quinta-feira,28 março 2024
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Fake News e o Direito

Notícias falsas são um tipo de imprensa marrom que consiste na distribuição deliberada de desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou ainda online, como nas mídias sociais. As notícias falsas são escritas e publicadas com a intenção de enganar, a fim de obter ganhos financeiros ou políticos, muitas vezes com manchetes sensacionalistas, exageradas ou evidentemente falsas para chamar a atenção. O conteúdo intencionalmente enganoso e falso é diferente da sátira ou paródia. Estas notícias, muitas vezes, empregam manchetes atraentes ou inteiramente fabricadas para aumentar o número de leitores, compartilhamento e taxas de clique na Internet. Neste último caso, é semelhante as manchetes “clickbait“, e se baseia em receitas de publicidade geradas a partir desta atividade, independentemente da veracidade das histórias publicadas. As notícias falsas também prejudicam a cobertura profissional da imprensa e torna mais difícil para os jornalistas cobrir notícias significativas.

O fácil acesso online ao lucro de anúncios online, o aumento da polarização política e da popularidade das mídias sociais, principalmente a linha do tempo do Facebook, têm implicado na propagação de notícias falsas. A quantidade de sites de notícias falsas anonimamente hospedados e a falta de editores conhecidos também vem crescendo, porque isso torna difícil processar os autores por calúnia. A relevância de notícias falsas aumentou em uma realidade política “pós-verdade”. Em resposta, os pesquisadores têm estudado o desenvolvimento de uma “vacina” psicológica para ajudar as pessoas a detectar falsas notícias.

Notícias falsas (Fake news) é um termo novo, ou neologismo, usado para se referir a notícias fabricadas. O termo Fake news originou-se nos meios tradicionais de comunicação, mas já se espalhou para mídia online. Este tipo de notícia, encontrada em meios tradicionais, mídias sociais ou sites de notícias falsas, não tem nenhuma base na realidade, mas é apresentado como sendo factualmente correctas. Michael Radutzky, um produtor do show 60 Minutes da CBS[desambiguação necessária], disse que seu show considera notícias falsas como “histórias que são comprovadamente falsas, têm um enorme tração [apelo popular] na cultura, e são consumidas por milhões de pessoas”. Ele não inclui notícias falsas que são “invocadas por políticos contra os meios de comunicação sobre as histórias ou comentários que eles não gostam “. Guy Campanile, também produtor de 60 Minutos, disse: “Estamos falando de histórias que são fabricadas do nada. De forma geral, criadas deliberadamente e que qualquer por qualquer definição sejam mentira.” A intenção e o propósito por trás das notícias falsas é importante. Em alguns casos, o que parece ser uma falsa notícia pode ser, na verdade, notícias de sátira, que usa o exagero e introduz elementos não verdadeiros com o objetivo de divertir ou fazer um ponto, em vez de enganar. Propagandas também pode ser falsas notícias.

Claire Wardle do First Draft News, identifica sete tipos de notícias falsas:

  • Sátira ou paródia (“sem intenção de fazer mal, mas tem potencial para enganar”)
  • Falsa conexão (“quando as manchetes, visuais das legendas não dão suporte a conteúdo”)
  • Conteúdo enganoso (“má utilização da informação para moldar um problema ou de um indivíduo”)
  • Conteúdo falso (“quando o verdadeiro conteúdo é compartilhado com informações falsas contextuais”)
  • Conteúdo de impostor (“quando fontes verdadeiras são forjadas” com conteúdo falso)
  • Manipulações de conteúdo (“quando informação genuína ou imagens são manipuladas para enganar”, como fotos “adulteradas”)
  • Conteúdo fabricados (“conteúdo novo é 100% falso, projetado para enganar e fazer mal”)

Em pesquisa realizada pela Kantar em 2017, a definição de notícias falsas (“fake news”, no termo em inglês popularizado pelo presidente dos EUA, Donald Trump) ainda não era muito clara: 58% dos brasileiros entrevistados achavam se tratar de “uma história deliberadamente fabricada por um meio de comunicação”, 43% pensavam que o termo se referia a “história divulgada por alguém que finge ser um meio de comunicação”, 39% apontavam que seria “uma história que contém erro de informação” e 27% apostavam que seria uma “história tendenciosa”.

Notícias falsas não são uma exclusividade do século XXI. Através de toda a história há vários episódios em que rumores falsos foram espalhados tendo grandes consequências. Por exemplo:

O político e general romano Marco Antônio cometeu suicídio motivado por notícias falsas. Haviam falsamente dito a Marco Antônio que sua mulher, a Cleópatra também havia cometido suicídio.

No século VIII a Doação de Constantino foi uma história forjada, em que supostamente Constantino havia transferido sua autoridade sobre Roma e a parte oeste do Império Romano para o Papa.

Poucos anos antes da Revolução Francesa, vários panfletos eram espalhados em Paris com notícias, muitas vezes contraditórias entre si, sobre o estado de falência do governo. Eventualmente, com vazamento de informações do governo, informações reais sobre o estado financeiro do país foram a público.

Benjamin Franklin escreveu notícias falsas sobre Índios assassinos que supostamente trabalhavam para o Rei George III, com o intuito de influenciar a opinião pública a favor da Revolução Americana.

Em 1835 o jornal The New York Sun publicou notícias falsas usando o nome de um astrônomo real e um colega inventado sobre a descoberta de vida na lua. O propósito das notícias foi aumentar as vendas do jornal. No mês seguinte o jornal admitiu que os artigos eram apenas boatos.

Entre esses e muitos outros exemplos é possível perceber que esse é um recurso que foi amplamente usado na história, muitas vezes com o propósito de beneficiar alguém ou algum movimento social.

No século XXI, o uso e impacto das notícias falsas se tornou amplo, assim como o uso do termo. Além de ser usado para criar histórias inventadas para enganar os leitores é um recurso usado para aumentar a quantidade de leitores online e assim aumentar os lucros dos sites. O termo também passou a ser usado para sites de notícias de sátira, que não tem o propósito de enganar, mas fazer comédias sobre eventos reais compartilhados na mídia tradicional. No Brasil um bom exemplo de site de sátira é o Sensacionalista. Em fevereiro de 2017 o presidente americano Donald Trump deu uma nova evidência as fake news acusando um repórter da CNN de produzir notícias falsas e se recusando a responder sua pregunta em uma conferência de imprensa.

Atualmente notícias falsas ficam populares rapidamente com o auxílio de redes sociais como Facebook e Twitter muitas vezes chegando aos trend topics. Essas notícias quando não patrocinadas por motivos políticos são financiadas pela “indústria de cliques” que grandes plataformas de propaganda digital como o Google Ad Sense criaram. Sites podem ganhar dinheiro baseado em cliques nas propagandas, e para aumentar suas taxas de cliques e frequentadores de suas páginas publicações são feitas com manchetes chamativas muitas vezes distorcendo o texto publicado ou com mentiras. Por exemplo, não é incomum sites de fofoca inventarem a morte de alguma celebridade para atrair leitores.

É importante analisar como e porque notícias falsas se espalham facilmente nas redes sociais. Elas são geralmente apelativas emocionalmente, ou reforçam algum ideal político ajudando a reforçar crenças e por isso são amplamente compartilhadas e comentadas antes mesmo que os usuários chequem as fontes das notícias. Outro efeito realçado nas redes sociais é o de Câmara de eco, em que pessoas se isolam de grupos com ideais diferentes evitando assim o contraponto de ideais que possam vir a revelar a falsidade de algumas notícias.

Empresas como o Google e Facebook vem sendo acusadas como umas das responsáveis por facilitar a disseminação das notícias falsas. O Facebook com seus algoritmos de busca e o google com seu engenho de busca são hoje as principais formas de jovens terem acesso a notícias em seu dia a dia. Ambas empresas se comprometeram recentemente a combater esse problema, o Google por exemplo bloqueou alguns sites que ele julgou como de notícias falsas de suas redes de anúncios bloqueando assim a fonte de renda dos mesmos, além disso adicionou uma nova função na sua ferramenta de busca de notícias. Apesar disso, há um debate se elas deveriam entrar nessa luta das fake news separando-as das notícias verdadeiras. Como elas controlam o acesso à informação de grande parte da população elas acabam ganhando um poder de censura e de julgar o que é verdade e o que não é.

A academia também já tenta procurar soluções de classificadores baseados em aprendizagem de máquina que possam identificar notícias verdadeiras e falsas. Há várias pesquisas nesse sentido, e na tentativa de fomenta-las em 2017 foi criado fake news challenge, uma competição em busca dos melhores classificadores automáticos de notícias.

A Federação Internacional das Associações e Instituições de bibliotecária (IFLA) publicou um diagrama com dicas para ajudar as pessoas a identificarem notícias falsas (imagem da versão em português do diagrama a direito).

  1. Considere a fonte da informação: tente entender sua missão e propósito olhando para outras publicações do site.
  2. Leia além do título: Títulos chamam atenção, tente ler a história completa.
  3. Cheque os autores: Verifique se eles realmente existem e são confiáveis.
  4. Procure fontes de apoio: Ache outras fontes que suportem a notícias.
  5. Cheque a data da publicação: Veja se a história ainda é relevante e está atualizada.
  6. Questione se é uma piada: O texto pode ser uma sátira.
  7. Revise seus preconceitos: Seus ideais podem estar afetando seu julgamento.
  8. Consulte especialistas: Procure uma confirmação de pessoas independentes com conhecimento.

 

Há algumas instituições como “Aos Fatos” e International Fact-Checking Network (IFCN) que se propõem a checar notícias e julga-las como falsas ou verdadeiras. A IFCN faz uso de uma rede colaborativa e faz um treinamento de seus colaboradores para que possam validar as histórias. O Facebook se comprometeu a ajudar seus usuários a identificar as notícias falsas, e adicionou em certa de 14 países uma seção com dicas sobre como reconhecer notícias falsas. Os leitores também estão se tornando mais céticos e atentos: uma pesquisa mostrou que mais de 3 em cada 4 leitores de notícias verificaram fatos em uma notícia de independente, enquanto 70% reconsideraram compartilhar uma matéria por receio de que ela pudesse ser uma notícia falsa.

Relatores especiais da ONU sobre liberdade de expressão divulgaram uma declaração conjunta afirmando que as “notícias falsas” (“fake news”, em inglês), a desinformação e a propaganda representam uma preocupação global. Além das Nações Unidas, o comunicado foi assinado também pela Organização dos Estados Americanos (OEA), pela Organização para Cooperação e Segurança na Europa e pela Comissão Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos.

Para os especialistas, a desinformação e a propaganda podem destruir reputações e a privacidade e incitar à violência, discriminação e hostilidade contra certos grupos da sociedade. O comunicado da ONU alerta para a possibilidade de autoridades públicas denegrirem, intimidarem ou ameaçarem os meios de comunicação, incluindo declarações colocando a mídia como sendo “a oposição” ou com falsas acusações de que esteja “mentindo”, ou ainda, que tenha uma agenda secreta.

Os relatores especiais das Nações Unidas sobre liberdade de expressão condenaram as tentativas recentes feitas por alguns governos para suprimir qualquer oposição e controlar a comunicação pública. Entre as medidas adotadas estão a interferência nas operações de meios de comunicação públicos ou privados, incluindo negar credenciamento a jornalistas e encetar perseguições políticas.

As ordens de bloqueios de websites na internet determinadas por governos são consideradas medidas extremas. Para os especialistas, elas só podem ser justificadas pela lei e quando forem necessárias para proteger os direitos humanos ou outro interesse público legítimo.

Em termos legais, o problema das fake news se dá quando ocorre um conflito de direitos. Tais conflitos são produzidos entre a informação transmitida e os direitos fundamentais das pessoas afetadas por dita informação, principalmente a honra e a intimidade. A jurisprudência espanhola desenvolveu amplamente os critérios de ponderação para nossos dias. Na verdade, podemos inclusive retomar uma decisão do Supremo Tribunal de 1912, que resolvia um conflito provocado por uma notícia – falsa –, publicada pelo jornal El Liberal, divulgando que um frade havia sequestrado a filha do prefeito e que esta, meses antes, havia dado à luz a um filho seu. O Supremo Tribunal, em termos próprios da época, já declarava que o jornal, por meio da publicação de uma informação que se provou falsa, havia caluniado a jovem filha do prefeito, causando-lhe um dano moral.

Quanto à liberdade de expressão, está se vê limitada por aquelas restrições necessárias, em uma sociedade democrática, de proteger a reputação ou os direitos de outras pessoas. Nas palavras do TC, a liberdade de expressão não ampara o insulto. Por esta razão, ainda que as opiniões não estejam sujeitas ao julgamento da veracidade, estes não devem conter conteúdo calunioso, ofensivo ou que dane a dignidade, a reputação ou a honra de uma pessoa, difamando-a. Em todo caso, a mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, na sentença Losantos, revela que a liberdade de expressão dos informadores goza de uma ampla margem para o exagero ou para a provocação – às vezes, ofensiva.

Para aquelas manifestações de maior intensidade, o legislador espanhol configurou certos delitos: principalmente as calúnias – consiste em imputar, falsamente, a prática de um delito – ou as injúrias –manifestações intencionais que comprometem seriamente a reputação de uma pessoa. Além disso, o direito penal também pune aquelas manifestações que alimentam o chamado discurso de ódio – com motivações racistas, por exemplo – ou que exaltam o terrorismo e humilham suas vítimas. Neste último âmbito, os tribunais condenaram, recentemente, a autores de certos textos em redes sociais que justificavam a violência terrorista, por violarem gravemente os valores da tolerância que inspiram nosso ordenamento jurídico.

As notícias falsas se espalham 70% mais rápido que as verdadeiras e alcançam muito mais gente. A conclusão é do maior estudo já realizado sobre a disseminação de notícias falsas na internet, realizado por cientistas do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), dos Estados Unidos publicado na revista Science.

No Brasil a Justiça já dispõe de poder para julgar e condenar conteúdos difamatórios ou caluniosos, porém sempre depois da publicação, sendo que no caso da Justiça Eleitoral o poder é ainda mais rápido – ela pode agir antes e perguntar depois.

No tocante aos aspectos penais, caso a divulgação da notícia falsa seja praticada com ciência do embuste e intenção de ofender alguém, poderá configurar crime contra a honra: calúnia, injúria ou difamação, conforme previsão do Código Penal. A disseminação de informação capaz de gerar pânico ou desassossego público, por sua vez, é tipificada pelo artigo 30 do Decreto-lei 4.766/42. Provocar alarme, anunciar desastre, perigo inexistente, ou praticar qualquer ato apto a produzir pânico são condutas classificáveis como contravenção penal, nos termos do artigo 41 da Lei de Contravenções Penais.

Entretanto, se as implicações penais atingem apenas os que, dolosamente, espalham falsidades pela Internet, os efeitos civis podem ser mais abrangentes, alcançando também aqueles que, de forma imprudente, compartilham informações inverídicas. Isto porque, de acordo com o Código Civil, qualquer pessoa que causar prejuízos (materiais ou morais) a outro, ainda que por negligência ou imprudência, comete ato ilícito, passível de responsabilização (pagamento de indenização, multa em caso descumprimento, retratação, etc).

Os métodos dos disseminadores de notícias falsas estão cada vez mais sofisticados e é preciso partir para o combate. As empresas como Google, Facebook e Twitter têm “responsabilidade ética e social que transcende as forças do mercado” e devem contribuir para a pesquisa científica sobre fake news.

A criminalização das fakes news não será a solução, o combate imediato às fake news deve ser realizado com a colaboração de toda a sociedade, que deve verificar a informação antes de compartilhá-la ou publicá-la. Seria muito complexo, também, identificar e punir todos aqueles que compartilharam a falsa notícia de má-fé.

A desinformação causada pelas fake news pode ser um problema social, mas tendo em conta as ferramentas que nosso ordenamento tem para proteger a liberdade de expressão e de informação, não convém ouvir os cantos de sereia que clamam por uma maior regulamentação: a exuberância regulatória poderia aportar mais incerteza.

 


Referências bibliográficas

BARRETO, Alesandro Gonçalves. BRASIL, Beatriz Silveira. Manual de Investigação Cibernética à Luz do Marco Civil da Internet. Rio de Janeiro: Ed. Brasport, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 09 de março de 2018.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 09 de março de 2018.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 09 de março de 2018.

BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp105.htm>. Acesso em: 09 de março de 2018.

KOVACH, Bill e ROSENSTIEL, Tom. Os Elementos do Jornalismo ​/ tradução de Wladir Dupont. São Paulo: Geração Editorial. 2003.

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