quinta-feira,28 março 2024
ColunaTrabalhista in focoDa responsabilidade dos sócios retirantes após a reforma trabalhista

Da responsabilidade dos sócios retirantes após a reforma trabalhista

Coordenação: Ana Claudia Pantaleão.

 

A Lei nº 13.467/2017 trouxe disciplina específica acerca da imputação de responsabilidade trabalhista dos sócios retirantes, incluindo o art. 10-A ao texto consolidado, com a seguinte redação:

Art. 10-A.  O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:

I – a empresa devedora;

II – os sócios atuais; e

III – os sócios retirantes.

Parágrafo único.  O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato. – grifos e destaques nossos

Como visto, a Reforma Trabalhista estabeleceu responsabilidade subsidiária ao sócio retirante relativamente às dívidas trabalhistas da sociedade, assegurando-se-lhe, portanto, o direito de exigir que sejam excutidos os bens da empresa e dos sócios atuais para, somente então, ter seu patrimônio afetado.

O benefício de ordem relativamente aos bens da empresa não é inovador, haja vista que, desde a década de 40, quando aprovado o texto consolidado, o art. 889 já contemplava a aplicação subsidiária da Lei de Execuções Fiscais aos trâmites da execução trabalhista, ao passo que o art. 4º, V e §3º da Lei nº 6.830/801 há muito dispunha que aqueles chamados ao pagamento das dívidas de pessoas jurídicas poderiam se eximir da obrigação mediante indicação de bens livres e desimpedidos de titularidade daquelas, tantos quantos bastassem para saldar a execução.

Ainda, pela inteligência da redação dos arts. 10 e 448 da CLT, havendo sucessão de empresa, a sucessora assume responsabilidade por todos os débitos trabalhistas da sucedida. Por corolário lógico, em sede processual, insolvente a sucessora, poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica da empresa, atingindo-se os bens dos atuais sócios, independentemente do momento da prestação de serviços pelos empregados exequentes.

Referida circunstância decorre do princípio da despersonificação da figura do empregador, segundo o qual a relação de emprego se fixa entre o empregado e a empresa, à revelia de eventuais alterações na estrutura jurídica desta.

Nesse passo, contudo, nebulosa a espécie de responsabilidade do sócio atual relativamente ao retirante, diante da omissão no texto consolidado, sendo certo, que o benefício de ordem poderia ser invocado mesmo antes da Reforma, encontrando supedâneo nos princípios que regem esta Especializada, em contraponto à redação do art. 1.003, pu do CC, que será abordada mais adiante.

A solidariedade prevista no parágrafo único para os casos em que a retirada da sociedade aperfeiçoa-se com intuito fraudulento condiz com a já antiga redação do art. 9º do mesmo diploma legal, que preceitua que “são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Por seu turno, a exigência a averbação da retirada no contrato social como condição para que o ato produza efeitos em face de terceiros, na hipótese, os empregados exequentes, também encontra esteio no art. 1.003, caput do CC, que disciplina:

 

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. – grifos nossos

 

Como visto, a Reforma Trabalhista houve por instituir o benefício de ordem entre o sócio retirante e aos atuais – o que encontra respaldo no princípio da despersonificação do empregador (arts. 10 e 448 da CLT), ao passo que o dispositivo legal retro transcrito estabelecia a solidariedade. Assim, antes da Reforma Trabalhista subsistia celeuma a respeito da existência ou não de benefício de ordem entre os sócios, haja vista a ausência de previsão legal específica no texto consolidado, bem assim a redação do art. 769 c.c art. 8 da CLT, que admitem a aplicação subsidiária do diploma civil nos casos de omissão e compatibilidade. Atualmente, no entanto, a subsidiariedade é consolidada, podendo ser arguida como matéria de defesa.

Pois bem, na mesma linha do atual art. 10-A da CLT, o art. 1.032 do CC, disciplina que os sócios retirantes respondem pelas obrigações sociais pelo período de até dois anos, contados da averbação da retirada da sociedade:

 

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação. – grifos nossos

 

Analisando o dispositivo, Ari Pedro Lorenzetti destaca que o Código Civil introduziu uma limitação à responsabilidade do sócio, de modo que:

 

“(…) passados dois anos de sua saída, o sócio não pode mais ser cobrado pelas obrigações relativas ao período em que integrava a sociedade. Tal regra constitui fator de segurança e estabilidade, permitindo que o sócio tenha certeza de que não será mais cobrado em relação a fatos anteriores. Essa norma também se aplica aos direitos trabalhistas, uma vez que o legislador não traçou distinção ou privilégios quanto à natureza dos créditos.2 – grifos nossos

 

Todavia, o Jurista prossegue esclarecendo que na seara juslaboralista a responsabilidade dos sócios retirantes deve observar dois requisitos, cujo preenchimento deve ser cumulativo:

“a) que a prestação dos serviços tenha ocorrido antes da saída do sócio; b) que o ajuizamento da ação ocorra dentro de dois anos após o desligamento, considerada a data da averbação, mesmo que proposta aquela apenas em face da sociedade. O que deve ser levado em conta, pois, para a aferição da responsabilidade dos sócios retirantes, é a composição societária ao tempo em que se originou o crédito, não o tempo em que este foi reconhecido pela justiça. Por outro lado, desde que a ação tenha sido proposta dentro de dois anos da averbação da retirada, ainda que o sócio não conste do pólo passivo, poderá ele ser responsabilizado pelos créditos pendentes ao tempo de sua saída da sociedade, caso esta, ao tempo da cobrança, não disponha de bens suficientes para a satisfação dos créditos reconhecidos aos trabalhadores”3. – grifos e destaques nossos

Assim, em atenção ao princípio do risco do negócio, encampado no art. 2º da CLT, a doutrina e a jurisprudência trabalhista têm firmado entendimento no sentido de que, desconsiderada a personalidade jurídica, o crédito trabalhista somente é oponível ao sócio que compunha o quadro societário ao tempo da prestação de serviços, e, portanto, que, em tese, obteve proveito econômico advindo do labor empenhado pelo empregado.

O entendimento fora abarcado pela Reforma Trabalhista, de modo que, uma vez verificada a concomitância entre a vigência do contrato de trabalho do exeqüente e a integração do quadro societário pelo executado, cumpre, ainda, proceder-se à verificação da pertinência da demanda no tempo.

Nesse sentido, filiamo-nos à corrente segundo a qual a propositura da reclamação trabalhista deve ocorrer dentro do biênio subseqüente à retirada do sócio-executado da sociedade, sendo irrelevante o momento em que iniciada a execução ou mesmo aquele a partir do qual o sócio executado passa a integrar o pólo passivo da demanda, bastando que a mesma tenha sido ajuizada dentro do prazo em face da empresa.

Entendimento distinto, inclusive, praticamente inviabiliza toda a discussão a respeito da imputação de responsabilidade ao sócio retirante, posto que a maioria esmagadora das reclamações trabalhistas atingem a fase de execução em prazo superior ao biênio previsto nos dispositivos em testilha. Assim, se o prazo considerasse o momento da inclusão do ex-sócio na demanda, dificilmente haveria aplicabilidade para o instituto.

A fixação de marco temporal para a imputação de responsabilidade aos sócios retirantes da sociedade no nosso entendimento é indispensável à concretização do princípio da segurança das relações jurídicas insculpido no art. 5º, II da CF, sendo certo que o prazo estabelecido pela Reforma nos parece razoável, desde tenha havido concomitância entre o trabalho empenhado pelo exequente e a integração do executado no quadro societário. Na mesma linha o julgado cuja ementa ora se transcreve:

SÓCIO RETIRANTE. RESPONSABILIDADE. O sócio retirante, em regra, responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato. É o que se extrai da interpretação conjunta do disposto nos arts. 1.003 e 1.032 do Código Civil e art. 10-A da CLT que, por certo, devem ser interpretados a partir do momento em que a solvência do crédito laboral foi requerida em juízo – do ajuizamento da reclamatória trabalhista, portanto -, e não da data do início da execução, tampouco da instauração do incidente que se pretendeu incluir os sócios na execução. Portanto, ajuizada reclamatória antes de transcorridos os dois anos da retirada social, resta possível imputar responsabilidade ao sócio retirante. Agravo de petição do exequente a que se dá provimento, no ponto. (TRT da 2ª Região; Processo: 0000540-46.2011.5.02.0078; Data: 21-07-2022; Órgão Julgador: 17ª Turma – Cadeira 2 – 17ª Turma; Relator(a): MARIA DE LOURDES ANTONIO) – grifos e destaques nossos

 

O entendimento em referência nos parece ser o mais acertado, escorado pela boa-fé que deve pautar todas as relações sociais, especialmente as de ordem processual, bem assim em compasso com os princípios que norteiam as relações de emprego (risco do negócio e proteção) e, ainda, aqueles aplicáveis às relações civis de modo geral (segurança jurídica).

Com efeito, o art. 170 da CF prevê que a ordem econômica do país funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa visando assegurar a todos existência digna, por meio da redução das desigualdades regionais e sociais, bem assim o livre exercício das atividades econômicas.

Nessa linha, ao assegurar a um cidadão o direito de desenvolver determinada atividade econômica mediante a constituição de uma pessoa jurídica, com objetivo de auferir lucro, contratando, para tanto, outro cidadão que trabalhará em seu favor5, nos parece justo e razoável que o Estado, em contrapartida, resguarde ao último, o direito de perceber os proventos decorrentes do empenho de sua força, sendo este direito oponível, inclusive, ao patrimônio pessoal dos sócios, daqueles, in casu, os sócios.

Por outro lado, deve ser dado ao cidadão o direito de, transcorrido determinado lapso de tempo, retomar a integralidade dos direitos assegurados pelo Estado Democrático, não podendo ser perseguido, indefinidamente, por obrigações contraídas em determinado momento de sua existência.

Os preceitos de ordem constitucional devem ser interpretados à luz da técnica da ponderação, assegurando-se a coexistência de forma equilibrada, de modo que um não se sobreponha a outro4, mas sejam parcialmente preservados com vistas à materialização da justiça no caso concreto.

Sob esse aspecto, nos parece justa e razoável a limitação da responsabilidade do sócio retirante pelas dívidas trabalhistas apuradas em ações ajuizadas no biênio subsequente à averbação de sua retirada da sociedade, relativamente aos direitos adquiridos pelo trabalhador, no período em que aquele integrou o quadro social.


 

BIBLIOGRAFIA

1 – Art. 4º – A execução fiscal poderá ser promovida contra:
(…)
V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e
(…)
3º – Os responsáveis, inclusive as pessoas indicadas no § 1º deste artigo, poderão nomear bens livres e desembaraçados do devedor, tantos quantos bastem para pagar a dívida. Os bens dos responsáveis ficarão, porém, sujeitos à execução, se os do devedor forem insuficientes à satisfação da dívida. – grifos nossos

2 LORENZETTI, Ari Pedro. A responsabilidade pelos créditos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2003, p. 228.

3 LORENZETTI, Ari Pedro. Ob. cit, p. 228/229.

4 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6º. ed. rev., atual. e ampl.-São Paulo: Saraiva, 2004, 358.

5 GUIMARÃES, Flávia Lefèvre. Desconsideração da personalidade jurídica no código do consumidor. Aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998.

Fernanda Franzini C. P. Barretto

Advogada Trabalhista. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com Extensão em Direito e Processo do Trabalho pela Instituição Toledo de Ensino e Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -