quinta-feira,28 março 2024
ColunaDiálogos ConstitucionaisEstaria o Facebook manipulando suas emoções?

Estaria o Facebook manipulando suas emoções?

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Você já se sentiu manipulado utilizando as redes sociais? Em algum momento houve percepção da sensação de que suas emoções poderiam estar sendo estimuladas de forma positiva ou negativa? Faz-se o seguinte questionamento: qual o percentual de tempo de seu dia é dedicado às redes sociais? De acordo com a resposta, concordaria que o que você vê, interage, compartilha ou com você é compartilhado de alguma forma afetaria suas emoções? Tudo aquilo que aparece em sua linha do tempo de forma instantânea também acaba por te “fisgar” em algum momento e determinar a forma como você vai se sentir à partir daquele instante. Diante disso, você possivelmente se comporta de forma diferente e, assim, “curte”, “compartilha” ou manifesta de alguma forma informações ou publicações que estão em harmonia com seu temperamento momentâneo, este que é modificado à medida que seu dia passa e na do que seus olhos veem.

De acordo com o professor especialista em Direito e Política Pública Gregory S. McNeal, em artigo publicado na Forbes em junho de 2014, o Facebook conduziu um experimento psicológico massivo com mais de 689 mil usuários, manipulando seus “feed de notícias” para captar os efeitos nas emoções dos usuários. Os detalhes do experimento podem ser encontrados em um artigo intitulado “Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through social networks” ou, em português, “A evidência experimental de contágio emocional em escala maciça através de redes sociais”, publicado no PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America).

De acordo com o especialista, o Facebook teria o poder ou habilidade de fazer você se sentir bem ou mal ajustando o que aparece no seu “feed de notícias”. Tal “ajuste”  é esperado, em tese, até nas linhas do tempo de usuários que não foram submetidos ao experimento já que, considerando a variável do número de amigos de cada usuário, páginas curtidas etc, podem não caber tantas publicações em uma só linha do tempo, o que faz com que a rede social Facebook selecione as que vão aparecer. Mas, quais seriam os critérios de seleção?

O experimento conduzido pelo cientista do Facebook (e mais dois acadêmicos) utilizou um sistema automático para reduzir a quantidade de conteúdo emocional nas “linhas do tempo”. Quando o sistema diminuía a quantidade de expressões (ou “posts”) positivas vindas de outros usuários, o usuário testado produzia menos mensagens positivas e mais mensagens negativas. O inverso ocorria quando se diminuía a quantidade de expressões negativas.

O resultado sugeria então que as emoções expressadas por outros usuários no Facebook influenciaria nossas próprias emoções, ficando constituída a evidência do contágio de emoções em escala massiva. A simples experiência de outros usuários nos afetaria positivamente ou negativamente.

Os resultados apresentados pelo estudo científico, convenhamos, não eram imprevisíveis. Trata-se apenas de uma nova forma “controle” em nossa era. A grande polêmica na verdade gira em torno do possível “poder” de uma rede social. Não entraremos em um mérito tão complexo, mas até uma condução de posicionamentos e resultados políticos poderia ser realizada com a manipulação de informações e emoções. Já pensou? Uma rede social ditando a nova ordem política mundial? Mcneal, em seu artigo, nos alerta para a importância crítica à partir de tais informações da aceitação (ou não) dos termos de uso de uma rede social. De acordo com seu artigo, os autores do experimento o fizeram com resguardo em item previsto na política de uso do Facebook (aquela que o usuário tem que “concordar” se quiser abrir uma conta no Facebook). Todavia, referido especialista fez uma ressalva no sentido de que o experimento em comento foi conduzido quatro meses antes do Facebook adicionar o item de “sujeição do usuário a pesquisas” na política de uso, o que tornaria a manipulação ilegal naquele cenário e país.

Mcneal ainda faz o seguinte questionamento: que mal poderia advir da manipulação das linhas do tempo dos usuários para criar emoções? Para ele, bastaria considerar outro experimento controverso realizado (por outros cientistas) no sentido de que as empresas deveriam adequar o “marketing” para mulheres baseado em como elas se sentem com suas respectivas aparências. Tal estudo examinou os dias e horas em que as mulheres pior se sentiam a respeito delas mesmas, concluindo que elas se sentiam pior a respeito de suas aparências nas segundas-feiras e melhor nas quintas-feiras.

Conexões Jurídicas

Consta na Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (…)

O manipulação exposta no presente artigo não ocorreu no Brasil mas, considerando que se trata de uma rede social de grande abrangência nacional, se não ocorre, poderia ocorrer. Diante desta hipótese, estaríamos assistindo a uma ilegalidade? A manipulação do “feed de notícias” do Facebook com a finalidade da também manipulação de emoções estaria em desconformidade com nosso ordenamento jurídico? Como acima mencionado, o inciso X, art. 5º, da CF, tem como invioláveis a intimidade, vida privada, honra e imagem. Em um primeiro ponto, poderíamos dizer que se são invioláveis, não interessaria a previsão ou não na política de uso da rede social, afinal, a política de uso seria um conjunto de normas internas do Facebook que deveria estar com conformidade em legislação brasileira, assim como a de qualquer site/plataforma (vale mencionar que não se questiona no presente artigo a real situação legal das políticas de uso atuais ou passadas do Facebook no Brasil). Além disso, estaríamos claramente em uma relação de consumo, o que nos conduz a um usuário consumidor vulnerável (art. 4º, I, CDC), protegido contra métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços (art. 6º, IV, CDC), e com a prerrogativa da facilitação de direitos, como a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC).

Em um segundo momento, devemos indagar qual o tipo de violação legal ocorre na manipulação de um “feed de notícias” por parte do Facebook: intimidade, vida privada, honra ou imagem? Entendo que manipular a emoção de um ser humano é no mínimo uma usurpação de sua intimidade. Ora, nossas emoções são internas, impalpáveis, espontâneas e instintivas. Manipulá-las seria uma alteração de personalidade, ainda que momentânea. Não seria exagerada também a afirmação de que estaria havendo uma invasão de privacidade. Suas emoções são privadas. Sua condição psíquica não pode ser alterada artificialmente sem seu consentimento ou sem seu conhecimento. Até mesmo o consentimento não seria capaz de ilimitar poderes concedidos ao consentido. Podemos ir além hipoteticamente e trabalhar com pessoas emocionalmente instáveis, que utilizam medicamentos controlados, desabrigadas de atitudes completamente racionais ou até mesmo tendentes ao suicídio. Qual seria neste caso a consequência fática ao “brincar” com as emoções de uma pessoa com problemas emocionais?

Por último: honra, imagem. Poderíamos sustentar certo nexo causal entre a manipulação de emoções por parte da rede social, a posterior mudança de comportamento e a subsequente imagem (negativa ou positiva) que o usuário expõe aos seguidores/amigos, alterando, também de forma positiva ou negativa, a imagem do usuário perante terceiros e, dependendo das circunstâncias e em sentido até mais hermético, sua honra.


http://www.forbes.com/sites/gregorymcneal/2014/06/28/facebook-manipulated-user-news-feeds-to-create-emotional-contagion/#1c720045fd8c

http://www.pnas.org/content/111/24/8788.full

Advogado. Pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

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