sexta-feira,19 abril 2024
ColunaPapo JurídicoEnsino sobre diversidade de gênero e o judiciário

Ensino sobre diversidade de gênero e o judiciário

O debate relacionado ao ensino sobre identidade de gênero no Brasil é tomado por falas autoritárias dispondo sempre como ponto de fala a “ideologia de gênero”. Termo pejorativo em falas eloquentes que sempre, do início ao fim, visam a ofensa e a estigmatização do tema que realmente importa, a diversidade.

O fato social que impõe a dicotomia de gêneros com base nos órgãos genitais do indivíduo se torna descabida a nossa realidade, que possui como fato marcante a sua pluralidade.

O gênero está diretamente relacionado as relações sociais de cada um, nos seus próprios sentimentos internos. O que vai definir se um indivíduo vai se identificar com o seu sexo biológico, cis gênero, se identificar com gênero diverso daquele atribuído ao seu nascimento, o que é conhecido como transgênero. Ou se não se identifica com ambos, nem homem, nem mulher, tornando-se um indivíduo não-binário.

Não iremos nos ater ao desenvolvimento e estudo da diversidade de gênero, e sim sobre a sua proteção individual de se expressar e de viver em sociedade de maneira livre. Esse é o ponto fulcral do debate político, e consequentemente jurídico, sobre o tema.

Tendo em vista que esse tema, quando tratado de maneira imprópria, gera desinformação, preconceito, violação de direitos e violência física, moral, psicológica e institucional em face dessa minoria que luta pela sua representatividade e por respeito.

O que é alarmante é o uso da máquina estatal para perpetuar essa violência, para além da violência já existente na sociedade; tal como mediante as leis municipais e estaduais, proibindo estudos de gêneros nas escolas, através da “ Utilização do aparato estatal para manter grupos minoritários em condição de invisibilidade e inferioridade.”[1]

Tornando-se imprescindível a análise das decisões que os tribunais proferem com relação a esse tema. Se seguem a lógica extremista de estigmatização ou se respeitam a Constituição Federal, seus direitos e garantias fundamentais.

I- Entendimento do Supremo Tribunal Federal Quanto ao Ensino de Gênero

A escola é segundo meio social onde todo cidadão se introduz, após a família, de modo que a desconstrução de todo tipo de racismo e preconceito possui um campo promissor dentro das escolas, visando dessa forma uma sociedade mais igualitária e racional desde a infância.

Entre os anos de 2018 e 2020, o Supremo Tribunal Federal tem enfrentando reiteradas discussões sobre o tema, as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de números 457, 460, 461, 465, 467 e 600, são um dos exemplos de julgamentos que ocorreram recentemente.

E apresentam resultados promissores ao declarar a inconstitucionalidade dessas normas municipais que tentaram proibir qualquer tipo de ensino que faça referência ao tema diversidade de gênero.

Dentre os argumentos jurídicos para tanto, o mais técnico e que não adentra a discussão do mérito do tema é quanto à incompetência dos estados e municípios de legislarem sobre diretrizes e bases da educação nacional. Visto que essa competência é da União, conforme previsão Constitucional no artigo 22, XXIV, pois esses entes estariam extrapolando a sua competência normativa.

Nesse diapasão, o STF entendeu que esse tipo de entrave à educação levaria a uma violação à liberdade de ensinar e aprender, violando aquilo que o tribunal nomeou de “Comprometimento do papel transformador da educação” [1] tal como salientado anteriormente apontando o importante papel da escola na diminuição do preconceito.

E principalmente representaria uma ofensa à livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Além de representar um retrocesso no árduo caminho a proteção dessas pessoas que desenvolvem uma identidade de gênero diferente daquilo que representa um padrão na sociedade.

Sendo esse o entendimento majoritário da Suprema Corte sobre o tema do ensino sobre diversidade de gênero nas escolas, seguindo a mesma compreensão do seguinte acórdão, proferido na ADPF 465 de relatoria do Ministro Roberto Barroso:

“Direito à educação. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Lei municipal que veda o ensino sobre gênero e orientação sexual, bem como a utilização desses termos nas escolas. Procedência do pedido.

Supressão de domínio do saber do universo escolar. Desrespeito ao direito à educação com o alcance pleno e emancipatório que lhe confere a Constituição. Dever do Estado de assegurar um ensino plural, que prepare os indivíduos para a vida em sociedade. Violação à liberdade de ensinar e de aprender (CF/88, arts. 205, art. 206, II, III, V, e art. 214).

Comprometimento do papel transformador da educação. Utilização do aparato estatal para manter grupos minoritários em condição de invisibilidade e inferioridade. Violação do direito de todos os indivíduos à igual consideração e respeito e perpetuação de estigmas (CF/88, art. 1º, III, e art. 5º).

Violação ao princípio da proteção integral. Importância da educação sobre diversidade sexual para crianças, adolescentes e jovens. Indivíduos especialmente vulneráveis que podem desenvolver identidades de gênero e orientação sexual divergentes do padrão culturalmente naturalizado. Dever do estado de mantê-los a salvo de toda forma de discriminação e opressão. Regime constitucional especialmente protetivo (CF/88, art. 227).” (grifei)

Sendo essa a base para o entendimento do STF, tal como julgou nas demais cinco Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, entendimento que provavelmente deve se manter nas demais decisões da Corte, embora ainda existam ações que tratam sobre a mesma temática em trâmite nos tribunais do país.

II-Conclusão

O gênero está diretamente relacionado as relações sociais de cada um, nos seus próprios sentimentos internos. Sendo um direito de todo cidadão de se expressar de forma intelectual, artística, científica e social, sem sofrer nenhum tipo de interferência, seja das pessoas ou da máquina estatal.

Pois, cabe ao Estado, o dever de proteger essa minoria da população, a proteção dos seus direitos torna-se primordial em uma sociedade cada vez mais excludente. E não atuar visando a perpetuação da violência contra essas pessoas, tal como esses estados e municípios tem feito ao legislar pela proibição do ensino sobre diversidade de gênero.

Esse ensino é um direito da sociedade, de acesso à liberdade de ensinar e aprender, à pluralidade cultural. E sobretudo a proteção dessas pessoas que desenvolvem uma identidade de gênero que difere daquilo que é compreendido como um padrão na sociedade.

Ensino sobre diversidade de gênero é mais que acesso à educação e respeito as diferenças, é a criação de uma sociedade onde todos sejam livres, e o Judiciário é um espaço importante para a proteção desses direitos. E para isso é preciso mudar esse cenário nacional, de pessoas que não somente possuem repulsa daquilo que lhes é diferente, mas que agride, ofende e mata aquele que está fora do “padrão” de gênero.

 

Referências Bibliográficas

[1] https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur431852/false

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