quinta-feira,28 março 2024
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Dano moral: por uma teoria renovada para quantificação do valor indenizatório: Teoria da exemplaridade

Por Nehemias Domingos de Melo*

 

I – Conceito do dano moral individual

No conceito de dano moral encontramos definições para todos os gostos. Neste particular aspecto a doutrina é pródiga, porém, em que pesem pequenas nuances, há uma concordância quanto a classificar a lesão que possa autorizar a indenização por danos morais, como aquela que atinge o âmago do indivíduo, causando-lhe dor (incluindo-se aí a incolumidade física), sofrimento, angústia, vexame ou humilhação e, por se passar no íntimo das pessoas, torna-se insusceptível de valoração pecuniária adequada, razão porque o caráter da indenização é o de compensar a vítima pelas aflições sofridas e, de lhe subtrair o desejo de vingança pessoal.

Dano moral, à luz da Constituição Federal vigente, nada mais é do que a violação do direito à dignidade, é o que afirma de forma peremptória o magistrado e professor Sérgio Cavalieri Filho. Ao depois, definindo melhor o alcance do preceituado esclarece que “hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos – os complexos de ordem ética -razão pela qual revela-se mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no direito português”. Para ao depois concluir que “em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização”.[1]

Com o advento do novo Código Civil e, cotejando os avanços doutrinários e jurisprudenciais, ousamos afirmar que o dano moral é toda agressão injusta àqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica ou mesmo da coletividade, insusceptível de quantificação pecuniária, porém indenizável com tríplice finalidade: satisfativo para a vítima, dissuasório para o ofensor e de exemplaridade para a sociedade.

 

II – Da caracterização do dano moral

 

É preciso destacar que não é qualquer dissabor ou qualquer contrariedade que caracterizará o dano moral. Na vida moderna há o pressuposto da necessidade de coexistência do ser humano com os dissabores que fazem parte do dia-a-dia. Desta forma, alguns contratempos e transtornos são inerentes ao atual estágio de desenvolvimento de nossa sociedade.

Neste sentido, como alerta o mestre Antônio Chaves, há que se ter prudência de tal sorte que não se venha reconhecer a existência de dano moral em “todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor-próprio pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar das asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitando sejam extraídas da caixa de Pandora do direito centenas de milhares de cruzeiros”.[2]

Muitos doutrinadores consideram árdua a tarefa de separar o joio do trigo, isto é, delimitar frente ao caso concreto, o que vem a ser dissabores normais da vida em sociedade ou danos morais. Esta questão é das mais tormentosas, exatamente por não existirem critérios objetivos definidos em lei, de tal sorte que o julgador acaba por buscar supedâneo na doutrina e na jurisprudência para aferir a configuração ou não do dano moral. De toda sorte, o que precisa haver na avaliação do dano moral é prudência e bom senso de tal sorte que se possa, considerando o homem médio da sociedade, ver configurado ou não a lesão a um daqueles bens inerentes à dignidade humana de que a Constituição nos fala.

Neste aspecto, cumpre ao juiz um papel de relevo, seja porque é ele que, a partir das chamadas máximas de experiências, irá analisar o caso concreto e adequá-lo à proteção legal, seja porque dependerá de seu livre arbítrio, segundo a melhor doutrina, a fixação do quantum indenizatório. Contudo, esta discricionariedade do juiz, deverá ser pautada pelo bom senso, seguido de alguns critérios, porquanto haverá de, frente ao ilícito perpetrado, sopesar o grau de culpa do ofensor, as condições sociais e econômicas das partes envolvidas, a repercussão do fato lesivo no seio social, de tal sorte que a indenização não seja tão grande que leve o ofensor à ruína, nem seja tão pequena que avilte a vítima.

 

III – Da prova do dano

 

Outra questão tormentosa refere-se a necessidade ou não de prova do dano moral. Autores renomados têm afirmado que o dano moral, por tratar-se de lesão ao íntimo das pessoas, dispensa a necessidade de prova, conformando-se a ordem jurídica com a demonstração do ilícito porquanto o dano moral estaria configurando desde que demonstrado o fato ofensivo, existindo in re ipsa.[3]

E existe uma natural lógica para assim proceder, porquanto, se o dano moral existe a partir da lesão a um daqueles direitos íntimos da pessoa humana, tal qual a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem, somente para citar alguns, não há nenhuma lógica exigir-se a prova da repercussão no íntimo do ofendido dos efeitos de tais violações. O ordenamento jurídico há que se conformar com a presunção de que, em razão de máximas de experiências, qualquer indivíduo de mediana sensibilidade, se sentiria ofendido e agredido em seus valores anímicos, diante de determinados procedimentos ilícitos.

De outro lado, dentre os vários elementos que norteiam a caracterização do dano moral, há que se destacar a dor (tanto física quanto moral), como um dos elementos essenciais para a determinação da existência do dano moral, que também se pode presumir. Sabemos que não se pode medir a extensão da dor de quem tenha sido lesionado, porém, é evidente a dor dos pais pela morte violenta do filho; assim como se pode presumir o sofrimento ou complexo de quem sofreu um dano estético; ou ainda, daquele que foi humilhado por publicação injuriosa, dentre tantos outros exemplos que se poderia ofertar. Em casos, não há dúvidas, os atingidos sentirão grande aflição, ainda que se possa considerar as variáveis de pessoa para pessoa.

Contudo, é importante salientar que não é somente a dor o elemento que caracteriza o dano moral e o correspondente dever de indenizar. Situações há que a caracterização independe da existência ou não da dor, tais como nos casos que envolvem exposição indevida na mídia, agressão à honra, violação da intimidade e da privacidade, dentre outras.

 

IV – Dos fundamentos da reparação

 

Como ensina o mestre Caio Mário da Silva Pereira, “o fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos”.[4]

Além do caráter compensatório é certo que “quem exige uma reparação do dano moral sofrido não visa tanto a recomposição do seu equilíbrio de afeição ou sentimento, impossível de conseguir, como infligir, por um sentimento de represália inato, ao seu ofensor, uma punição, por precária que seja, que, na maior das vezes não encontra outro parâmetro senão em termos pecuniários”.[5]

Ademais, é preciso recordar que a dignidade da pessoa humana foi elevada a um dos fundamentos básicos do Estado brasileiro. Veja-se que na Constituição Federal de 1988 o legislador constituinte fez insculpir, já no artigo primeiro, dentre os fundamentos sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito, a dignidade humana (art. 1°, III).

De tal sorte que se pode concluir, utilizando as sábias palavras de Artur Oscar de Oliveira Deda: “Quando a vítima reclama a reparação pecuniária de dano moral, não pede um preço para sua dor, mas, apenas, que se lhe outorgue um meio de atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica. Na reparação dos danos morais, o dinheiro não desempenha a função de equivalência, como, em regra, nos danos materiais, porém, concomitantemente, a função satisfatória e a de pena”.[6]

 

V – Por uma teoria renovada para quantificação da indenização por dano moral :teoria da exemplaridade

 

Em face de tudo quanto argumentado é que defendemos uma nova teoria para a apuração do quantum indenizatório nas ações de reparação por danos morais, com caráter predominantemente punitivo.

Por essa nova teoria, a definição da verba indenizatória, a título de danos morais, deveria ser fixada tendo em vista três parâmetros: o caráter compensatório para a vítima; o caráter punitivo e dissuasório para o causador do dano e, o caráter exemplar e pedagógico para a sociedade.

Para a vítima, este caráter compensatório nada mais seria do que lhe ofertar uma quantia capaz de lhe proporcionar alegrias que, trazendo satisfações pudesse compensar a injusta agressão sofrida, além do sentimento de que a justiça foi realizada.

No tocante ao agressor, o caráter punitivo teria uma função de desestímulo que agisse no sentido de demonstrar ao ofensor que aquela conduta é reprovada pelo ordenamento jurídico, de tal sorte a que não voltasse a reincidir no ilícito.

Quanto ao caráter exemplar, a condenação deveria servir como medida educativa para o conjunto da sociedade que, cientificada de que determinados comportamentos são eficazmente reprimidos pelo Judiciário, tenderia a ter maior respeito aos direitos personalíssimo do indivíduo.

Em face deste trinômio e tendo em vista o caráter da efetividade da condenação por danos morais, defendemos que, na fixação do quantum, o juiz além de ponderar os aspectos contidos no binômio punitivo-compensatório, poderia adicionar outro componente, qual seja, um plus que servisse como advertência de que a sociedade não aceita aquele comportamento lesivo e o reprime, de tal sorte a melhor mensurar os valores a serem impostos como condenação aos infratores por danos morais.

Neste particular aspecto, para evitar-se o chamado enriquecimento sem causa, esse plus advindo da condenação não seria destinado à vítima, mas sim, para entidades que defendam o interesse público ou coletivo gratuitamente (entidades de benemerência, assistenciais, filantrópicas ou de pesquisas) tais como as Santas Casas e outros hospitais congêneres; lares e casas de apoio às crianças ou aos idosos; entidades religiosas com trabalho social relevante; entidades de pesquisa ou investigação científica, preferencialmente localizada na comarca onde o dano foi perpetrado.

Na hipótese de inexistência de entidades que se qualifiquem e preencham os requisitos para o recebimento acima preconizado, o juiz destinará esses valores para o fundo estadual de interesses difusos.

O aspecto inovador na propositura acima esposada, é que, partindo da premissa de que quanto maior for a pena, menor será o índice de reincidência, associado ao fato de que se a sociedade tomar ciência de que determinadas condutas são reprimidas com vigor pelo Poder Judiciário, acredita-se que os direitos humanos e a dignidade das pessoas sofreriam menos agressões, na exata medida em que o peso da condenação seria sentida no bolso do infrator como fator de desestímulo.

De outro lado, ao adotar-se que a destinação desse plus condenatório deve ser destinado à entidades de benemerência ou ao fundo estadual de interesses difusos, estar-se-ia atingido dois objetivos relevantes: recompensando-se o corpo social, já que último destinatário dos comandos jurisdicionais e, de outro lado, evitando o chamado “enriquecimento sem causa” da vítima, argumento atualmente muito utilizado como fator limitativo do montante indenizatório.          

Diferentemente do direito americano, onde vige o exemplary damages, pelo qual a vítima é quem se beneficia do plus condenatório outorgado a título de condenação penal, propomos que esses valores sejam destinados a entidades de benemerência, voltadas para obras de assistência social ou de pesquisa científica, de sorte que esses valores, retornem para sociedade, ainda que de forma indireta.

O peso da indenização no “bolso” do infrator é, a nosso sentir, a resposta mais adequada que o ordenamento jurídico pátrio pode oferecer para garantir não sejam ofendidos diuturnamente os bens atinentes aos direitos da personalidade.

Desta forma, sugere-se ao Congresso Nacional, a alteração do art. 944 do Código Civil, para contemplar a possibilidade de uma indenização adicional nas ações decorrentes de dano moral, além da justa indenização à vítima, cuja redação, em que pese a eventual imperfeição legislativa da propositura, poderia ter o seguinte teor:

 

Proposta de alteração do Código Civil – Lei n° 10.406/02:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

  • 1° – (o atual parágrafo único, renumerado).
  • 2° – Nas ações de reparação por dano moral, poderá o juiz de ofício, sopesando o grau de culpa ou dolo do infrator e seu potencial econômico, fixar, além da justa indenização para a vítima, uma multa civil cujo valor será destinado à entidades de benemerência ou ao Fundo Estadual de Interesses Difusos.

Assim, o caráter punitivo da indenização por dano moral deve prevalecer em relação ao caráter compensatório. Se dúvida restar, tomemos como exemplo dois acidentes de trânsito com vítima: um causado por simples imprudência, no qual o agente socorre a vítima; outro causado dolosamente ou de maneira gravemente reprovável e na qual o agente nada faz em favor da vítima. Condenar os dois motoristas a pagar indenização em valores iguais atentaria contra o princípio constitucional da igualdade e o senso comum de justiça. Quer dizer, não se pode defender indenizações idênticas para danos iguais, porque eles podem ter sido causados por condutas completamente distintas em termos de reprovação.[7]

Assim podemos concluir: o instituto do dano moral, expressamente previsto na Constituição Federal (art. 5°, V e X), deve ser visto como instrumento eficaz no sentido de assegurar o direito à dignidade humana (CF, art. 1°, III), e precisa ser aperfeiçoado, de tal sorte que podemos afirmar que a sua efetividade somente ocorrerá, de forma ampla e cabal, quando se puder dotar o juiz da liberdade plena na aplicação “da teoria da exemplaridade”, pela qual se possa apenar o ofensor com a tríplice finalidade: punitivo, compensatório e exemplar.

 

VI – Bibliografia

BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais, 2a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 3a. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

CHAVES, Antônio. Tratado de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, v. III.

GARCEZ NETO, Martinho. Prática da responsabilidade civil, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil, 8a.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

GONZALEZ, Matilde Zavala de. Daño moral por muerte. Buenos Aires: Astrea, 2010.

MELO, Nehemias Domingos. Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil, 6ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil, 7a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

[1]Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, p. 85-86.

[2]Chave, Antonio. Tratado de Direito Civil, vol. III, p.637.

[3]Veja-se a esse respeito além da nossa obra já citada, Sérgio Cavalieri Filho, Antônio Jeová Santos, Sílvio de Salvo Venosa, Wilson Melo da Silva, Carlos Alberto Bittar, dentre outros.

[4]Pereira, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, p. 54

[5]Chaves, Antônio. Tratado de Direito Civil, v. 3, p. 634.

[6]Citado por Antonio Chaves in Tratado de direito civil, v. III, p. 637.

[7] Gonzalez, Matilde Zavala de. Daño moral por muerte, p. 170-171.

 

* Nehemias Domingos de Melo , colaborou com nosso site por meio de publicação de conteúdo. Ele é Advogado em São Paulo, palestrante e conferencista. Professor de Direito Civil, Processual Civil e Direitos Difusos nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Paulista (UNIP). É Doutor em Direito Civil, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, Pós-Graduado em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos do Consumidor. Autor de 18 livros jurídicos publicados pelas Editoras Saraiva, Atlas, Juarez de Oliveira e Rumo.

 

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