terça-feira,16 abril 2024
ArtigosDignidade da pessoa humana: caso Maranhão

Dignidade da pessoa humana: caso Maranhão

Por: Helen Dibout*

Há algumas semanas tem se falado do caso do presídio de Pedrinhas no interior do Maranhão onde estão encarcerados milhares em espaço em que caberiam poucos o que está ocasionando conflitos internos e mortes.

 

Ocorre que apesar desse “bum” da mídia sobre o caso, há muito já se sabe que o sistema prisional do Brasil está deficitário, sem investimentos e que a criminalidade está aumentando, fazendo a população carcerária crescer.

 

Mas se sempre vivemos assim e isso nunca foi motivo de alta exposição midiática, por que agora esse tema está em evidência? Vejam, estão falando até em intervenção federal.[1]

As pessoas, por mais que desacreditadas do atual sistema, estão mais preocupadas com o cumprimento de leis e também com o bem estar social. Talvez isso seja um efeito do aumento de escolaridade da população, afinal hoje é muito mais acessível fazer um curso superior do que há vinte anos. As pessoas estão mais exigentes em tudo.

 

Sei que por falarmos de sistema prisional a primeira coisa que nos vem à mente é crime e, por conseguinte o código penal e leis penais esparsas. Mas a discussão aqui gira em torno de lei mais fundamental, principiológica: as garantias fundamentais constitucionais, especificamente a dignidade humana.

 

Dignidade da pessoa humana

 

O princípio da dignidade humana está elencado no rol de direitos e garantias fundamentais, logo no início da Constituição Federal. Dignidade humana é um conceito muito amplo, mas não é subjetivo, a doutrina e a jurisprudência trataram logo de delimitar o termo.

Para fins jurídicos, dignidade da pessoa humana é um valor moral inerente à pessoa, aquilo que se julga justo para uma boa qualidade de vida, qualidade esta em seu sentido mais amplo, englobando educação, saúde, bem estar e lazer. Popularmente, a frase explica bem o termo: “tratar o outro como gostaria de ser tratado”.

Immanuel Kant, no livro “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, de 1785, já prescrevia que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmo, e não como meio: “No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”.[2]

Como tal princípio está esculpido em nossa Constituição, isso repercute na forma em que o Estado deve agir para garantir dignidade para a população. Esse dever de agir está no respeito, na promoção social e na proteção das pessoas.

Veja que a população carcerária está sob tutela do Estado de forma mais efetiva que o restante da população, isso porque a população carcerária tem seus direitos delimitados pelo Estado e estão privados da liberdade. Desta forma, sob tutela do Estado, este é quem deve garantir que o local do cumprimento penal seja adequado e digno de ser habitado por uma pessoa.

 

Dignidade da pessoa humana Porém, no caso do Maranhão, e de muitas outras unidades federativas, esta proteção estatal está deficitária. Celas que deveriam conter quatro pessoas, na verdade tem umas doze ou mais. Não há espaço para dormir, não há condições normais de higiene nem efetivo policial suficiente a serviço carcerário a fim de se manter a ordem. Vive-se a lei do mais forte, numa total barbárie.

Essa desídia estatal é que provocou, e continua a provocar, a onda de notícias na mídia. Esse princípio fundamental constitucional não está sendo cumprido como deveria. As prisões brasileiras não têm investimentos, reformas muito menos ampliações. Porém, a população carcerária continua a crescer.

 

Isso porque a punição penal deveria ressocializar a pessoa a fim de que ela não voltasse a delinquir. Nas condições atuais é muito mais fácil entrar para o mundo do crime do que sair dele. Infelizmente há “gangs” dentro dos presídios cujos detentos devem pagar para viver, para ter proteção e algumas condições mais dignas. Quem não paga morre. Afinal a cadeia está lotada e eles precisam de espaço. Esse é o principal motivo das mortes: as brigas entre os detentos e as rebeliões. Depois vêm as doenças por conta da falta de condições básicas de higiene e alimentação, bem como a superlotação que aumenta o contágio.

 

Agora com o risco da intervenção federal no estado do Maranhão, a contragosto do poder executivo local, uma comissão de direitos humanos está fiscalizando a situação para estudar as possíveis soluções para o caso, a fim de garantir o cumprimento da Constituição.

Nem sempre o Estado consegue efetivar todos os direitos a todas as pessoas, porém, o mínimo que se espera é o cumprimento do essencial à vida, à saúde e à aquilo que consideramos uma vida digna.

 

 

 

 


 

[1] É a medida de caráter excepcional e temporário que afasta a autonomia dos estados, Distrito Federal ou municípios. A intervenção só pode ocorrer nos casos e limites estabelecidos pela Constituição Federal:
1- quando houver coação contra o Poder Judiciário, para garantir seu livre exercício (poderá ocorrer de ofício, ou seja, sem que haja necessidade de provocação ou pedido da parte interessada);
2- quando for desobedecida ordem ou decisão judiciária (poderá ocorrer de ofício, ou seja, sem que haja necessidade de provocação ou pedido da parte interessada);
3- quando houver representação do Procurador-Geral da República. (art. 34, VII, da Constituição)
No caso de desobediência de ordem judicial, o Supremo processará também os pedidos encaminhados pelo presidente do Tribunal de Justiça do estado ou de Tribunal Federal. Se a ordem ou decisão judicial desrespeitada for do próprio STF, a parte interessada também poderá requerer a medida.

Conceito retirado de: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=I&id=162

[2] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Trad. Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004, p.65.

*Helen Dibout,bacharel em Direito na FAAT- Faculdades Atibaia, Pós Graduanda em Constitucional pela Damásio de Jesus, Graduanda em Filosofia pela USP. Advogada especialista em Constitucional.

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