quinta-feira,28 março 2024
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Dias de lutas e outros também – “Desgourmetização” da vida de um Advogado

Se você acreditou quando disseram que depois de formado a vida melhoraria não leia esse artigo; aliás leia sim. Pensando bem serei mais enfática: Você precisa muito ler esse artigo e por favor acredite que o que eu estou escrevendo é baseado em fatos reais, portanto, se tiver medo da realidade abrace uma almofada, pois aqui é vida real:

Dia 1 – A audiência fácil, o cliente difícil:

Grande dia! Grande dia! Acordei às 6 da manhã, preparei as coisas para sair com o Júlio César enquanto ele estava dormindo, tomei um banho rápido e me arrumei, afinal advogada precisa mostrar postura (e estar bem vestida). Acordei o Júlio César e amamentei, dei um banho nele, brinquei um pouco, amamentei novamente e coloquei ele para dormir mais um pouquinho.

Enquanto o JC descansava da rotina matinal eu, claro que, estudei um pouco mais o caso apesar de ser uma audiência UNA, afinal estar preparada antes do encontro com o preposto é um diferencial (advogados iniciantes, por favor, estudem o processo antes. Os prepostos odeiam advogado despreparado – palavra de preposta profissional.).
Acordei o baby, e saí com ele, com o carrinho, com a mochila dele, com minha bolsa e com a pasta da audiência e entramos no carro. Na correria esqueci do café da manhã – normal.

Já estávamos há duas horas no fórum contando que eu sempre chego com uma hora de antecedência. Eu estava pela terceira reclamada então não haveria dificuldade na audiência considerando que, basicamente teríamos que negar a prestação de serviços, pois havia um pedido de responsabilidade subsidiária.

A audiência estava atrasada cerca de uma hora somente (só um pouco atrasada – acreditem), e o Júlio César estava agoniado (para quem não sabe eu sou mãe e mãe advogada que amamenta) e eu preocupada com o meu filho que estava no colo da babá e com o preposto que estava cansado de esperar fiquei sondando se as partes estavam pelo menos tratando da possibilidade de acordo – aprendi com um ex chefe que as negociações devem começar fora da mesa de audiência, pois advogado bom realiza a audiência, porém o excepcional chega com a lide já resolvida perante o juiz. Infelizmente nem todos são assim, e os principais interessados não demonstraram interesse.

Finalmente a audiência iniciou e em mesa foi firmado um acordo. Claro que pedi a exclusão do meu cliente que era a terceira reclamada mas o reclamante se opôs e foi designada a SUSPENSÃO.

Retornei ao escritório satisfeita entendendo que não haveria prejuízo ao meu cliente, bem como que seria menos uma audiência em sua planilha trabalhista, mas me enganei – e está aí um grande problema com a correspondência jurídica, você nunca consegue falar diretamente com o cliente para receber orientações e passar esclarecimentos.

Quando o cliente viu na ata que não foi excluído da lide ficou muito bravo, não bravo, ficou bravíssimo mesmo.
Tentei argumentar o benefício da suspensão do processo, porém a questão do telefone sem fio dificultou a comunicação visto que eu expliquei à empresa de logística jurídica que me contratou, a empresa tentou explicar ao escritório que patrocinava a causa e o escritório tentou dar satisfação ao departamento jurídico da reclamada. Já sabem que fim levou né, ninguém entendeu o efeito da suspensão e eu levei uma bronca muito grande.

O final dessa história é a seguinte. Em outra audiência atuando pela mesma empresa, argumentei com o juiz que não poderia aceitar a suspensão e ele permitiu que constasse meus protestos (usei o termo permitiu visto que foge da lógica de um acordo o ‘Protesto’, afinal em tese se um acordo foi firmado isso significa que estão todos ‘de acordo’), porém fiquei conhecido como a “Advogada da Bronca” considerando que implorei tanto pela exclusão que tive que contar o que houve ao juiz e a sala de audiência deu muitas gargalhadas da minha cara (esse é o problema da falta de experiência, as pessoas riem de situações como essa enquanto você chora).

 

Dia 2 – Dois pássaros na mão, que voaram.

 

O dia não começou muito animado. Depois do dia anterior turbulento eu já não estava tão confiante se o certo era certo. Na faculdade a teoria é tão fácil mas a realidade de um advogado é cheia de “mas”, “porém”, “entretanto” e nem todos estão preparados. Mas não se pode desanimar e iniciei minha rotina. Acordei às 7 da manhã, preparei as coisas para sair com o Júlio César enquanto ele estava dormindo, tomei um banho rápido e me arrumei, acordei o Júlio César e amamentei, dei um banho nele, brinquei um pouco, amamentei novamente e coloquei ele para dormir mais um pouquinho. Acordei o JC, saí com ele, com o carrinho, etc e etc. Esqueci novamente do meu café da manhã. Dessa vez levei o Júlio César para a casa da babá (consegui tirar o leite materno) e em seguida fui para o escritório.

No dia anterior eu havia fechado um contrato grande após a audiência e estava confiante na causa, mas nesse segundo dia, após deixar o meu filho na casa da babá, recebi a ligação do cliente dizendo que queria conversar. Como eu tinha um outro cliente às 13h30min pedi para agendarmos um horário, já que minha agenda estava cheia (considerando que tenho um bebê de 4 meses estava “cheia”). No final ele não pode vir, e me disse ali por telefone mesmo que desistiria da futura ação. Não foi um susto pois eu já estava ciente da possibilidade, já que ele não havia gostado de saber que o advogado vive de honorários. Aliás, aqui vai um alerta que aprendi da pior forma possível: Caros colegas atuantes no Direito do Trabalho, os honorários devem ser calculados também sob o valor do depósito do FGTS e Seguro Desemprego mesmo que seja um direito que o cliente “já possuía”, afinal sem o seu trabalho haveria a liberação de tais direitos? Enfim, eu já sabia da possibilidade, mas não estava preparada.

Cada dia é um dia, se eu perdi o cliente do dia anterior, foquei no cliente que estava para chegar. Estudei a situação dele considerando que já havíamos conversado bastante por telefone, separei a lista de documentos, contrato preenchido, bem como a procuração; sim era um cliente certo, exceto pelo fato dele não ter aparecido até hoje. Ele simplesmente esqueceu do agendamento. Não veio, e nunca mais ouvi falar dele, liguei insistentemente por várias e várias vezes. Me senti trabalhando em hospital nessa hora, onde o paciente simplesmente não aparece e nem ao menos avisa. A pior parte foi enviar várias mensagens para ele via aplicativo, ele visualizar e não responder. Aí, nessa hora você sente que estudar 5 anos e depois “ralar” para passar no exame da Ordem, não significa nada para alguns.
O cliente não só não deu satisfação, como também não retornou nunca mais minhas ligações. Provavelmente encontrou outro advogado já que eu informei para ele que a causa, apesar de não garantida, tinha grande possibilidade de êxito. Qualquer profissional teria interesse com certeza.

Qual o fim dessa história? Acredito que tenha sido essa mesma, perdi dois clientes certos com ações aparentemente interessantes num só dia. Vida de advogado.

Para aqueles que ainda não acreditaram que contos de fadas no direito não existem, vamos fazer o seguinte: Dessa vez vou colocar um post de um advogado experiente, com o seu escritório já consolidado, sócio proprietário de uma empresa de soluções jurídicas, pós-graduado e palestrante. Faremos isso para que aqueles que sonham com uma vida de degustação de vinhos e queijos depois de formado possam vir logo para a realidade antes que se frustrem. Segue o relato via Facebook:

Lucio Rodrigues Lurhan
16 de outubro às 22:38 · Aracaju, Sergipe ·

Quando o trabalho lhe proporciona coisas boas e estreita parcerias.
Construa seus sonhos e deixe de querer sonhar os sonhos dos outros.
Cada qual tem seus objetivos, metas e conquistas.
Acredite mais no seu potencial e não acredite que realizar sonhos é fácil, pois não é.
O segredo de uma vida fácil:
Sai de casa domingo as 11:00hs da manhã deixando para trás esposa e filhos.
Cheguei em Aracaju as 17:30hs
Acordei hoje as 04:00hs da manhã, sem tomar café, sai as 05:00hs rumo à Gararu/SE
Percorri 170 quilômetros em rodovias e estradas esburacadas (+ou- 3 horas).
Cheguei em Gararu/SE as 07:50hs.
A cidade de 6 mil habitantes não tinha local para tomar café da manhã, apenas mercearias que nem água tinham, que pese a cidade ser banhada pelo Rio São Francisco.
Fiz uma audiência conturbada na esfera cível, apenas com meio copo de café que tinha na sala da OAB.
Voltei de Gararu para Aracaju as 10:00hs, percorrendo novamente os 170 quilômetros.
Fui comer alguma coisa já eram 12:50hs.
Cheguei no aeroporto de Aracaju as 14:00hs.
Embarquei as 16:30hs, desci em Guarulhos as 20:15hs e finalmente cheguei em casa as 21:30hs.
E tem gente que acha que tem vida fácil sem esforços.

A realidade é que tenho certeza que algumas pessoas simplesmente não leram o depoimento do dia do Dr. Lúcio, com certeza viram somente a foto em um restaurante moderno com uma taça ao lado e pensaram na vida ótima que a carreira proporcional à ele. Não estou aqui para dizer que não existem momentos bons, afinal existe a lei do retorno, se você planta, você colhe, mas não é mágico, há batalha, há luta, há comprometimento e há suor e no final há a recompensa.

Alguns advogados postam somente as fotos da recompensa e ninguém sabe o que se passou no dia deles, como foi a audiência, a reunião com o cliente, o dia no Tribunal para sustentação oral, o transporte, o trânsito. Importante dizer que alguns estudantes se vislumbram com fotos e quando se tornam advogados tentam o fácil, pois se frustram; não existe o fácil na carreira, em nenhuma carreira aliás, mas o direito tem um ônus grande, pois carrega essa falsa impressão de que as coisas acontecerão rápido. E aí vem a desvalorização da profissão, alguns se desesperam quando encontram a realidade e aceitam honorários baixíssimos, aceitam propostas inadequadas, propostas de parcerias que chegam a ser ofensivas e até a participar de procedimentos ilícitos. Não, não é fácil, não tem caminho curto.

Precisamos levantar cedo como qualquer profissional, precisamos dar a cara a tapa, atender o cliente e ouvir dele que cobramos muito, precisamos levar bronca do juiz, porque não? Tudo é aprendizado. Precisamos pegar transporte e trânsito. Muitas vezes até mesmo ficar sem alimentação. Precisamos entender que o caminho fácil não existe e se te oferecerem o fácil e curto corra, corra e corra muito na direção contrária. Seja ético, seja compliance e sempre se valorize como pessoa. Se valorize como Advogado.

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