sexta-feira,19 abril 2024
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Das prisões cautelares: prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão temporária. (Segunda parte: prisão preventiva)

Dando continuidade ao artigo anterior sobre as modalidades de prisão cautelar existentes no Brasil, o presente texto abordará a prisão preventiva, prevista nos arts. 311 a 316 do Código de processo Penal.

Entende-se como prisão preventiva a medida cautelar caracterizada pelo cerceamento da liberdade de locomoção do réu ou indiciado quando esta se faça necessária, dentro dos limites estabelecidos pela lei, presumindo-se, diante da sua natureza de prisão cautelar, a existência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis. O primeiro é a exigência de que o fato seja criminoso e da existência de indícios de autoria e materialidade do delito investigado, correspondendo ao fumus boni juris do processo civil. O último diz respeito à urgência de segregação do acusado antes mesmo da sentença penal condenatória com trânsito em julgado, por se tratar de pessoa perigosa, em iminência de fuga, etc. Renato Brasileiro de Lima (2015) a define como espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal, hipótese na qual também poderá ser decretada ex officio pelo juiz, desde que preenchidos os requisitos legais do art. 313 do CPP e ocorrerem os motivos autorizadores elencados no art. 312, quando se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319.

Cuida-se, destarte, de instrumento por demais gravoso, porquanto implica em privação da liberdade de locomoção do acusado sem a prévia existência de sentença condenatória com trânsito em julgado, embasado na necessidade de se garantir a efetivação da persecução penal o que, para muitos, representa uma antecipação do cumprimento da pena, ou mesmo uma antecipação da culpa, contrariando o que dispõe o inciso LVII, do art. 5º, da CF: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Por tal motivo, Alexandre Cebrian Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2013) ressaltam que a prisão preventiva é medida excepcional, ainda que tenha se tornado comum diante da escalada da criminalidade violenta em nosso país. Em razão dessa excepcionalidade, o instituto deve ser regido pelos princípios da taxatividade, adequação e proporcionalidade, não se sujeitando a regime de aplicação automática e exigindo sempre a análise do fato concreto pelo magistrado, com o fito de verificar a necessidade desta forma de prisão. Não podemos deixar de ressaltar que em um Estado Democrático de Direito, a liberdade, em todas as suas acepções, representa um dos direitos fundamentais mais emblemáticos, devendo o próprio Estado zelar pela sua preservação, daí surgindo uma contradição e, à primeira vista, uma violação ao princípio da presunção de inocência.

Ocorre que diante dos altos índices de criminalidade deve também o Estado atuar de forma enérgica, seja para garantir a aplicação da lei penal, seja para garantir a paz social e a ordem pública. Não se pode negar que a violência no Brasil tem crescido assustadoramente, mormente no atual cenário de crise política, econômica e social. Aliás, o Direito Penal e o Processual Penal se destacam como ramos do Direito frequentemente atingidos pelos reflexos decorrentes de momentos críticos, conduzindo a debates e discursos inflamados sobre criminalidade, aplicação da lei, impunidade, prisão, etc. Ressalta Vicente Greco Filho (2012) que o tema prisão processual sofre, com mais intensidade, a carga emotiva do momento político, social e econômico do País, gerando normas casuísticas, medidas provisórias e leis (e até normas constitucionais), o que dificulta ainda mais uma formulação sistemática e coerente do tema. Não foi por acaso que o Título IX do CPP, que trata “da prisão e da liberdade provisória” foi o que mais passou por alterações desde sua vigência.

Nos termos do art. 311 do CPP, temos que:

Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.

Como se observa no referido dispositivo legal, a prisão preventiva poderá ser decretada a qualquer momento da persecução penal, seja na fase do inquérito policial ou ao longo de toda a ação penal, mas somente por quem tenha legitimidade para tanto, ou seja, o órgão jurisdicional competente, estando, pois, sujeita à cláusula de reserva de jurisdição, prevista no art. 5º, LXI, da Carta Magna. No tocante ao seu prazo de duração, nada há estabelecido em lei a respeito, podendo a prisão preventiva subsistir temporalmente enquanto houver necessidade de sua conservação, justificável pela presença dos requisitos de admissibilidade. Importa notarmos que o art. 311, ao dispor que a prisão preventiva poderá ser decretada de oficio pelo juiz no curso da ação penal, exclui a possibilidade de decretação da referida medida cautelar no curso da fase investigatória. Contudo, sendo provocada a jurisdição pelo Parquet através da denúncia, ou pelo particular ofendido por meio de queixa-crime, a autoridade judiciária passa a deter os poderes próprios da jurisdição penal, podendo decretar a preventiva de oficio, caso seja forçoso o encarceramento do acusado. Ainda que o art. 311 o CPP disponha claramente sobre a possibilidade da decretação da prisão preventiva “em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal”, faz-se oportuno notarmos alguns aspectos relevantes:

Guilherme de Souza Nucci (2014), argumenta que atualmente é raríssima a decretação da prisão preventiva durante a fase da investigação policial, diante da existência de medida cautelar mais apropriada: a prisão temporária, indicada justamente para os crimes mais graves, que demandem a segregação cautelar do investigado. De acordo com o referido autor, antes da Lei 7.960/89 (Lei da Prisão Temporária), era mais comum a decretação da preventiva na fase do IP, pois havia necessidade de se recolher ao cárcere os infratores mais perigosos. No mesmo passo, Renato Brasileiro (2015) preleciona que com o advento da Lei n° 7.960/89, que versa sobre a prisão temporária, pelo menos em relação aos crimes previstos no art. 1°, inciso III, da referida lei, bem como no tocante aos crimes hediondos e equiparados, descritos na Lei 8.072/90, art. 2°, § 4°, somente será possível a decretação da prisão temporária na fase preliminar de investigações, à qual não poderá se somar a prisão preventiva, pelo menos durante essa fase. Portanto, em relação a essas infrações penais não se faz possível a aplicação da prisão temporária seguida de preventiva, exclusivamente durante a fase investigatória.

De mais a mais, a prisão temporária não afasta totalmente a possibilidade de decretação da prisão preventiva na fase da investigação policial, sendo possível a decretação da preventiva na fase pré-processual em relação a crimes que não autorizam a decretação da prisão temporária, desde que restem preenchidos os pressupostos do art. 313 do CPP e verificada sua imperiosa necessidade. Renato Brasileiro (2015) ilustra tal situação com o seguinte exemplo: Imagine-se uma hipótese de estelionato em continuidade delitiva, praticado contra inúmeras vítimas por agente com maus antecedentes, que demonstre a intenção de se evadir do distrito da culpa. Na situação hipotética acima esboçada, mostra-se obviamente incabível a prisão temporária, o que viabiliza perfeitamente a decretação da prisão preventiva na fase do inquérito.

Conforme dispõe o art. 282 do diploma processual penal, com redação determinada pela Lei n. 12.403/2011 as medidas cautelares previstas no Título IX deverão ser aplicadas observando-se: a) a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (inciso I); e b) a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (inciso II). Nesse diapasão, o § 6º do citado artigo condiciona a decretação da prisão preventiva à impossibilidade de sua substituição por outra das medidas cautelares listadas no art. 319 do CPP, as quais, por sua vez, poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente (art. 282, § 1º).

Dos fundamentos: art. 312 do CPP

Os motivos ou fundamentos substanciais para decretação da prisão preventiva estão descritos no art. 312, caput, do CPP, in verbis:

            “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.

Na forma do parágrafo único, a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares, como determina o §4º do art. 282. Vicente Greco (2012) explica que os motivos ou fundamentos da prisão preventiva, mesmo contendo conceitos abertos ou amplos como “ordem pública” são taxativos, de modo que a sua utilização fora das hipóteses da lei é ilegítima, ensejando o habeas corpus. Dentro dessa concepção, faz-se necessário o esclarecimento de alguns conceitos:

a) Ordem pública: pode ser compreendida como o convívio harmônico dos indivíduos em sociedade, pautado pelo cumprimento das leis. Dessa forma, a preservação da ordem pública incide na necessidade de manutenção da paz social, abalada pela prática de um crime, principalmente sendo este de natureza grave e com grande repercussão. Caso ganhem destaque na mídia, tais crimes podem comover o meio social, fomentando o fenômeno do clamor público, que de certo modo pode abalar a credibilidade do Poder Judiciário e do sistema penal.

b) Garantia da ordem econômica: de acordo com Guilherme de Souza Nucci (2015), trata-se de uma espécie de garantia da ordem pública. Contudo, nesse caso, visa-se impedir que o agente causador de sério dano à situação econômico-financeira de uma instituição financeira ou órgão de um estatal permaneça em liberdade, fortalecendo na sociedade o julgamento prévio de impunidade, traço reiterado nessa área.

c) Conveniência da instrução criminal: em suma, tem como objetivo impedir que o acusado, com o objetivo de prejudicar o andamento da instrução criminal, pratique condutas inaceitáveis, como ameaçar ou matar testemunhas, destruir provas, investir contra autoridades, etc.

d) Assegurar a aplicação da lei penal: o processo penal tem como finalidade útil proporcionar ao Estado a possibilidade de exercício do seu jus puniendi. Destarte, se o réu age com o intuito de impedir a realização desse propósito, tendo, nitidamente, a intenção de frustrar a aplicação da lei, demonstra claramente a intenção de não colaborar com a justiça, o que justifica a sua prisão cautelar. O mais claro exemplo disso é a fuga.

e) Indício suficiente de autoria: é a suspeita fundada de que o acusado de fato cometeu a infração penal.

Da admissibilidade: art. 313 do CPP

Uma vez averiguados presentes os pressupostos de que trata o art. 312 do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada na forma do art. 313. Assim, será admitida a decretação da prisão preventiva: nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; se tiver sido o agente condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 Código Penal; e se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (incisos I a III). Dispõe o parágrafo único, que também se admitirá a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Nessa circunstância, o preso será imediatamente posto em liberdade após a identificação, a menos que outra hipótese recomende a manutenção da medida.

Todavia, não será decretada a prisão preventiva se o juiz constatar pelas provas constantes dos autos, que o agente praticou o fato dentro das condições excludentes de ilicitude previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do CP (art. 314, CPP).

Da fundamentação da decisão: art. 315 do CPP

Cuida-se de imposição feita ao magistrado pelo art. 5°, LXI, da CF: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Renato brasileiro (2015) assevera que especificamente em relação à prisão preventiva, a nova redação do art. 315 do CPP dispõe que a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada. Referido dispositivo vem ao encontro do art. 5°, LXI, e art. 93, IX, ambos da Constituição Federal, no sentido de exigir que toda decisão que decrete, substitua ou denegue a prisão preventiva seja sempre fundamentada. Pela própria excepcionalidade que caracteriza a prisão preventiva, a decisão que a decreta pressupõe inequívoca demonstração da base empírica que justifica a sua necessidade, não bastando apenas aludir-se a qualquer das previsões do art. 312 do Código de Processo Penal.

Da revogação da prisão preventiva: art. 316 do CPP

Na forma do art. 316 do Código de Processo Penal, o magistrado poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

 

REFERÊNCIAS

BOMFIM, Edilson Mougenot. Código de processo penal anotado. 4 ed. atual. de acordo com a Lei n. 12.403/2011 (prisão). São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Manual de processo penal. 3 ed. rev. amp. atual. Salvador: Jus Podium, 2015.

CAPEZ, Fernando; COLNAGO, Rodrigo Henrique. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2015.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 9 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato. Código penal interpretado. 9 ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. coordenador Pedro Lenza.2. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

SANTOS, Vauledir Ribeiro; TRIGUEIROS NETO, Arthura da Mota. Como se preparar para o exame da ordem, 1 fase: processo penal. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010.

 

 

 

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