sexta-feira,29 março 2024
ContraditórioDependência Química e Neurose Obsessiva

Dependência Química e Neurose Obsessiva

Dependência Química e Neurose Obsessiva.
EGO (Eu) – Instância que Freud, na sua segunda teoria do aparelho psíquico, distingue do id e do superego.

Do ponto de vista tópico, o ego está numa relação de dependência quanto ás reivindicações do id, bem como quanto aos imperativos do superego e ás exigências da realidade. Embora se situe como mediador, encarregado dos interesses da totalidade da pessoa, sua autonomia é apenas inteiramente relativa.

Do ponto de vista dinâmico, o ego representa eminentemente no conflito neurótico o polo defensivo da personalidade; põe em jogo uma série de mecanismos de defesa, estes motivados pela percepção de um afeto desagradável (sinal de angustia).

 

neurose Do ponto de vista econômico, o ego surge como uma fator de ligação dos processos psíquicos; mas, nas operações defensivas, as tentativas de ligação da energia pulsional são contaminadas pelas características que especificam o processo primário: assumem um aspecto compulsivo, repetitivo, desreal.

A teoria psicanalítica procura explicar a gênese do ego em dois registros relativamente heterogêneos, quer vendo nele um aparelho adaptativo, diferenciado a partir do id em contato com a realidade exterior, quer definindo-o como o produto de identificações que levam a formação no seio da pessoa de um objeto de amor investido pelo id.

Relativamente à primeira teoria do aparelho psíquico, o ego é mais vasto do que o sistema pré-consciente – consciente, na medida em que as suas operações defensivas são em grande parte inconscientes.

De um ponto de vista histórico, o conceito tópico do ego é o resultado de uma noção constantemente presente em Freud desde as origens de seu pensamento.

(Vocabulário de Psicanálise, Laplanche e Pontalis, páginas 171 e 172).

 

Quem leu Anfitrião?

Vai-se tratar, hoje, do eu. Esta questão do eu, nós estamos abordando este ano, por um lado diferente daquele pelo qual a havíamos tomado no ano passado. No ano passado, nós a havíamos evocado a propósito do fenômeno da transferência. Este ano, estamos tentando entende-la com relação à ordem simbólica.

O homem vive no meio de um mundo de linguagem, no qual ocorre este fenômeno que se chama a fala. Consideramos que a análise se dá neste meio aí. Se a gente não situar bem este meio aí com relação aos outros, que também existem, o meio real, o meio das miragens imaginárias, a gente faz com que a análise decline quer em direção ás intervenções que incidem sobre o real – armadilha na qual só se cai raramente, quer, pelo contrário, realçando o imaginário de maneira, a nosso ver, indevida. Isto nos leva, hoje, ao fio da meada, á peça de Molière, Anfitrião.

{…}

 

2

 

É um fato que foi Plauto quem introduziu Sósia – os mitos gregos não são êuicos. Mas os eus existem, e há um lugar em que os eus têm a palavra da maneira mais natural, é na comédia. E é um poeta cômico – o que não quer dizer engraçado, penso que alguns de vocês já refletiram sobre este ponto – quem introduz esta novidade essencial, inseparável daí em diante do mito de Anfitrião, Sósia.

Sósia é o eu. E o mito lhes mostra como se comporta, no dia a dia, este euzinho boa praça, bonzinho, que nem vocês e eu, e que parte toma ele no banquete dos deuses – uma parte bastante singular, já que ele se acha sempre um pouco excisado de seu próprio gozo. O lado irresistivelmente cômico que se acha no fundo disso tudo nunca cessou de alimentar o teatro – no final das contas, trata-se sempre de mim, de ti e do outro.

Pois bem, como é que o tal do eu se comporta?  Na primeira vez em que o eu surge no nível deste drama, ele se encontra a si mesmo diante da porta sob a forma daquilo que ficou sendo para a eternidade Sósia, o outro eu.

Vou ler-lhes uns pequenos trechos porque é preciso ter isso no ouvido. Na primeira vez em que o eu aparece ele encontra o eu.

E eu quem? Eu, que te boto para fora. É disto que se trata, e é nisto que a comédia de Anfitrião é deveras exemplar. Basta apanhar umas amostras, aqui e acolá, estudar o próprio estilo e a linguagem, para dar-se conta de que aqueles que introduziram este personagem fundamental sabia do que se tratava.

Em Plauto, onde pela primeira vez entra em cena este personagem, a coisa se dá sob a forma de um diálogo na noite, cujo caráter empolgante e simbólico, numa acepção do termo que é preciso pôr entre aspas, vocês poderão apreciar no texto.

Estes personagens representam conforme a tradição do aparte, tão frequentemente mal desempenhada no jogo dos atores – dois personagens que se acham juntos no palco, proferem falas que valem, cada uma, pelo seu caráter de eco ou de quiproquó, o que é a mesma coisa, caráter que este assume a partir das falas que o outro emite independentemente. O aparte é essencial para a comédia clássica (para a briga de casal também). Ele se acha aí no seu grau mais extremo.

Não pude deixar de pensar nisto no outro dia ao assistir ao teatro chinês, onde aquilo que é levado ao extremo se acha no gesto. Essa gente fala chinês e nem por isso vocês deixam de ficar empolgados com tudo que eles mostram. Durante mais de quinze minutos – tem-se a impressão que isso dura horas – dois personagens se deslocam no mesmo palco dando-nos realmente a impressão de estarem em dois espações diferentes. Com uma destreza acrobática, eles passam literalmente um através do outro. Estes seres se atingem a cada instante por intermédio de um gesto que não poderia deixar de acerta o adversário, e que, no entanto, o evita, porque ele já está em outro lugar. Esta demonstração realmente sensacional sugere-lhes o caráter miraginário do espaço, mas restitui-lhes igualmente essa característica do plano simbólico – nunca há encontro que seja um choque.

É justamente algo desse gênero que ocorre no drama, e especialmente na primeira vez em que Sósia intervêm na cena clássica.

Sósia chega e encontra com Sósia.

– Quem vem lá?

– Eu.

– Eu, quem?

Eu. Coragem, Sósia, diz ele para consigo mesmo, pois este, claro, é o verdadeiro, não está sossegado.

– Qual é a tua sina? Diga-me

– De ser homem e de falar. Eis aí alguém que não havia ido aos seminários, mas que traz a marca da fábrica.

– És amo ou criado?

Como me apraz. Isso é tirado diretamente do Plauto, e é uma belíssima definição do eu. A posição fundamental do eu frente à sua imagem é efetivamente esta inversibilidade imediata da posição de amo e de criado.

– Para onde se dirigem seus passos?

– Para onde tenho intuito de ir …

E a coisa continua –

– Ah, isto me desagrada.

– Pois muito me encanta, diz o imbecil, que naturalmente está prevendo que vai levar um tabefe e já está fazendo farol.

Na peça de Molière, Sósia aparece em primeiríssimo plano, diria até mesmo que só se trata dele, é ele quem abre a cena, logo após o diálogo de Mercúrio, que está preparando a noite de Júpiter. Ele vai chegando, o Sosiazinho boa – praça, com a vitória de seu amo. Pousa a lanterna, diz – Eis Alcmena, e começa a narrar-lhe as proezas de Anfitrião. É o tipo de homem que imagina que o objeto de seu desejo, a paz de seu gozo, depende de seus méritos. É o homem do supereu, aquele que quer eternamente elevar-se à dignidade dos ideias do pai, do amo, do senhor, e que fica imaginando que alcançará, desse jeito, o objeto de seu desejo.

Porém jamais Sósia conseguirá fazer-se ouvir por Alcmena, porque a sina do eu, por sua própria natureza, é de encontrar sempre diante de si seu reflexo, que o despoja de tudo o que quer alcançar. Essa espécie de sombra, que é ao mesmo tempo rival, amo e senhor, por vezes escravo, separa-o essencialmente daquilo que se trata, isto é, do reconhecimento do desejo.

A respeito disso, o texto latino tem fórmulas empolgantes durante este diálogo impagável em que Mercúrio, a tapas, coage Sósia a abandonar sua identidade, a renunciar a seu próprio nome. E assim, como Galileu diz – E no entanto a terra gira! – Sósia volta incessantemente a isto – No entanto sou Sósia, e ele diz esta fala maravilhosa – Por Pólux, tu me alienabis nunquam, nunca me farás outro, qui noster sum, que sou nosso. O texto latino indica perfeitamente a alienação do eu e o apoio que ele encontra no nós, no fato de pertencer à ordem na qual seu amo é um grande general.

Chega Anfitrião, o amo real, aquele que responde por Sósia, seu fiador, aquele que vai restabelecer a ordem. O que é notável é justamente que Anfitrião vai ser tão logrado, tão burlado, quanto o próprio Sósia. Ele não entende nada do que lhe conta Sósia, isto é, que ele encontrou um outro eu.

– A que paciência é preciso que exorte a mim mesmo!

– Mas enfim, não entraste na casa?

– Pois, entrar. Ora, de que jeito?

– Como assim?

– Com um cacete de que as costas.

………………

– E quem foi?

– Eu.

– Tu, bateres-te?

– Não o eu daqui.

 – Mas o eu lá de casa que espanca

… recebi testemunhos disto.

 – Aquele diabo daquele eu surrou-me como se deve.

………………..

– Eu, já lhe disse.

– Quem eu?

– Este eu que me moeu com pancadas.

dependencia quimica

E então, Anfitrião moe com pancadas o infeliz Sósia. Em outros termos, ele lhe analisa a transferência negativa. Ele lhe ensina o que um eu tem de ser. É preciso que reintegre no seu eu suas propriedades de eu.

Cenas picantes e inenarráveis. Eu poderia multiplicar as citações que mostram sempre a mesma contradição no sujeito entre o plano simbólico e o plano real. É que Sósia acabou, efetivamente, duvidando que era este eu, quando Mercúrio lhe contou algo particularíssimo – o que ele fez  no momento em que ninguém o via. Sósia, espantado diante do que Mercúrio lhe revela sobre seu próprio comportamento, começa a ceder um bocado.

– E de mim, começo francamente a duvidar …

Isto também é altamente notável no texto latino.

– Assim como reconheço a minha própria imagem, que vi frequentemente no espelho, in speculum.

E enumera as características simbólicas, históricas de sua identidade, como em Molière. Mas a contradição estoura, que também está no plano imaginário. – Equidem certo idem qui semper fuit, sou por certo o mesmo que sempre foi. E aí, apelo aos elementos imaginários de familiaridade com os deuses. Por certo já vi esta casa, é de fato a mesma – recorre a certeza intuitiva, suscetível, no entanto, de discordar. O já-vista, o já-reconhecido, o já-experimentado entram muitas vezes em conflito com as certezas que se depreendem da rememoração e da história. Alguns vêem nos fenômenos da despersonalização sinais premonitórios de desintegração, quando, no entanto, não é absolutamente necessário ser predisposto à psicose para ter experimentado mil vezes sensações semelhantes, cuja mola se acha na relação do simbólico com o imaginário.

No momento em que Sósia afirma seu desarvoramento, seu desapossamento, Anfitrião lhe faz um psicoterapia de apoio. Não vamos dizer que Anfitrião esteja na posição do psicanalista. Vamos, contentarmos em dizer que ele pode estar sendo simbólico disto, dado que na relação a seu objeto – se é que o objeto de seu amor, sua princesa longínqua, é a psicanálise – o psicanalista se acha nesta posição, digamos para ser bem educados, exilada, que é de Anfitrião diante de sua própria porta. Mas a vítima dessa cornudagem espiritual é o paciente.

 

3

 

Cada um acredita – e deus sabe que disto tive testemunhos – ter atingido o mais fundo da experiência analítica por ter tido algumas fantasias de Verliebtheit, de enamoração, pela pessoa que lhe abre a porta quando chega no seu analista – não é um testemunho raro de se ouvir, ainda que eu esteja aqui referindo-me a casos muito particulares. Em seu encontro com esta pretensa experiência analítica, o sujeito vai ser fundamentalmente desapossado e burlado.

No diálogo comum, no mundo da linguagem estabelecida, no mundo do mal-entendido comumente recebido, o sujeito não sabe o que diz – a cada instantes, o simples fato de falarmos prova que não o sabemos. O próprio fundamento da análise é, efetivamente, que dizemos mil vezes mais do que seria necessário para que nos cortassem a cabeça.

O que dizemos, não o sabemos, porém o endereçamos á alguém – alguém que é miraginário e provido de um eu. Devido a propagação da fala na linha reta, de que lhes falava da última vez, temos a ilusão de que esta fala vem dali onde situamos o nosso próprio eu, separado o justo título, no esquema que deixei em suspenso da última vez, de todos os outros eus.

Como Júpiter de Giradoux faz notar, no momento em que tenta saber por Mercúrio o que são os homens – o homem é esse personagem que fica o tempo todo perguntando a si mesmo se ele existe. Ele tem toda razão, e só comete um engano, é o de responder sim. O privilégio do seu eu, com relação a todos os outros, é de ser o único que o homem esteja seguro que exista quando ele se interroga – e deus está de prova de quanto ele se interroga. Fundamentalmente, ele está aí, sozinho. E é por ser deste eu que a fala é recebida, que o sujeito cultiva a doce ilusão de que este eu está numa posição única.

Se o analista acreditar que deva responder daqui, a’, (o pequeno outro, posição imaginária) ele ratifica a função do eu, que é justamente aquela por intermédio da qual o sujeito se acha desapossado de si mesmo. Diz-lhe – Entra de volta no teu eu, ou melhor – Faz nele entrar de volta tudo o que dele deixas escapar. Estes miúdos que estavas enumerando quando te achavas na presença do outro Sósia, reintegra-os agora, come-os. Reconstitui-te na plenitude dessas pulsões que desconheces.

Mas não é disto que se trata. Trata-se do sujeito aprender o que diz, o que fala daqui, S (posição de sujeito do inconsciente, de ordem simbólica,) e para isto, trata-se de dar-se conta do caráter fundamentalmente imaginário daquilo que se diz a partir daqui quando é evocado o Outro absoluto transcendente, que há na linguagem cada vez que um fala tenta ser emitida.

Tomemos o caso concreto do obsessivo. A incidência mortal do eu acha-se nele levada ao máximo. Não existe, por detrás do obsessivo, como determinados teóricos dizem para vocês, o perigo da loucura, o símbolo desenfreado. O sujeito obsessivo não é o esquizoide que, de certa maneira, fala diretamente no nível de suas pulsões. É o eu, dado que ele mesmo carrega seu desapossamento, é a morte imaginária. Se o obsessivo se mortifica é porque, mais do que um outro neurótico, apega-se ao seu eu, o qual carrega em si o desapossamento e a morte imaginária.

E por que? O fato é evidente – o obsessivo é sempre um outro. Seja o que for que ele contar para vocês, sejam quais forem os sentimentos que lhes trouxer é sempre os de um outro que não ele mesmo. Essa objetalização de si mesmo não é devida a uma tendência ou um dom introspectivo. É na medida em que evita seu próprio desejo que todo desejo pelo qual enveredar, nem que seja aparentemente, ele o apresentará como sendo o desejo deste outro ele mesmo que é o seu eu.

Será que não se vai no mesmo sentido que ele quando se pensa em reforçar o seu eu? Em permitir-lhe suas diversas pulsões, e sua oralidade, e sua analidade, e seu estádio oral tardio, e seu estádio anal primário? Em lhe ensinar a reconhecer o que quer, e que já se sabe desde o início, a destruição do outro? E como é que não seria a destruição do outro, já que se trata de sua própria destruição, o que é exatamente a mesma coisa?

Antes de lhe permitir reconhecer a agressividade fundamental que ele dispersa e refrata sobre o mundo, e que estrutura todas as suas relações objetais, é preciso fazer-lhe entender qual é a função desta relação mortal que cultiva consigo mesmo, e que faz com que, logo que um sentimento é seu, comece por anulá-lo. Se o obsessivo lhes disser que não faz questão de algo ou de alguém, podem pensar que ele tem muito apego por isso. Ali onde se expressa com a maior frieza, é ali que seus interesses estão empenhados ao máximo.

Fazer com que o obsessivo se reconheça a si mesmo na imagem decomposta que ele nos apresenta de si mesmo sob a forma mais ou menos espraiada, degradada, afrouxada, de suas pulsões agressivas, é sem dúvida essencial, mas não é nesta relação dual consigo mesmo que se acha a chave do tratamento. A interpretação de sua relação mortal consigo mesmo só pode ter alcance se vocês fizerem entender a função dela.

Não é nem para si mesmo, nem realmente, que ele está morto. Para quem ele está morto? Para aquele que é seu senhor. E em relação a quê? Em relação ao objeto de seu gozo. Ele apaga seu gozo para não despertar a cólera de seu senhor. Mas, por outro lado, se está morto, ou se apresenta como tal, não está mais ali, é um outro que que não ele que tem um senhor, e, inversamente, ele próprio tem um outro senhor.    Por conseguinte, ele está sempre alhures. Como desejante, ele se desdobra, indefinidamente numa série de personagens, de quem os Fairbairn fazem, maravilhados, a descoberta. Dentro da psicologia do sujeito, há, repara Fairbairn, muito mais do que os três personagens de que Freud nos fala, id, superego e ego, há sempre ao menos dois outros que aparecem pelos cantos. Mas pode-se encontrar ainda outros, como num espelho de aço – se vocês forem olhar atentamente, não há apenas uma imagem, porém uma segunda, que se desdobra, e se o aço do espelho for bastante espesso, haverá uma dezena, uma vintena, uma infinidade. Da mesma maneira, na medida em que o sujeito se anula, se mortifica diante de seu senhor, ele ainda é um outro, já que ele está sempre aí, um outro com um outro senhor e um outro escravo, etc. O objeto de seu desejo, como mostro em meu comentário sobre O Home dos Ratos, assim como a partir de minha experiência vizinha de Poesia e Verdade, sofre igualmente um desdobramento automático. Aquilo do qual o obsessivo faz questão é sempre outro, pois se ele o reconhecesse deveras estaria sarado.

A análise não progride, como nos afirmam, através de uma espécie de auto-observação do sujeito, fundamentada no famoso splitting, o desdobramento do ego que seria fundamental na situação analítica. A observação é uma observação de observação, e assim por diante, o que apenas faz com que se perpetue a relação fundamentalmente ambígua do eu. A análise progride através da fala do sujeito na medida em que ela vai para além da relação dual, e não encontra, então, nada mais, a não ser o Outro absoluto, que o sujeito não sabe reconhecer. É progressivamente que ele deve reintegrar em si esta fala, ou seja, falar enfim com o Outro absoluto dali onde ele se acha, dali onde seu eu deve realizar-se, reintegrando a decomposição paranoide de suas pulsões das quais não basta dizer que nelas ele não se reconhece – fundamentalmente, na sua qualidade de eu, ele as desconhece.

Em outros termos, o que Sósia tem de aprender, não é que ele nunca encontrou seu sósia – é absolutamente verdadeiro que o encontrou. Ele tem de aprender que ele é Anfitrião, o homem cheio de glória que não entende nada de nada, nada daquilo que se deseja, que acredita que basta ser um general vitorioso para fazer amor com sua mulher. Este homem, fundamentalmente alienado, que nunca encontra os objetos de seus desejos, tem de dar-se conta de por que ele tem fundamentalmente apego por este eu, e de que maneira este eu constitui sua alienação fundamental. Ele tem de dar-se conta desta congeminação profunda, que também é uma das perspectivas essenciais de Anfitrião, e em dois planos – o destes sósias que se miram um no outro, o dos deuses. De um duplo amor Alcmena engendra um duplo fruto. Alcmena está muito mais presente em Plauto – com o passar do tempo adquirimos um pudor que nos impede de ir longe nas coisas.

Através dessa demonstração dramática, quando não psicodramática, em que consiste, ao menos para nós, o mito de Anfitrião, quis tornar-lhes sensível hoje o quanto os problemas vivos que nos colocamos inscrevem-se no registro de um pensamento tradicional. Mas isto não me impede de aconselhá-los a ir procurar os testemunhos da ilusão psicologista que denuncio a vocês nos próprios escritos dos autores que a sustentam. Vocês tem um exemplo lindíssimo disto neste Fairbairn de quem lhes falava outro dia.

(O Seminário – Livro 2 –  O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da Psicanálise – Capítulo XXI – páginas 325 e seguintes – 8 de junho de 1955 – J. Lacan)

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