quinta-feira,28 março 2024
ColunaCivilista de PlantãoÉ chegado o futuro: os e-contracts

É chegado o futuro: os e-contracts

I – Introdução

As transformações sociais, tecnológicas e pandêmicas, catalisaram outra maneira de celebrar contratos em complemento a forma tradicional.

Os e-contracts surgem como uma alternativa que rompe os padrões de manifestação de vontade das partes nos contratos, tornando perfeitamente possível que sejam firmados contratos remotamente.

Para este artigo, é importante compreender a ideia dos contratos eletrônicos como uma possibilidade que agrega valor a efetividade a celebração dos contratos de um modo geral.

II – Algumas linhas sobre Contratos

Basta uma rápida análise no mundo dos contratos, utilizando-se da ótica do Direito Civil Brasileiro, para entender a forma e o funcionamento do universo contratual tradicional.

Todo o arcabouço jurídico que o Direito Civil possui foi concebido para dar vazão ao que sempre se entendeu por Contrato: um documento, na maior parte das vezes escrito, cujo corpo reflete o negócio jurídico firmado entre as partes contratantes.

Assim, entende-se contrato, na tradicional doutrina, como um acordo de vontades, firmado por duas ou mais pessoas, capaz de criar, modificar ou extinguir um direito.

Venosa (2021, p. 03) vai além, ao definir que “[…] O contrato, assim como outros negócios, constitui-se numa declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos.”

Em regra, um contrato não precisa de forma específica; em verdade, quando efetuamos o pagamento de uma tarifa de ônibus, estamos a firmar um contrato de transporte de pessoas (art. 730, CC/2002). A forma escrita só será obrigatória se assim a lei exigir (art. 104, III, CC/2002).

O contrato pode ser gratuito ou oneroso, unilateral ou bilateral, comutativo ou aleatório, típico ou atípico, consensual ou real, principal ou acessório, etc.

Quando de sua assinatura, sendo ele normalmente impresso, devem as partes necessariamente rubricar todas as páginas, assinando ao final junto com duas testemunhas instrumentárias; a prática define que as assinaturas das partes devem ser reconhecidas em um Cartório de Notas.

III – Disrupção tecnológica no mundo dos contratos: os e-contracts

É notório o desenvolvimento das formas e maneiras de contratação na atualidade; com o advento da Rede Mundial de Computadores, mais conhecida como Internet, novas tecnologias de informação e comunicação e o crescente desenvolvimento tecnológico em geral, os negócios jurídicos obtiveram diversidade e maior complexidade em sua celebração.

O Direito, imbuído da responsabilidade natural de acompanhar a marcha social, tenta refletir essas mudanças nos diversos contratos que acabam por serem criados para traduzir esses negócios; é surgida uma realidade disruptiva e inovadora para as relações contratuais firmadas; nascem os e-contracts.

O e-contract ou contrato eletrônico surge em um período repleto de novidades, principalmente na forma de contratar; o surgimento e consolidação do e-commerce como um meio de aquisição de bens de consumo e a pandemia da Covid-19 alavancaram o uso dessa modalidade.

Pode-se entender o e-contract como uma técnica de efetivação contratual, não como um novo tipo de contrato. A ele se aplicam todos os requisitos de validade dos contratos em geral já existentes; o que o diferencia dos contratos “tradicionais” é apenas o meio ou o instrumento usado para concretizá-lo.

O conceito pode ser melhor elucidado ao se entender simplesmente que um e-contract é um contrato elaborado por meios eletrônicos, independentemente do objeto que possua.

Érica Barbagalo (2001), traz uma definição completa de e-contracts, ao inferir que são “[…] os acordos entre duas ou mais pessoas para, entre si, constituírem, modificarem ou extinguirem um vínculo jurídico, de natureza patrimonial, expressando suas respectivas declarações de vontade por computadores interligados entre si.”.
Desse raciocínio, depreende-se que o e-contract será a técnica inovadora e eletrônica a possibilitar que um contrato seja formado fora do ambiente físico convencional.

É importante destacar, que embora seja por muitas vezes referido como sinônimo de contrato virtual ou digital, o e-contract deles se diferencia. Isto porque o contrato digital é um instrumento formado digitalmente, ou seja, feito por meio de linguagem de computação; assim, é digital um contrato que se concretiza no mundo por uma sequência de bits organizada, capaz de ser codificada e decodificada por um computador e se transformar em um contrato. Já o contrato virtual é aquele que além de digital é formado através do uso da internet; não basta ser apenas uma sequência de bits, deve estar também virtualizado, sendo possível seu acesso on-line.

Os e-contracts podem ser considerados avançados em comparação com os modelos tradicionais de contrato, pois (i) evoluíram em relação ao meio onde se realizará a manifestação de vontade das partes, que é operacionalizado on-line; (ii) possibilitaram, em hipóteses de contratações interativas e intersistêmicas, a possibilidade de representação do sujeito capaz por uma máquina (assunção de obrigações e direitos, com possibilidade de responsabilização civil em nome do agente capaz); e (iii) viabilizaram a habilitação da máquina como atestadora de prova testemunhal, por meio da geolocalização, carimbo do tempo do evento (“timestamp”), podendo essas informações serem verificadas por perícia e criptografia (maior segurança jurídica para o instrumento).

Em que pese a existência de regulamentação legal a amparar os e-contracts, destaque-se a Medida Provisória n. 2.200-2/2001, que instituiu a infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), para garantir ao documento eletrônico o mesmo status legal de um documento público ou particular.

Nesse particular, o art. 10 da referida Medida Provisória informa que “[…] consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.”
A jurisprudência brasileira tem sido pacífica ao considerar válidos os contratos eletrônicos de maneira ampla, inclusive os que são firmados sem a utilização de certificados padrão ICP-Brasil (art. 10, § 2º da MP n. 2.200-2/2001), desde que seja previamente acordado entre as partes.

A assinatura do e-contract é comumente eletrônica e digital, referida como uma função tecnológica que possa conferir marca específica, tornando impossível a alteração do conteúdo, demonstrada não apenas por uma mensagem exibida na tela, mas traduzida também em língua hexadecimal. Ela é composta por um par de chaves (criptografia assimétrica), o que confere segurança e fidedignidade a assinatura.

A manifestação da vontade da parte, ocorrida por meio da assinatura, pode ocorrer também por meios biométricos, embora menos comum. A assinatura biométrica permite a identificação de um indivíduo através da avaliação de suas características biofísicas, tais como: o formato do rosto, a estrutura óssea, a impressão digital, o reconhecimento da retina ou características comportamentais, como avaliação grafotécnica, velocidade de digitação ou reconhecimento de timbre de voz.

Conforme dito alhures, o e-contract não retira do contrato que formaliza todo o peso conferido por lei a ele; assim, pode-se dizer que um contrato eletrônico tem força de título executivo extrajudicial, conforme reza o art. 784, III, CPC/2015. Sobre o assunto, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que mesmo sem a assinatura das testemunhas, um e-contract mantém sua característica de título executivo extrajudicial, desde que submetido aos mesmos requisitos do art. 784, CPC/2015. Dispensa-se a testemunha humana por se entender que a máquina pode suprir esse papel.

Por derradeiro, os e-contracts permitem a prova eletrônica, a ser regularmente carreada aos autos de um processo; o meio pelo qual é manifestada a vontade das partes permite sejam obtidos (i) autenticidade (quem praticou determinado ato); (ii) integridade (garantia de que os documentos e os registros produzidos se mantiveram imutáveis); (iii) disponibilidade (garantia de que a metodologia permite a extração e apresentação da prova em juízo que traduza todo o acordado); (iv) confiabilidade (garantia de que a geração/coleta, custódia e armazenamento são realizados sob premissas técnico-jurídicas apropriadas).

Para o oferecimento da prova, no bojo da ação deve-se apresentar um “dossiê” contendo, por exemplo: (i) o modelo de contrato submetido à assinatura (com a função hash[1]); (ii) o contrato em si e todos os outros documentos eventualmente firmados no fluxo (termos e etc.); e; (iii) todos os registros técnicos coletados pela Plataforma.

É importante respeitar a teoria da aparência, que é obtida, no documento eletrônico, pelo rodapé contendo as informações como data de assinatura, a função hash atrelada ao contrato, etc., produzindo um Laudo robusto.

 

IV – Referências

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, 2002.

BARBAGALO, Érica Brandini. Contratos eletrônicos: contratos formados por meio de redes de computadores: peculiaridades jurídicas da formação do vínculo. São Paulo: Saraiva, 2001.

PINHEIRO, Patrícia Peck. Fundamentos dos Negócios e Contratos Digitais. Revista dos Tribunais. Edição Kindle.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2021.

 

[1] O “hash” é uma encadeação de números e letras produzidos por algoritmo criptografado, hoje um dos principais fatores para a conferência da integridade de um documento eletrônico.

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