quinta-feira,28 março 2024
ColunaAdministrativoDesapropriação e suas modalidades

Desapropriação e suas modalidades

Como dito na ocasião em que estudamos a intervenção estatal na propriedade privada, a desapropriação é uma modalidade de intervenção do Estado, do tipo supressiva.
Para enfrentarmos tal tema, é necessário termos em mente o descrito  Art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) em seu inciso XXIII: “A propriedade atenderá a sua função social“.

Diante disso, ficará mais fácil compreender as motivações que levam à desapropriação.

Di Pietro assim conceitua:
A desapropriação é um procedimento administrativo pelo qual o poder público e seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização“. (Di Pietro).

 

No mesmo sentido afirma José Cretella Júnior:
A desapropriação constitui a mais profunda penetração do poder de polícia, no campo do direito privado. É o instrumento jurídico mediante o qual o Estado se apodera do bem particular“. (Cretella)

De acordo com o Art. 22, II da CRFB/88, compete privativamente a União legislar sobre desapropriação. Assim, somente a ela desempenha tal função, não podendo afirmar que o Distrito Federal, por exemplo, é competente para tal.
Alguns imaginam que desapropriação só recai sobre bem imóveis, mas, de acordo com o que dispõe o Decreto-lei 3365/41 em seu Art. 2º , alcança todos os bens:

Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

Modalidades da Desapropriação:

Depois das noções gerais, vamos analisar as modalidades de desapropriação. São elas:

1) Desapropriação sanção urbana:
Como dito inicialmente, a propriedade deve cumprir sua função social, logo, o proprietário que abandona um imóvel, por exemplo,  pode sofrer desapropriação. Via de regra, a desapropriação deve ser paga em dinheiro, contudo, tal previsão não é absoluta. Vejamos a disposição legal trazida pelo Art. 5º:

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

Na desapropriação sanção urbana a indenização não é paga  em dinheiro e sim por meio de títulos da dívida pública cuja a emissão deve ser previamente aprovada pelo Senado, o resgate deve ser feito em até dez anos e o valor é parcelado.
Este é o entendimento esboçado pelo Art. 182,§ 4º da CRFB/88:

§ 4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Procuremos não fazer confusão com o que foi dito anteriormente sobre a competência da União, visto que, o município é competente para desapropriar, ao passo que, a União tem competência legislativa. Logo, ressalta-se que cabe aos municípios promoverem a desapropriação para viabilizar a reforma urbana.

Cabe ao proprietário promover o parcelamento, edificação ou utilização do terreno. Como vimos, a propriedade deve cumprir sua  função social. O prazo para que uma das atitudes mencionadas sejam  tomadas pelo proprietário é estabelecido pela Lei 10.257 de 2001:

Art. 8º – Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

A Lei municipal é responsável por estabelecer o parcelamento, edificação ou utilização compulsória do solo urbano que não está edificado, naquele que não está sendo utilizado ou está subutilizado. Para a Lei 10.257 a subutilização ocorre quando o imóvel tem o seu aproveitamento inferior ao mínimo definido no plano diretor.

Art. 5º – Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.
§ 1º – Considera-se subutilizado o imóvel:
I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente;

§ 2º – O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis.

2) Desapropriação sanção rural:
Tal modalidade recai sobre imóveis rurais que não cumprem sua função social, a finalidade da desapropriação é promover a reforma agrária. Assim como a desapropriação urbana, o pagamento também é feito por meio de títulos, contudo são títulos da dívida agrária e o prazo para o resgate é de no máximo vinte anos. A CRFB/88 assim disciplina:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º – As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º – O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º – Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.
§ 4º – O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.
§ 5º – São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.

Cumpre destacar que nem todas as propriedades rurais são desapropriáveis, como prevê o  Art. 185 da CRFB/88:

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II – a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.

E M E N T A: REFORMA AGRÁRIA – DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF, ART. 184) – MÉDIA PROPRIEDADE RURAL (CF, ART. 185, I) – LEI  Nº  8.629/93. A PEQUENA E A MÉDIA PROPRIEDADES RURAIS, EM TEMA DE REFORMA AGRÁRIA, SÃO CONSTITUCIONALMENTE INSUSCETÍVEIS DA DESAPROPRIAÇÃO–SANÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 184 DA CARTA POLÍTICA. A pequena e a média propriedades rurais, cujas dimensões físicas ajustem-se aos parâmetros fixados em sede legal (Lei nº 8.629/93, art. 4º, II e III), não estão sujeitas, em tema de reforma agrária (CF, art. 184), ao poder expropriatório da União Federal, em face da cláusula de inexpropriabilidade fundada no art. 185, I, da Constituição da República, desde que o proprietário de tais prédios rústicos – sejam eles produtivos ou não – não possua outra propriedade rural. Precedentes.É possível decretar-se a desapropriação-sanção, mesmo que se trate de pequena ou de média propriedade rural, se resultar comprovado que o proprietário afetado pelo ato presidencial também possui outra propriedade imobiliária rural. ( PROCESSO MS 21919 PE. RELATOR: CELSO DE MELLO. JULGAMENTO 22/09/1994. ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO).

 

Uma observação muito interessante trazida pela constituição, é o que dispõe o Art. 189. Tal previsão legal proíbe que aqueles que são beneficiados pela reforma agrária alienem o bem durante o período de dez anos. Tal medida tem caráter preventivo, assim, aqueles que são beneficiados e recebem o bem desapropriado, devem de fato tornar a terra produtiva, afim de cumprir a função social da propriedade. Evita e previne o uso do benefício como forma de enriquecimento sem causa. Vejamos o texto constitucional:

Art. 189 – Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos.
Parágrafo único -O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei.

A propriedade também pode ser retirada por meio da usucapião rural que exige apenas 5 anos de ocupação ininterrupta para gerar o direito:

Art. 191 – Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

3) Desapropriação sanção por cultivar psicotrópicos:
O cultivo de plantas psicotrópicas deve obedecer à normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde e ter por finalidade o desenvolvimento terapêutico ou científico. Por exemplo, para o desenvolvimento de pesquisas. O tema além de ser exposto na Constituição por meio do Art. 243, também é disciplinado e detalhado pela Lei 8.257 de dezembro de 1991. A referida Lei conceitua planta psicotrópica da seguinte forma:

Art. 2° Para efeito desta lei, plantas psicotrópicas são aquelas que permitem a obtenção de substância entorpecente proscrita, plantas estas elencadas no rol emitido pelo órgão sanitário competente do Ministério da Saúde.

Segundo a ANVISA,  substância proscrita é aquela cujo o uso está proibido no Brasil.
A norma constitucional foi brilhantemente severa com o proprietário que cultiva plantas psicotrópicas ilegalmente ao prevê que tais situações geram a desapropriação imediata, não concede indenização como ocorre nas modalidades de desapropriações já estudadas, além de não prejudicar as demais sanções penais:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Interessante destacar que a desapropriação gerada pelo motivo em tela, também atingirá os bens móveis. Como dito anteriormente, tais bens também são passiveis de desapropriação. Destaquemos o parágrafo único do Art. 243:

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

4)Desapropriação por motivo de utilidade pública

Certamente esta é a modalidade mais conhecida por todos. É um tipo de desapropriação que gera uma certa inquietação, pois, ao contrários das modalidades outrora estudadas, não tem caráter punitivo. Consagra o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Visa o bem da coletividade em detrimento de um indivíduo ou um grupo. Assim, a desapropriação em questão tem por finalidade a utilidade pública, o interesse social ou a necessidade pública.
A desapropriação por utilidade pública é regulada pelo Decreto-Lei 3365/41:

“Art. 2º – Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios”.

Observemos alguns pontos mais importantes do mencionado Decreto.
O primeiro ponto a se destacar é acerca da desapropriação do espaço aéreo ou do subsolo. Pasmem! Isso pode acontecer.

Os mais enérgicos podem pensar: Poxa vida, o Estado quer tomar tudo do cidadão?  Mas a interpretação que se faz do  Art. 2º § 1º é que a finalidade de tais desapropriações é justamente proteger a pessoa por ela atingida. O Estado poderia simplesmente alegar que não está tocando na propriedade para se livrar do ônus que ele suporta ao indenizar o desapropriado, contudo, se a ocupação aérea ou do subsolo geram algum prejuízo para o cidadão, o correto é aplicação da desapropriação:

§ 1º –  A desapropriação do espaço aéreo ou do subsolo só se tornará necessária, quando de sua utilização resultar prejuízo patrimonial do proprietário do solo.

Outra informação importante é que a União pode realizar a desapropriação de bens que encontram-se em domínio dos estados e municípios. Ao passo que os estados tem o poder de fazer a desapropriação de bens em domínio dos municípios, e estes últimos somente desapropriam aqueles que são da sua própria alçada: Art. 2º, § 2º – “Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa“.

O parágrafo 3º da Lei é autoexplicativo, mas não pode deixar de ser mencionado:

§ 3º É vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente da República.

Outra relevante observação é acerca do Art. 3º, pois como vimos, os entes da federação podem promover a desapropriação, mas, assim como eles, há mais dois legitimados para tal:

Art. 3º Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato.

Ponto demasiadamente importante que cumpre destacar, se refere a desapropriação por zona.

“É aquela desapropriação que abrange áreas contíguas necessárias ao desenvolvimento da obra realizada pelo Poder Público e as zonas que vierem a sofrer valorização extraordinária em decorrência da mesma obra.” (Carvalho Filho).

Tal situação está prevista no Art.4º, assim, pode ser atingida pela desapropriação, por exemplo, tanto o proprietário da área em que será erguida a construção de interesse público,quanto os seus arredores:

Art. 4º  A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda.

Não esqueça um detalhe que é de suma importância, o imóvel desapropriado deve cumprir aquilo que foi dito como justificativa para a sua desapropriação, visto que o direito de propriedade é um direito fundamental. Como os demais direitos inseridos em tal patamar, não é absoluto, mas deve ser respeitado ao máximo e só tocado em caso de real necessidade e observando a previsão legal.

Nesse diapasão, digamos que o bem da Sra. Maria Joaquina  foi atingido pela  desapropriação sob justificativa de construção de uma creche.
creche Muito chateada, dona Maria aceita, pois não tem outro jeito, o que a consola é saber que as crianças do bairro terão um local seguro para ficar. Meses depois, ao passar toda saudosa em frente sua antiga residência , percebe que não há cheche alguma funcionando no local. Foi curiar de perto e percebeu que sua antiga residência virou um ponto de encontros periódicos do prefeito com as “primas”.

Não resta dúvidas de que a função social da propriedade não está sendo cumprida e que o desapropriação não teria motivo para acontecer.

Observemos o exposto por Celso Ribeiro Bastos:

“O apossamento irregular do bem imóvel particular pelo Poder Público, uma vez que não obedeceu ao procedimento previsto pela lei. Esta desapropriação pode ser impedida por meio de ação possessória, sob a alegação de esbulho. Entretanto a partir do momento em que a Administração Pública der destinação ao imóvel, este passa a integrar o patrimônio público, tornando-se insuscetível de reintegração”.

Como de costume, é aconselhável que as leis, decretos e artigos da Constituição aqui citados, sejam lidos com atenção, uma vez que, o tema é presença garantida em diversas provas de concurso público. Então, não perca tempo, aprofunde-se e gabarite mais um item do seu edital.

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