quinta-feira,28 março 2024
ArtigosHumanização no sistema penitenciário brasileiro

Humanização no sistema penitenciário brasileiro

Por: João Paulo Lima do Nascimento e Benigno Núñez Novo

 

O presente artigo pretende demonstrar a importância da humanização no sistema penitenciário brasileiro. Os presídios são lugares inóspitos, inadequados e corruptivos, por isso há uma grande necessidade de acompanhamento durante e após o cumprimento da pena, tanto é que devem ser criados centros de atendimento para este público. Estes espaços de atendimento, para melhor acompanhamento dos usuários, devem ser compostos de equipes multidisciplinares, com profissionais de diversas áreas, para resolver todas as demandas possíveis que possam aparecer. A precariedade do sistema prisional brasileiro é mais do que notória, o sistema necessita urgentemente ser reformulado, o modelo deve ser repensado. A educação tem por objetivo formar a pessoa humana do recluso, segundo sua própria vocação, para reinseri-lo na comunidade humana, no sentido de sua contribuição na realização do bem comum. Nenhum plano de ressocialização será efetivo sem que o preso exerça atividades profissionais que ocupem o seu tempo enquanto recluso e o permita exercer uma atividade profissional quando em liberdade. Deve-se investir na metodologia APAC, que tem apresentado melhores resultados com custos mais baixos.

 

O que é a ressocialização senão a humanização do indivíduo enquanto recluso pelo sistema prisional, buscando um foco humanista do delinquente na reflexão científica enquanto protege a sociedade deste.

De acordo com Kolker (2004), a instituição denominada prisão surge junto ao capitalismo. Essa instituição nasce para que se tenha o controle das pessoas que de alguma forma eram consideradas perigosas. No século XIV as prisões eram lugares onde os criminosos aguardavam o seu julgamento, e para que pudessem aplicar penas como a de trabalho forçado.

“O banimento e a deportação estiveram associados ao processo de exploração colonial e a prisão com ou sem trabalho forçado esteve intimamente ligada à emergência a ao desenvolvimento do modo de produção capitalista” (KOLKER, 2004, p.159).

A criação de uma nova legislação para definir o poder de punir como uma função geral da sociedade, exercida da forma igual sobre todos os seus membros. Foucault (1987) diz que a prisão se fundamenta na “privação de liberdade”, salientando que esta liberdade é um bem pertencente a todos da mesma maneira, perdê-la tem, dessa maneira, o mesmo preço para todos, “melhor que a multa, ela é o castigo”, permitindo a quantificação da pena segundo a variável do tempo: “Retirando tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a ideia de que a infração lesou, mais além da vítima a sociedade inteira” (Foucault, 1987, p. 196).

Os presídios são lugares inóspitos, inadequados e corruptivos, por isso há uma grande necessidade de acompanhamento durante e após o cumprimento da pena, tanto é que devem ser criados centros de atendimento para este público. Estes espaços de atendimento, para melhor acompanhamento dos usuários, devem ser compostos de equipes multidisciplinares, com profissionais de diversas áreas, para resolver todas as demandas possíveis que possam aparecer.

O total de pessoas encarceradas no Brasil chegou a 726.712 em junho de 2016. Em dezembro de 2014, era de 622.202. Houve um crescimento de mais de 104 mil pessoas. Cerca de 40% são presos provisórios, ou seja, ainda não possuem condenação judicial. Mais da metade dessa população é de jovens de 18 a 29 anos e 64% são negros.

Os dados são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça.

O sistema prisional brasileiro tem 368.049 vagas, segundo dados de junho de 2016, número estabilizado nos últimos anos.

De acordo com o relatório, 89% da população prisional estão em unidades superlotadas. São 78% dos estabelecimentos penais com mais presos que o número de vagas. Comparando-se os dados de dezembro de 2014 com os de junho de 2016, o déficit de vagas passou de 250.318 para 358.663.

A taxa de ocupação nacional é de 197,4%. Já a maior taxa de ocupação é registrada no Amazonas: 484%.

A meta do governo federal era diminuir a população carcerária em 15%. Com a oferta de alternativas penais e monitoramento eletrônico.

O Brasil é o terceiro país com maior número de pessoas presas, atrás de Estados Unidos e China. O quarto país é a Rússia. A taxa de presos para cada 100 mil habitantes subiu para 352,6 indivíduos em junho de 2016. Em 2014, era de 306,22 pessoas presas para cada 100 mil habitantes.

O sistema penitenciário, tal como ele existe na sociedade capitalista, principalmente aqui no Brasil, é extremamente cruel, não só porque confina fisicamente o homem, sem que esse homem possa compreender o problema da liberdade, se não em relação à sua locomoção física, mas ele anula a subjetividade do sujeito, no sentido de não lhe oferecer nenhuma possibilidade de racionalização da situação em que se encontra.

De acordo com Foucault (1987) a prisão também se fundamenta pelo papel de “aparelho para transformar os indivíduos”, servindo na antiguidade como uma:

[…] detenção legal […] encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificação dos indivíduos que a privação de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal. Em suma o encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos”.

A história do sistema penitenciário no Brasil revela que, desde o início, a prisão foi local de exclusão social e questão relegada a segundo plano pelas políticas públicas, importando, consequentemente, a falta de construção ou a edificação inadequada dos edifícios penitenciários, na maioria das vezes improvisados.

Rogério Greco (2013, p.102) diz que em muitas situações, a dignidade da pessoa humana é violada pelo próprio Estado. “Aquele que deveria ser o maior responsável pela sua observância, acaba se transformando em seu maior infrator”.

As dificuldades dentro do sistema carcerário brasileiro são frutos do abandono, falta de investimento e principalmente do descaso do poder público. O resultado desta negligência transforma um instrumento que deveria ser de reabilitação em uma escola de aperfeiçoamento do crime que tem como característica a falta de estrutura somada aos mais diversos vícios e torna impossível a ressocialização de qualquer ser humano.

Essa crise no sistema é reflexo da incapacidade do Estado de gerir políticas que possibilitem uma vivência digna dos condenados e os prepare para voltar à sociedade de uma forma melhor, sem a intenção de cometer novos crimes, contrariando assim, Hulsman (1986, p. 56) que julga as prisões como instituições falidas e que são meios inviáveis para uma política de ressocialização. A falta de cuidado com os presos gera as revoltas e fugas de presídios que vivenciamos em nossos meios de comunicação já como uma rotina.

A imposição de penas mais graves não é o suficiente para comprovar a redução da criminalidade, que poderia ser melhor caso o Estado investisse mais em programas de segurança, melhorando as condições das penitenciárias, tornando-as mais humanitárias e não esquecendo, jamais, da educação que é o fundamento maior para uma sociedade sem violência, assim como afirma Bobbio (2004, p. 212):

Uma das poucas lições certas e constantes que podemos retirar da história é que a violência chama a violência, não só de fato, mas também – o que é ainda mais grave – com todo o seu séquito de justificações éticas, jurídicas, sociológicas, que a precedam ou a acompanham.

Em suma, o que se observa é a ausência ou descaso das autoridades em relação aos detentos, sejam eles homens ou mulheres, em instituições do Estado, levando ao descrédito, principalmente, do Poder Judiciário que é o responsável por assegurar não só a aplicação da lei, como também o seu acompanhamento e que não se importa com a falta de humanização no tratamento das pessoas que tiveram retirado o direito à liberdade:

Como visto, não mais se pode tolerar a convivência complacente com um direito fundamental constitucional de faz-de-conta, ou o Poder Judiciário aplica a Constituição, à custa da legislação infraconstitucional que com esta confronte, ou se paga de vez o preço, quiçá irrecuperável, da perda definitiva da legitimidade política que ainda se espera da jurisdição. (SAMPAIO JÚNIOR, 2009, p. 305).

A superpopulação dos presídios é de conhecimento do poder público e já existem políticas públicas para minimizar este problema, porém, não saem do papel. Entre todas as dificuldades encontradas dentro do ambiente prisional existe a inevitável violência que decorre do não cumprimento da Constituição Federal Brasileira e a própria Lei de Execução Penal (LEP), no seu artigo 88, estabelece que a pena se dê em cela individual, com área mínima de seis metros quadrados.

Para tentar reduzir os inúmeros problemas encontrados durante e após a condenação, surgiram as penas alternativas de liberdade que possibilitam não apenas uma diminuição no número de condenados, como também serve para que não se perca o convívio social durante o tempo de aplicação da pena, existindo assim, olhar diferenciado aos crimes de menor potencial ofensivo e impedindo que essas pessoas entrem em contato com o perverso ambiente carcerário, onde, sem a adequada individualização da pena, passarão à convivência com os mais variados autores de crimes.

O que a sociedade não percebe é que tratando mal os condenados, fechando os olhos para o que acontece dentro das penitenciárias brasileiras, estamos desrespeitando os cidadãos que estarão nas ruas dentro de alguns anos. O que precisa ser refletido é uma forma de tratar a questão da marginalidade, punindo quando necessário e trabalhando para que os considerados culpados possam sair do cárcere de uma forma melhor e mais digna. Afinal, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil explicitada por meio de nossa Constituição Federal de 1998. Outra solução, como diz Medina (2013), seria a adoção do Direito Penal Mínimo em nossa legislação, onde só seriam reclusos os que cometessem crimes mais graves e deveria haver um maior incentivo à aplicação das penas alternativas.

O direito à educação escolar como “condição ineliminável de uma real liberdade de formação (desenvolvimento da personalidade) e instrumento indispensável da própria emancipação (progresso social e participação democrática)” é um direito humano essencial para a realização da liberdade e para que esta seja utilizada em prol do bem comum. Desta forma, ao abordarmos a educação nas prisões é importante ter claro que os reclusos, embora privados de liberdade, mantêm a titularidade dos demais direitos fundamentais. O acesso ao direito à educação do recluso deve ser assegurado universalmente, a todos e todas, dentro da perspectiva acima delineada e em respeito às normas que o asseguram.

A educação é um direito social assegurado pela Constituição Federal e consagrado na legislação internacional. No entanto, quando se trata da população encarcerada, tal direito parece não ter o mesmo grau de reconhecimento. Se é fato que as camadas pobres da população são privadas de vários direitos, entre eles, o direito a uma educação de qualidade, essa realidade torna-se ainda mais contundente e pior – mais invisível ou naturalizada – em se tratando de pessoas condenadas pelo sistema de justiça penal. No Brasil, em muitas instituições penais, a oferta de serviços educacionais é inexistente, insuficiente ou extremamente precária, o que se soma a regimes disciplinares e legais que não incentivam ou mesmo inviabilizam o engajamento de pessoas presas em processos educacionais.

A educação pode ser considerada, entretanto, um caminho promissor para a reintegração social da pessoa condenada à pena de prisão. Mas, além disso, e antes de tudo, é um direito humano universal que deve ser assegurado a todas as pessoas, independentemente de sua situação; é um direito que, ademais, potencializa o exercício de outros direitos como o trabalho, a saúde e a participação cidadã. A extensão dos serviços de educação a grupos historicamente marginalizados – como as pessoas privadas de liberdade – é, portanto, parte essencial na luta pela afirmação dos Direitos Humanos em sua universalidade.

A grande maioria dos indivíduos presos não tiveram melhores oportunidades ao longo de suas vidas, principalmente a chance de estudar para garantir um futuro melhor. Nesse sentido, o tempo que despenderá atrás das grades pode e deve ser utilizado para lhe garantir estas oportunidades que nunca teve, por meio de estudo e, paralelamente, de trabalho profissionalizante. Além de ajeitar as celas, lavar corredores, limpar banheiros etc., os detentos precisam ter a chance de demonstrarem valores que, muitas vezes, encontram-se obscurecidos pelo estigma do crime. Existem casos de detentos que demonstram dotes artísticos, muitos deles se revelando excelentes pintores de quadros e painéis de parede, além de habilidades com esculturas, montagens, modelagens, marcenaria etc. Também, decoram as celas de acordo com sua criatividade e sua personalidade. Estas artes devem ser incentivadas, pois é uma forma de ocupar o preso, distraindo-o e aumentando sua autoestima. É a chance de mostrar a ele de que existe a esperança de um amanhã melhor além das grades que o separam do mundo exterior.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 no artigo 205 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 no artigo 2º garantem a educação como um direito de todo cidadão e um dever do Estado. No entanto, os efeitos excludentes das políticas econômicas, causam déficits educacionais e culturais, como podem ser contemplados no censo 2007 onde estão registrados percentuais elevados de jovens e adultos analfabetos liberais e funcionais, bem como, a não conclusão do Ensino Fundamental, o Ensino Médio e muito menos a Educação Superior.

Delors (2000, p.133) também faz menção à responsabilidade e ação vigorosa do Estado em relação ao processo de educação destacando que: “Os adultos tenham acesso às possibilidades de aprender para melhorar a sua atividade profissional como a qualidade de suas vidas.”

É de relevo neste ínterim, aduzir os comentários de Mirabete (2002, p. 73) quanto à assistência educacional: “A assistência educacional deve ser uma das prestações básicas mais importantes não só para o homem livre, mas também àquele que está preso, constituindo-se, neste caso, em um elemento do tratamento penitenciário como meio para a reinserção social.”

Continua ainda Mirabete (2002) mencionando o artigo 205 da Constituição Federal que elege “educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Informa ainda que no art. 208 da CF está previsto e garantido o direito à educação em qualquer que seja a idade ou condição jurídica, conceituando-a como um direito público subjetivo.

Isto quer dizer que não só a instrução, que é um dos elementos da educação, mas também está é um direito de todos, sem qualquer limitação de idade. Assim, pois, qualquer pessoa, não importa a idade e tampouco sua condição ou status jurídico, tem o direito de receber educação de que, evidentemente, seja dela carente qualitativa ou quantitativamente. Uma vez que a cada direito corresponde um dever, é a própria Constituição que esclarece ser este do Estado, que deverá prover a educação aos presos e internados se não o tiver feito convenientemente no lar e na escola (Mirabete, 2002, p. 73).

O sistema penitenciário necessita de uma educação que se preocupe prioritariamente em desenvolver a capacidade crítica e criadora do educando, capaz de alertá-lo para as possibilidades de escolhas e a importância dessas escolhas para a sua vida e consequentemente a do seu grupo social. Isso só é possível através de uma ação conscientizadora capaz de instrumentalizar o educando para que ele firme um compromisso de mudança com sua história no mundo. Sobre isso, Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) diz que “Educar é libertar […] dentro da prisão, a palavra e o diálogo continuam sendo a principal chave. A única força que move um preso é a liberdade; ela é a grande força de pensar.”

Embora poucos, existem alguns exemplos inspiradores de encarceramento com vistas a construir uma relação humanizada com os detentos. Um deles é a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), onde os detentos não usam algemas e não passam por situações de violência enquanto cumprem as suas penas.

No Brasil, 82% dos presidiários são reincidentes, o que demonstra que há algo de muito errado no nosso sistema penitenciário.

A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que se dedica à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade, bem como socorrer a vítima e proteger a sociedade. Opera, assim, como uma entidade auxiliar do Poder Judiciário e Executivo, respectivamente na execução penal e na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade. Sua filosofia é ‘Matar o criminoso e Salvar o homem’, a partir de uma disciplina rígida, caracterizada por respeito, ordem, trabalho e o envolvimento da família do sentenciado.

Para a APAC, toda pessoa é recuperável, por isso lá o preso é tratado como um ser humano que merece respeito e acolhimento.

O objetivo da APAC é gerar a humanização das prisões, sem deixar de lado a finalidade punitiva da pena. Sua finalidade é evitar a reincidência no crime e proporcionar condições para que o condenado se recupere e consiga a reintegração social.

A primeira APAC nasceu em São José dos Campos (SP) em 1972 e foi idealizada pelo advogado e jornalista Mário Ottoboni e um grupo de amigos cristãos.       A APAC instalada na cidade de Itaúna/MG é uma referência nacional e internacional, demonstrando a possibilidade de humanizar o cumprimento da pena.

Conforme a metodologia APAC, existem doze elementos que precisam ser efetivados para que seja cumprida a proposta, quais sejam:

  1. A participação da comunidade;
  2. O recuperando ajudando o recuperando;
  3. O trabalho;
  4. A religião e a importância de realizar a experiência de Deus;
  5. Assistência jurídica;
  6. Assistência à saúde;
  7. Valorização humana;
  8. A família;
  9. O voluntário e o curso de formação;
  10. Centro de Reintegração Social;
  11. Mérito;
  12. Jornada de libertação.

Na APAC, os presos não usam uniformes e não são identificados por números. Eles têm a oportunidade de estudar e aprender um ofício, já que são oferecidos cursos, palestras, oficinas. Além disso, eles mesmos cuidam da limpeza e da alimentação e cumprem horários. Os detentos recebem assistência jurídica, espiritual, psicológica e médica por uma rede de voluntários da comunidade de Itaúna (MG).

O método socializador da APAC espalhou-se por todo o território nacional (aproximadamente mais de 100 unidades em todo o Brasil) e no exterior. Já foram implantadas APACs na Alemanha, Argentina, Bolívia, Bulgária, Chile, Cingapura, Costa Rica, El Salvador, Equador, Eslováquia, Estados Unidos, Inglaterra e País de Gales, Latvia, México, Moldovia, Nova Zelândia e Noruega. O modelo Apaqueano foi reconhecido pelo Prison Fellowship International (PFI), organização não-governamental que atua como órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU) em assuntos penitenciários, como uma alternativa para humanizar a execução penal e o tratamento penitenciário.

O método de ressocialização humanizada foi finalista no Prêmio Innovare, da Justiça Brasileira. Nele, a reincidência é de apenas 10%, número muito menor se comparado com as cadeias tradicionais. Isso acontece porque aos detentos é oferecida uma chance para recomeçar através de um tratamento digno. Além disso, o custo do detento é muito menor na APAC, um salário mínimo e meio, enquanto nas cadeias tradicionais cada detento custa ao Estado quatro salários mínimos.

Quando uma pessoa é presa, ela passa a ser responsabilidade do Estado, logo ele deve prover cuidados básicos e assistenciais para que essa pessoa tenha meios de recomeçar a sua vida depois de cumprir a sua pena. Além disso, se o percentual de reincidência é altíssimo, a sociedade, além do preso, paga duas vezes pelo problema: primeiro, porque é ela quem custeia o detento enquanto está encarcerado e, segundo, porque novamente ela será vítima de um delito.

Os governantes precisam compreender que o universo penitenciário deve ser visto como componente relevante do moderno desenvolvimento socioeconômico. Faz parte de uma sociedade justa, equitativa, educada e economicamente expressiva saber dar conta desta problemática de acordo com a competência considerada hoje como sendo a atualizada. A violência crescente não agride apenas a cidadania, mas igualmente a economia, como é o caso notório do turismo no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. Em outro ângulo, a reprodução do crime nas prisões agride totalmente o princípio de mudança radical da concepção atual penitenciária encerrada na prática medieval de prender somente para castigar.

De um lado, deve existir o Estado de Direito, para que se definam os procedimentos legais do crime e da sanção, o que torna a condenação socialmente justa. De outro lado, deve existir a condição iniludível de uma possível e desejável recuperação do preso, sem escamotear o contexto de visível violência aí implicado. Não se trata de esconder a violência, mas de administrá-la em nome da satisfação que o preso deve dar à sociedade em nome de sua necessária recuperação.

Aí está um ponto essencial:  quando se trata de recuperação prisional, a melhor maneira de fazê-lo não é com a acentuação da violência. Assim, em ambiente de violência típica, como é o da privação da liberdade, é preciso administrá-la de modo a reduzir essa violência ao mínimo, para sobressair a face da reconstrução do direito à liberdade.

No alinhamento de uma execução penal em busca de elevado significado ao controle jurídico-penal, com equilíbrio e autoridade responsável, se destaca, como ponto alto, o empreendimento do trabalho produtivo e do ambiente educativo.

Não comporta o trabalho apenas como passatempo, faz-de-conta, porque não é pedagógico e não é fonte geradora de condições de vida para o dia em que a liberdade chegar. Pedagógico é o trabalho que fundamenta a dignidade da pessoa como ente capaz de prover sua subsistência com autonomia e criatividade. É essencial que o preso tenha a experiência construtiva de que é possível sobreviver sem agredir os outros, por conta da capacidade própria de encontrar soluções adequadas.

Ganhar percentual do valor de seu trabalho é indiscutivelmente um direito humano do preso, até porque aí entra a questão complexa do sustento de sua família.

Acresce ainda a preocupação justa em torno da manutenção das penitenciárias, a qual, pelo menos em parte, deveria ser provida pelos próprios presos. Seus custos são muito altos e tornam-se alucinantes, quando se pensa que são, na maior parte, em vão. Evitando-se sempre o trabalho forçado, definido como espoliativo e desumano, o preso deve trabalhar também para manter a instituição que ocupa, embora sempre em ambiente educativo. Isto quer dizer que o trabalho precisa representar atividade séria para fundar a dignidade da cidadania de alguém que encontra aí ocasião e motivação para mudar de vida.

A precariedade do sistema prisional brasileiro é mais do que notória, o sistema necessita urgentemente ser reformulado, o modelo deve ser repensado. A aplicação dos direitos humanos no sistema prisional faz-se, dessa forma, imprescindível, principalmente nessa época de caos no âmbito carcerário, com suas fugas, rebeliões, superlotação, denúncias estupros, extorsão, a comprovação de que os grandes chefes do tráfico ainda continuam a comandar seus negócios mesmo de dentro das prisões… Tudo isso gera uma insegurança social por parte dos que estão do lado de fora dos muros, tornando-os apreensivos com a volta dos encarcerados ao convívio social, desconsiderando que durante todo o processo de cumprimento da pena privativa de liberdade, o preso é tratado de forma desumana, tendo seus direitos mais básicos violados, quando apenas o direito à liberdade deveria lhe ser cerceado, permanecendo todos os outros assegurados pela Constituição Federal de 1988.

A educação tem por objetivo formar a pessoa humana do recluso, segundo sua própria vocação, para reinseri-lo na comunidade humana, no sentido de sua contribuição na realização do bem comum. Trabalhar na busca da identidade perdida, e participar desta sociedade modernizada e midiatizada, poderá ser um viés articulador e um grande desafio para gerar mudanças, compromissos e possibilitar aos reeducandos um retorno digno à sociedade.

Nenhum plano de ressocialização será efetivo sem que o preso exerça atividades profissionais que ocupem o seu tempo enquanto recluso e o permita exercer uma atividade profissional quando em liberdade. Deve-se investir na metodologia APAC, que tem apresentado melhores resultados com custos mais baixos.

 


Referências

BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 212 p.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. 288p.

GRECO, Rogério. Direitos humanos, sistema prisional e alternativas à privação da liberdade. São Paulo: Saraiva, 2011.

KOLKER, Tania. A atuação do psicólogo no sistema penal. In: GONÇALVES, Hebe Signorini; BRANDAO, Eduardo Ponte. Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: NAU, 2004.

SAMPAIO JÚNIOR, José Herval; CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de prisão e soltura sob a ótica constitucional: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Método, 2009.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm

https://www.conjur.com.br/dl/manual-boas-praticas.pdf

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