sexta-feira,19 abril 2024
ColunaDiálogos ConstitucionaisDemocracia e Banalidade: De Atenas a Hannah Arendt

Democracia e Banalidade: De Atenas a Hannah Arendt

Em época de tumultuada eleição é preciso voltar ao tempo, para a história que nunca mente.

Muito se fala sobre a democracia ateniense, de como os cidadãos patrícios se reuniam nos concílios e deliberam junto com os senadores as decisões envolvendo o apoio ou rechaço de guerra, investimentos, pagamentos, enfim, assuntos de interesse local.

Mas pouco se fala sobre os bastidores. Quem participava da democracia de Atenas não era o povo, mas os patrícios, os cidadãos, aqueles que possuíam elevada posição social.

Escravos, mulheres e estrangeiros não poderiam participar nas instituições democráticas.

A democracia grega – nos moldes acima – foi abalada com a conquista da Grécia por Alexandre, o Grande, dando conta do trabalho iniciado por Rei Filipe, o Macedônio. Na nova era, os decretos, embora discutidos, caminhavam no sentido dos desígnios do monarca e de seus magistrados.

Aqui, não confundir magistrado com juiz, como conhecemos. Os magistrados eram detentores de parcela de representação do monarca, similar à função atual de ministros.

Em sua obra, “O que é política?”, Hannah Arendt destaca que a política nada mais é senão forma de organização de poder de uns sobre os outros, uma organização administrativa da sujeição ao poder do império, monarca ou à vontade da maioria.

E no Brasil?

Longe do século VI a.C., no Brasil a democracia com participação popular surgiu apenas no ano 1891 com a Constituição da República em substituição ao modelo imperial vigente até então pela Carta de 1824.

Um adendo. Democracia possui ambiguidade. Kratos significa soberania, poder. Já Demos seria a totalidade dos cidadãos, não necessariamente todos (excluídos pobres, escravos e mulheres). É dizer, pode-se compreender a democracia histórica como o poder do povo sobre as minorias ou simplesmente como a soberania popular. A diferença é sensível e não pode ser ignorada.

O artigo 47 da Constituição de 1891 dispunha que “art. 47 – O Presidente e o Vice-Presidente da República serão eleitos por sufrágio direto da Nação e maioria absoluta de votos”. A primeira eleição no Brasil realizou-se em 1º de março de 1894.

Na disputa pela Presidência da República estavam Prudente de Moraes e Afonso Pena. Prudente recebeu 82,9% dos votos e tomou posse no dia 15 de novembro, dois anos após a proclamação da República.

Contudo, apenas em 1932 com o Decreto 21.076 de 24 de fevereiro é eliminada toda sorte de restrição ao voto, a partir do qual as mulheres puderam livremente participar do processo eleitoral.

Como se vê, foram séculos de batalha e disputa para que o cidadão conseguisse incluir entre o rol de suas garantias no pacto contratual social o direito de eleger o seu representante, sem qualquer discriminação.

Independentemente do candidato do eleitor e de qual o cargo a ser ocupado, não se pode descurar a estrutura histórica por trás do voto que envolve não apenas a eleição em si, o ato do sufrágio, mas toda a composição organizacional da estrutura administrativa do Estado.

O Estado nada mais é do que a organização político-administrativa de uma sociedade, com ela tudo e todos estão e são envolvidos nos processos micro e macro de tomada de decisões executivas pelo Chefe do Poder.

O Presidente da República não atua isoladamente, ou melhor, praticamente nada atua, senão através de Ministros e dirigentes dos poderes que são por ele nomeados, assim, ao escolher o candidato deve-se ter em mira sua interlocução, seus pares e apoiadores.

Compete ao Presidente da República comandar as Forças Armadas e nomear os Comandantes da Aeronáutica, Exército e Marinha; convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional; nomear os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, o Procurador-Geral da República, o presidente e diretores do Banco Central, após aprovação pelo Senado Federal; nomear os Ministros do Tribunal de Contas da União e o Advogado-Geral da União; além de extinguir suas funções.

Hannah Arendt ao descrever a narrativa do julgamento de Adolf Eichmann perante a Corte de Jerusalém elucida a forma como um detentor direto do poder de comando de Hitler, um magistrado no termo grego, tornou-se um mero executor de ordens previstas em enunciados legais aprovados pelo Führer.

Leis que foram aprovadas e introduzidas em 15 de Setembro de 1935 pelo Reichstag como a Lei de Proteção do Sangue e Honra Alemã.

Assim, a diferença entre o permitido e o proibido não é de natureza, mas de forma, não é de conteúdo, mas de procedimento. Entre ser proibido e ser permitido basta a aprovação por meio de ato do governo.

Exorta Hannah Arendt nas últimas páginas de sua monumental obra:

Resta, porém, um problema fundamental, que está implicitamente presente em todos esses julgamentos pós-guerra e que tem de ser mencionado aqui porque toca uma das grandes questões morais de todos os tempos, especificamente a natureza e a função do juízo humano. O que exigimos nesses julgamentos, em que os réus cometeram crimes “legais” é que os seres humanos sejam capazes de diferenciar o certo do errado mesmo quando tudo o que têm para guiá-los seja apenas seu próprio juízo, que, além do mais, pode estar inteiramente em conflito com o que eles devem considerar como opinião unânime de todos a sua volta. E essa questão é ainda mais séria quando sabemos que os poucos foram suficientemente “arrogantes” para confiar em seu próprio julgamento não eram, de maneira nenhuma, os mesmo que continuavam a se nortear pelos velhos valores, ou que se nortearam por crenças religiosas. Desde que a totalidade da sociedade respeitável sucumbiu a Hitler de uma forma ou de outra, as máximas morais que determinam o comportamento social e os mandamentos religiosos –“Não matarás!” – que guiam a consciência virtualmente desapareceram (Einchman em Jerusalém).

O que guia a moral do detentor do poder? Do nomeado pelo Presidente da República? A moral que possuía antes – ou se não possuía – ou a moral formal-burocrata prevista na lei? A pergunta é simples, quando ecoa a vontade do representante é mais confortável ao subordinado observá-la ou rechaçá-la?

Essa foi a questão com a qual Hannah Arendt deparou-se em Jerusalém, frente à serenidade de Einchmann como alguém que narrava não o cometimento de genocídio, mas apenas a obediência servil ao governo e às leis aprovadas.

Em tempos de transição é preciso olhar o passado, para que com o voto as pessoas (todos, não apenas o povo que é o numeral composto por cidadãos eleitores) não validem o ingresso de estrutura de poder que flerte com absolutismos formais como meio de perseguição e eliminação de direitos.

É preciso fugir da corrupção e do ódio.

Cristiano Quinaia

Mestre em Direito - Sistema Constitucional de Garantia de Direitos (Centro Universitário de Bauru). Especialista LLM em Direito Civil e Processual Civil. Advogado.

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