadual que, em ação declaratória, contrariou a autoridade do que decidido no MS 29.265 (Informativo 939).

O mencionado mandado de segurança voltava-se contra ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que declarou, em lista, a vacância de serventia extrajudicial ocupada pelo ora agravante mediante remoção por permuta, considerada irregular porque realizada sem concurso público após o advento da Constituição Federal de 1988. O writ foi denegado.

De início, o colegiado assentou a legitimidade da reclamante para a propositura da reclamação. Esclareceu que houve a abertura de concurso público pelo tribunal local depois do trânsito em julgado da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no citado MS. A reclamante venceu o certame realizado e figurou na condição de terceira interessada na ação declaratória na qual proferida a decisão impugnada nesta reclamação, inclusive tendo sido condenada às custas processuais. Desse modo, somente lhe restava ingressar com o presente feito, pois o pronunciamento na ação declaratória desrespeitou o dispositivo da decisão do STF.

Ato contínuo, observou inexistir diferença de pedido, mas, sim, disfarce. Com a ação declaratória, o agravante tenta obter o que não alcançou quando do julgamento do mandado de segurança. Ao apreciar aquela impetração, o STF entendeu ser ilícita a remoção por permuta sem concurso público e afirmou a validade da determinação de vacância exarada pelo CNJ. Na ação declaratória, o pleito principal deduz não ser possível considerar vago o cartório em questão para fins de ser preenchido.

Assim, pretende-se burlar o sentido do que já pacificado nesta Corte. A discussão sobre o mesmo objeto não pode ser levada para as vias ordinárias após o STF ter decidido o mandado de segurança. Portanto, não é possível a manutenção do ato reclamado, que permitiu a permanência do agravante na serventia extrajudicial.

O ministro Luiz Fux assinalou ser a reclamante a “parte interessada” a que se refere o art. 988 do Código de Processo Civil (CPC) (1), na medida em que a sua legitimidade decorre de seu qualificado interesse processual em fazer prevalecer a coisa julgada desrespeitada.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que deu provimento ao agravo. A seu ver, a reclamante não tem legitimação para a reclamação, pois ela não participou da relação subjetiva que desaguou na decisão proferida no mandado de segurança.

(1) CPC/2015: “Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: (…)”

Rcl 31937 AgR/ES, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 13.8.2019. (Rcl-31937)

SEGUNDA TURMA

DIREITO PROCESSUAL PENAL – INQUÉRITO

Usina termonuclear de Angra 3 e tráfico de influência – –

A Segunda Turma iniciou julgamento de inquérito em que se imputa a ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), a seu filho e a outras duas pessoas a suposta prática do crime de tráfico de influência, tipificado no art. 332, caput, do Código Penal (CP) (1).

O inquérito visa apurar crimes praticados, no período de 2012 a 2014, contra a Administração Pública federal, voltados a assegurar, no âmbito do TCU, a manutenção de certame licitatório fraudulento envolvendo a Empresa Eletrobrás Eletronuclear S/A, subsidiária da Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S/A, e os Consórcios Una 3 e Angra 3, para execução de obras de montagem eletromecânica da usina termonuclear de Angra 3. A denúncia revela que a Eletronuclear deu início ao processo de licitação com a publicação do edital de pré-qualificação e, depois, lançou edital para fase de propostas comerciais que resultou na assinatura de contrato. Posteriormente, foram instaurados dois processos perante o TCU: o primeiro, para analisar vícios apontados no edital de pré-qualificação; o segundo, para fiscalizar a execução das obras de construção e o cumprimento de determinações da Corte de Contas proferidas em relação ao edital de concorrência e a contrato.

A peça acusatória aponta que o filho do ministro do TCU, advogado, em unidade de desígnios com o pai, solicitou vantagem indevida ao líder de um dos referidos consórcios habilitados — colaborador em acordo de delação premiada — em troca de influência nos dois processos em trâmite naquela corte. Um dos processos foi retirado de pauta quatro vezes pelo relator e, posteriormente, quando pautado, teve o julgamento interrompido mais uma vez, com o pedido de vista do ministro denunciado, a despeito do seu impedimento para atuar no feito. O filho do ministro teria recebido o dinheiro por intermédio do terceiro denunciado, seu primo. O ministro, por sua vez, teria obtido parcela dos valores solicitados, transferidos diretamente pelo filho por meio de empresa por ele administrada. O quarto acusado teria tido intensa participação para concretizar o tráfico de influência analisado, sobretudo quanto às tratativas estabelecidas com o citado colaborador.

O ministro Edson Fachin (relator) acolheu pedido cautelar de suspensão do exercício da função pública pelo ministro do TCU, até o desfecho da ação penal, e recebeu a denúncia por reputar demonstrada a existência de elementos suficientes de materialidade e autoria delitivas.

Inicialmente, afastou o pedido de improcedência da denúncia com decretação de absolvição sumária, por manifesta atipicidade da conduta, nos termos do art. 6º da Lei 8.038/1990 c/c o art. 397, III, do Código de Processo Penal (CPP).

Asseverou que, no plano do rito procedimental instituído pela Lei 8.038/1990 para orientar a instrução dos feitos em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça, não há previsão normativa sobre a possibilidade de análise da absolvição sumária, equivalente àquela constante no art. 397, III, do CPP. Portanto, inadequada a apreciação da alegada atipicidade da conduta na perspectiva da absolvição sumária, à exceção dos casos em que, oriundos os autos de esfera jurisdicional diversa, for necessário o ajuste dos ritos procedimentais. O exame a ser submetido ao colegiado quanto à eventual atipicidade da conduta ficará adstrito à análise dessa alegação quando se adentrar o tema da justa causa à persecução criminal.

O ministro Edson Fachin também rejeitou as duas preliminares de inépcia da denúncia aventadas por três dos denunciados. Uma, levantada pelo ministro e seu filho, sustenta que a inépcia decorreria da mera descrição genérica das condutas, fundada exclusivamente na relação de descendência havida entre os dois e em depoimento colhido em sede de acordo de colaboração premiada. A outra, aduzida pelo terceiro denunciado, afirma que a denúncia careceria de descrição das circunstâncias das condutas a si imputada e dos elementos indiciários capazes de demonstrar a sua participação nos fatos, cuja tipicidade esbarraria na inexistência de atos de jactância perpetrados. Na visão do relator, a denúncia indica os fatos supostamente delituosos e suas circunstâncias e narra, de forma compreensível e individualizada, a conduta, em tese, criminosa, perpetrada pelos envolvidos, nos termos do que determina o art. 41 do CPP.

O relator concluiu pela evidência da higidez das provas produzidas a fim de convolar em ação penal o procedimento criminal em análise. Isso porque, a partir das evidências dos autos, foi possível aferir a participação dos acusados, o liame havido entre suas condutas e a importância da atuação e o grau de envolvimento de cada qual na cadeia causal que redundou no resultado adequadamente típico.

Afirmou que a denúncia não está amparada apenas em depoimentos prestados em colaboração premiada. Há acervo indiciário que reforça as declarações prestadas. Mencionou, no ponto, terem sido demonstradas diversas visitas realizadas pelos últimos três denunciados à sede da empresa em que trabalhava o já referido colaborador, bem como um expressivo número de ligações telefônicas entre os codenunciados, no período em que os crimes teriam sido cometidos. Citou a existência de planilha de pagamento com as datas das parcelas que teriam sido recebidas pelo terceiro denunciado e posteriormente repassadas ao filho do ministro. Aludiu a depoimento que revela a entrega de vultosa quantia de dinheiro diretamente no escritório do segundo denunciado. Referiu-se a dados obtidos na quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico dos envolvidos, documentos apreendidos em diligências de busca na residência e no escritório dos acusados, além de informações ministeriais e policiais.

Relativamente ao deferimento do pedido de cautelar, com fundamento nos arts. 282, I e II, e 319, VI, ambos do CPP, como também no art. 29 da Lei Complementar 35/1979, o ministro Edson Fachin considerou a plausibilidade do direito diante do reconhecimento de indícios mínimos da materialidade e da autoria quanto à prática delitiva ligada ao exercício funcional do ministro do TCU. Reconheceu a necessidade de se resguardar a ordem pública em face do perigo de reiteração delitiva, evidenciada, em concreto, pela constante articulação, em conluio com o seu filho, no âmbito de dois feitos processados no TCU, em prol da obtenção de vantagens espúrias que lhes seria favorável.

Em seguida, o julgamento foi suspenso.

(1) CP/1940: “Art. 332 – Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função:”

Inq 4075/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 13.8.2019. (Inq-4075)

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