quinta-feira,28 março 2024
ColunaTribuna do CPCE agora, Excelência?

E agora, Excelência?

Por Gustavo Mendonça Oriol Torres*

Ao longo de 10 anos de atuação na área jurídica, posso dizer que um dos maiores problemas que existem hoje é a questão da efetivação concreta dos direitos da pessoa que ingressa com ação.
Em sua maioria, os textos jurídicos são extremamente difíceis de compreender. São vocabulários pesados, desalinhados do cotidiano.
A população não consegue compreender a maioria dos termos utilizados por juízes e advogados.
Isso é muito triste.
Nós, advogados, juízes, operadores do Direito, possuímos a qualidade de complicar o que é simples. Sem necessidade.
Desde meus primeiros passos na advocacia, lembro-me das dificuldades encontradas por clientes na utilização de termos simples como “procuração” ou “substabelecimento”.
Em outras palavras, o cliente depois que entrega a causa ao advogado se coloca numa situação parecida como alguém que “lança um barquinho ao mar”
No início ainda se vê o barco indo embora…ai começa as palavras difíceis, o barco se perde e o cliente muitas vezes até desiste de tentar compreender porque é muito complicado mesmo.
Nós advogados, temos o hábito de utilizar uma linguagem muito mais rebuscada do que a utilizada por médicos!

Lembro-me de certa ocasião em que um cliente (uma grande multinacional) entrou em contato comigo tentando saber o motivo de no Brasil demorar tanto a apreciação do recurso interposto.
O recurso demorou tanto tempo para ser apreciado que o próprio cliente não via a hora de fechar o acordo razoável com a parte autora, e não entendia porque demorava tanto.(claro, estamos falando de clientes sérios e preocupados com a quantidade de passivos de sua empresa).
Vivemos um descompasso total no Brasil quanto a este aspecto.
Confesso que estou vendo praticamente todos os colegas advogados desesperados nos Congressos sobre o Novo CPC!
Ninguém consegue entender nada com nada.
Tiraram o juízo de admissibilidade ad quo? Recursos repetitivos? Distribuição dinâmica do ônus da prova? Desconsideração da personalidade jurídica em todas as fases do processo? Enfim…há um desgaste total da advocacia em torno do que virá pela frente.
Escolhi apresentar um texto mais familiar, por perceber que textos difíceis de entender não são assimilados.

Sinceramente, para mim, uma das maiores novidades do Novo CPC é sem dúvida, o artigo 489, parágrafo 1º:

Art. 489.
…§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

Nossa, esse artigo é sensacional!

E agora, Excelência?

O novo CPC afirma que a sentença será nula se o juiz empregar conceitos jurídicos indeterminados.
Esse artigo sem dúvida é uma revolução da atuação jurisdicional.
Imagine aquele juiz que escreve de forma tão difícil e incompreensível que nem mesmo o advogado entende!
Neste aspecto, o Código avançou bastante.
O Direito tem de sempre estar mais perto da população. Afinal de contas para que existe o Poder Judiciário?
Acredito que nos últimos anos, a sociedade civil tem atentado para o fato de que aqueles que estão no Poder devem prestar um bom serviço à população.
Na maioria dos casos, o que se percebe é justamente o contrário.
O Poder Judiciário tem o viés de atuar como se tivesse fazendo um “favor” à população. Isto é um absurdo!
Bons magistrados são aqueles que escrevem sentenças claras, objetivas e bem fundamentadas.
Essa inovação não incomoda os sérios colegas que sempre atuaram de forma transparente perante o Judiciário.
A alteração e novidade incomodou aqueles que acham que o Poder Judiciário é uma bola de cristal que ninguém tem acesso.
Um planeta não conquistado pela maioria dos brasileiros, um satélite que o cidadão jamais entrou, ou quem sabe, uma cápsula impenetrável.
Já é um grande começo. A Clareza das decisões ajudarão bastante nós advogados e clientes a sabermos pelo menos o “porquê” da decisão denegatória.
Isso não trará alívio, mas pelo menos, quando perder, o cliente saberá por quê teve indeferido seu pedido.
Muitas vezes, as decisões são tão obscuras que o cliente não entra em acordo pois simplesmente “não sabe” o motivo de perder o caso. Então ingressa com recurso objetivando uma resposta efetiva e justa.
Com a nova determinação do Código, o cliente saberá o motivo pelo qual perdeu a ação, justificadamente, e com a clareza de um juiz que deverá fundamentar de forma pormenorizada sua decisão.
Essa mudança induz, a priori, que será destinada tão somente às pessoas menos favorecidas. Isso não é verdade.
Muitas empresas saberão exatamente em que falharam, terão em mãos o motivo claro de terem tido uma sentença desfavorável contra elas e diante disso, analisarão os custos de recorrer e entrarão com pedidos de acordos. É o que se espera, pelo menos!
Mas um país sério é um país de sentenças claras!
Mesmo que elas não assumam o erro, é direito de todos uma sentença aos moldes do novo disciplinamento jurídico.
Para o autor isso também é positivo.

Uma sentença totalmente esclarecida, sem subterfúgios dificulta muito a interposição de recurso da outra parte.
O que gera muitos recursos muitas vezes é a falta de esclarecimento das sentenças. Assim, a mudança facilita para o autor, pois dificilmente o réu conseguirá anular a sentença ad quo se a mesma foi bem fundamentada.
Logicamente, apresentei algumas considerações do dia-a-dia dos fóruns e Tribunais em que atuo. Não ouso ser o dono da verdade, e acredito que existem diversas posições e entendimentos de colegas que divergem do meu. Portanto, não é objetivo deste texto dar um ponto final no assunto. Mas pensar o Direito, pois só com o pensamento crítico poderemos chegar a mudanças substanciais de conceitos enraizados por séculos em nosso país, mais notadamente, em nosso Poder Judiciário ( se bem que dizermos que “nosso” é um termo muito mais de objetivos a serem alcançados do que propriamente a realidade atual que vivenciamos).

 

*Gustavo Mendonça Oriol Torres, colaborou com nosso site por meio de publicação de artigo. Ele é Mestre em Direito. Advogado em São Paulo. Palestrante sobre Direito Civil e Processo Civil.

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