quinta-feira,28 março 2024
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É possível uma decisão que declara a greve legal frustrar o direito ao exercício da greve? #Parte 02

Coordenador: Ricardo Calcini.

 

Em nossa coluna anterior (clique aqui), iniciamos nosso diálogo sobre o exercício do direito de greve. Em início, apresentei para você, que nos acompanha, os contornos do direito de greve e,naquele primeiro momento, fechamos nossa conversa com as seguintes premissas:

  1. A greve é um instituto jurídico de direito coletivo do trabalho que se presta a otimizar, via pressão da classe dos trabalhadores sobre os tomadores dos serviços, o processo negocial coletivo, com vistas a melhoria do patamar civilizatório mínimo dos trabalhadores envolvidos.
  2. A greve é um direito que precisa ser exercido e, em que pese possuir assento constitucional, seu exercício é limitado, por um lado, pela cláusula geral e boa fé e lealdade negocial e, por outro lado, pela legalidade exigida para a deflagração do procedimento;
  3. A greve é um direito que deve ser exercido através dos sindicatos, enquanto entidades de direito coletivo.

 

Para nossa coluna deste mês, e a segunda parte desta nossa conversa, irei tratar sobre como ocorre o controle jurisdicional do direito de greve e, já me antecipando, como este controle vem sendo exercido nas atividades essenciais à comunicada.

Deste modo, para esta segunda parte de nossa contribuição ao Portal Megajurídico, estarei escrevendo o 02 segundo texto de uma série de 03 textos curtos que apresentarão para você, minhas considerações sobre o direito de greve, seu controle jurisdicional e, na nossa futura 03 e última parte, como a atuação da Justiça do Trabalho pode, por vezes, sufocar a manutenção do movimento paredista.

 

Assim, como a categoria dos trabalhadores deve exercer o direito de greve? O que são os serviços ou atividades essenciais?

 

Primeiramente, a categoria dos trabalhadores deve, antes de exercer seu direito de greve, proceder a regular negociação coletiva, ou seja, a tentativa de solução do conflito por meio da autocomposição. A ideia contida nesta diretriz é possibilitar às partes envolvidas compor seus interesses, sem a intervenção do Estado. Não à toa, a Orientação Jurisprudencial nº 11 da SDC do TST consolidou a conclusão de que “[…] é abusiva a greve levada a efeito sem que as partes hajam tentado, direta e pacificamente, solucionar o conflito que lhe constitui o objeto”.

Vencida a tentativa de negociação, e sendo esta infrutífera, compete à Assembleia-Geral da categoria decidir, após devidamente convocada por editais de pauta específica, deliberar sobre a greve, conforme o estatuto da entidade, seguindo a previsão legal contida no art. 4º da Lei Federal nº 7.783/1989.

Neste ponto, é de bom tom recordarmos: a legitimidade para o exercício do direito de greve é do sindicato obreiro. Na ausência deste, a legitimidade é da federação e, na ausência desta última, da confederação. Na falta de entidade sindical, admite-se a “comissão de negociação”, conforme os arts. 4.°, §2°, e 5°, Lei 7.783/1989.

No ponto da deliberação da Assembleia Geral sindical quanto à greve, cabe uma curiosidade interpretativa (com a qual, este articulista que vos fala, não concorda): o TST entendeu que, antes do exercício do direito de greve, as categorias obreira e patronal deveriam decidir se continuam sua lide, agora, através do dissídio coletivo de greve, interpretando o art. 114, inciso II, da Carta Constitucional da República, com redação determinada pela Emenda Constitucional 45/2004 no sentido de que, ao estabelecer a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações que envolvam exercício do direito de greve, o constituinte reformador reconheceu a legitimidade das entidades sindicais, para provocar a solução judicial do conflito coletivo, antes do início da greve.

Deste modo, a SDC do TST, fixou o seguinte precedente: “[…] malograda a negociação coletiva, inviabilizada a busca da solução da lide pela via judicial, em face da não concordância do suscitado com o ajuizamento do feito, e, ainda, admitir a legitimidade exclusiva do segmento econômico para, unilateralmente, ajuizar o dissídio coletivo de greve, com pedido de abusividade do movimento, geraria uma situação de extrema dificuldade para os trabalhadores, além de afronta ao princípio da isonomia” (TST, SDC, RODC 6800-05.2008.5.23.0000, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT 23.04.2010).

Veja-se que o referido precedente fixa um posicionamento que obriga a busca pela solução jurisdicional do conflito social, da lide, em detrimento dos meios extrajudiciais e através do mecanismo legal fixado na Lei Federal nº 7.783/1989, o que me dá uma desautorizada possibilidade de concluir que o TST entende que a solução privada do conflito, sem a mediação do dissídio coletivo de greve, é algo que não se deve permitir, via de regra.

Guardem este ponto quanto a interferência do Poder Judiciário no exercício do direito de greve.

Continuando, decidia pela Assembleia Geral sindical pela greve, a categoria deverá dar o aviso prévio de greve. O art. 3°, parágrafo único, Lei Federal nº 7.783/1989, prevê que a greve deve ser pré-avisada com uma antecedência mínima de 48 horas, com a competente notificação do sindicato patronal ou dos empregadores diretamente aos interessados, e, se em serviços ou atividades essenciais, a antecedência mínima deve ser de 72 horas.

Os serviços ou atividades essenciais”, conforme previstos no art. 9°, § 1°, CF/1988, encontram-se exemplificados no art. 10 da Lei Federal nº 7.783/1989.

Veja-se quais são eles, em lista:

 

  • tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
  • assistência médica e hospitalar;
  • distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
  • funerários;
  • transporte coletivo;
  • captação e tratamento de esgoto e lixo;
  • telecomunicações;
  • guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
  • processamento de dados ligados a serviços essenciais;
  • controle de tráfego aéreo;
  • compensação bancária.

 

O art. 11 do mesmo diploma legal estabelece regra para garantir, quanto aos mencionados serviços ou atividades essenciais, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Mais uma vez, o TST, através da Orientação Jurisprudencial nº 38 da SDC, consolidou entendimento de que “[…] é abusiva a greve que se realiza em setores que a lei define como sendo essenciais à comunidade, se não é assegurado o atendimento básico das necessidades inadiáveis dos usuários do serviço, na forma prevista na Lei 7.783/1989”.

De um lado, referida conclusão da SDC encontra respaldo na articulação entre a ideia de que há os serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9°, § 1°, CF/1988), e a regra contida no art. 11 da Lei Federal nº 7.783/1989, referindo-se à sobrevivência, saúde, segurança da população. Nesses casos, caberá ao Poder Público atender a tais necessidades, providenciando a prestação dos serviços indispensáveis, se os empregadores e os trabalhadores descumprirem o dever de, em consenso, garantir durante a greve esse atendimento das necessidades inadiáveis (art. 12 da Lei 7.783/1989).

Por outro lado, referida conclusão da SDC encontra respaldo no art. 9° da Lei Federal nº 7.783/1989 que exige que sejam assegurados os serviços cuja paralisação resulte em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, e a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.

Veja bem você: e de onde surgiram aqueles percentuais de manutenção de quantitativos de pessoal em atividade que, vez por outra, ouvimos falar e lemos em algumas decisões no âmbito de ações judiciais de dissídio coletivo de greve?

 

Quais são os direitos e deveres das categorias envolvidas durante a greve?

 

O art. 6° da Lei Federal nº 7.783/1989 prevê os principais direitos e deveres dos envolvidos com o movimento de paredista. Isto que dizer que, como vimos na coluna anterior, as partes envolvidas devem se pautar, em todas as suas condutas, pela boa fé, fundada, em princípio, nestes direitos e deveres:

De um lado, são direitos dos que exercem o direito de greve:

  1. o emprego de meios pacíficos, tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;
  2. a arrecadação de fundos para sustentar o movimento de greve, durante os dias de paralisação;
  3. a livre divulgação do movimento.

 

Por outro lado, são deveres dos que exercem o direito de greve:

  1. exige-se a observância dos direitos e garantias fundamentais de outrem;
  2. é vedado à empresa adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho e capazes de frustrar a divulgação do movimento;
  3. as manifestações e atos de persuasão não podem impedir o acesso ao trabalho, nem causar ameaça ou dano à propriedade.

 

E, acresça-se a necessidade o que acabei de fixar para vocês: nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11 da Lei de Greve).

 

E quando uma greve é considerada abusiva/ilegal?

 

Primeiramente, será considerada abusiva/ilegal, o movimento paredista que não observe os direitos e deveres básicos estabelecidos no estatuto geral do direito de greve.

Ainda, referidos direitos encontram amparo no princípio da boa fé objetiva, que orienta os particulares a agirem buscando evitar os abusos que podem ser cometidos durante a greve, ao passo que sujeita os responsáveis pelo abuso ou exercício irregular do direito de greve, às penas apropriadas.

Este pensamento, anterior ao Código Civil de 2002, e por ele mantido, tem respaldo no seu art. 187, que considera ato ilícito o exercício de um direito exercido manifestamente fora dos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Mais uma vez, o TST, através da SDC, fixou a Orientação Jurisprudencial nº 38, com a seguinte redação: “Greve. Serviços essenciais. Garantia das necessidades inadiáveis da população usuária. Fator determinante da qualificação jurídica do movimento. É abusiva a greve que se realiza em setores que a lei define como sendo essenciais à comunidade, se não é assegurado o atendimento básico das necessidades inadiáveis dos usuários do serviço, na forma prevista na Lei 7.783/1989”.

Ainda, é considerada abusiva/ilegal a greve que não cesse após a firma do instrumento coletivo negociado ou o advento de sentença normativa, conforme previsto no art. 14 da Lei Federal nº 7.783/1989 (a inobservância das determinações desse diploma legal, a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou sentença normativa, são caracterizadas como abuso do direito de greve).

No ponto, entendia ao TST que não se justificava a manutenção do movimento paredista, após a conclusão do processo negocial, com ou sem intervenção do Poder Judiciário, porque a ordenamento legal vigente assegura a via da ação de cumprimento para as hipóteses de inobservância de norma coletiva em vigor, conforme previu a conclusão externada na Orientação Jurisprudencial nº 1 da SDC do TST.

Contudo, referida Orientação Jurisprudencial nº 1º foi cancelada em 2004. Na época, andou bem o TST pois, revendo seu posicionamento, percebeu que na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa, não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação com o objetivo de exigir o cumprimento de cláusula ou condição.

E completo: dado que a preferência, me parece, sempre foi a autocomposição dos conflitos, por meio da negociação e dos instrumentos legais de pressão das categorias, sem a intervenção do Estado.

 

O Poder Judiciário pode intervir no exercício do direito de greve?

 

Partindo da ideia de que o direito de greve é uma garantia constitucional, como expliquei em nossa primeira coluna, o seu exercício depende da observância dos critérios que apresentei acima para vocês.

Deste modo, o exercício abusivo ou ilegal da greve é passível de correção ou repressão pela Justiça do Trabalho, sem sombra de dúvida.

Entretanto, a Justiça do Trabalho, apenas quanto ao tema da legalidade do procedimento, oscila entre duas posturas muito claras: de um lado, se outorga o dever de intervir na relação dos particulares e orienta que, antes do exercício do direito de greve, deve-se buscar a solução jurisdicional, conforme precedente que citei acima.

De outro lado, o mesmo TST, conforme frisei acima, percebeu que na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa, não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação com o objetivo de exigir o cumprimento de cláusula ou condição.

Ora, ao contrário do que parece, os entendimentos acima andam em bastante harmonia, dado que teremos uma tentativa de solução jurisdicional prévia sempre e antes do exercício do direito de greve.

Muito embora, repito, não concorde com estes posicionamentos que obrigam, direta ou indiretamente, ao exercício prévio da jurisdição, para, somente após, haver o exercício do direito de greve pelos interessados, o TST acerta na medida em que tenta fixar o que ele entende por greve abusiva ou ilegal, e, assim, restringi a atuação dos particulares ao excluir do campo semântico normativo espaços interpretativos para o instituto da greve.

O que me faz voltar a questão que deixei em aberto mais acima:

  1. se é verdade que a lei especificou que caberá aos interessados envolvidos em uma greve de serviços ou atividades essenciais, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, poderá o Poder Judiciário fixar percentuais de manutenção de quantitativos de pessoal em atividade?

 

  1. E qual seria o limite de atuação do Poder Judiciário de modo a não sufocar o movimento paredista?

 

Para nossa próxima coluna, e a terceira e última parte desta nossa conversa, tentarei responder a essas duas perguntas.

 

Em arremate para este segundo momento, e somando-se ao que conclui no primeiro momento, podemos fechar as seguintes premissas:

 

  1. a) A greve é um instituto jurídico de direito coletivo do trabalho que se presta a otimizar, via pressão da classe dos trabalhadores sobre os tomadores dos serviços, o processo negocial coletivo, com vistas a melhoria do patamar civilizatório mínimo dos trabalhadores envolvidos.
  2. b) A greve é um direito que precisa ser exercido e, em que pese possuir assento constitucional, seu exercício é limitado, por um lado, pela cláusula geral e boa fé e lealdade negocial e, por outro lado, pela legalidade exigida para a deflagração do procedimento;
  3. c) A greve é um direito que deve ser exercido através dos sindicatos, enquanto entidades de direito coletivo.
  4. d) o direito de greve, para ser exercido no campo da legalidade e da boa fé, precisa observar um procedimento próprio para sua deflagração, o direito de greve, para ser exercido no campo da legalidade e da boa fé, precisa observar um procedimento próprio para sua deflagração, que envolve a discussão quanto a possibilidade, ou não, de deflagração da greve antes ou após o ajuizamento de dissídio coletivo de greve.
  5. e) o direito de greve, uma vez exercido, gera direitos e deveres que devem ser observados. Uma vez que não se observe estes direitos e deveres, é possível o controle de legalidade/legitimidade do exercido do direito de greve através do Poder Judiciário.
  6. f) A lei não especificou quantitativos mínimos que devam ser observados pela categoria em movimento paredista, quando o movimento envolver categoria que atue prestando serviços ou atividades essenciais à comunidade.

Advogado na COMPESA. Consultor Jurídico em Governança Corporativa. Professor de Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação (Grupo Ser Educacional, UNINABUCO, UNINASSAU, ESA/OAB/PE). Mestre em Direito pela UNICAP. Pós-Graduado em Direitos Humanos pela UNICAP. Secretário da Comissão Comissão de Combate à Publicidade e Propaganda Irregulares da Advocacia na OAB/PE. Membro do IAP/PE. Membro da Comissão de Direito à Cidade na OAB/PE. Membro da Comissão Especial de Advocacia Estatal na OAB/PE.

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