Coordenação: Francieli Scheffer
A fase de execução, em regra, não comporta a defesa do executado sem a devida garantia integral do juízo, uma vez que é legalmente estabelecido como condição para seu processamento e julgamento.
Porém a jurisprudência tem flexibilizado a possibilidade da interposição de embargos à execução com garantia parcial e a ausência ou insuficiência de garantia do Juízo não é impedimento ao julgamento dos embargos à execução quando seu objeto envolve matérias de ordem pública, as quais veremos a seguir.
Embargos à execução com garantia parcial e matéria de ordem pública:
Nos termos do caput do art. 884 da CLT, a garantia do Juízo constitui requisito indispensável ao regular exercício do direito de o executado discutir matéria relacionada à execução.
Porém, excetua-se dessa regra a hipótese em que a parte discute a validade do próprio processo (matéria de ordem pública), situação que dispensa a garantia integral do Juízo, sob pena de violação ao contraditório e à ampla defesa.
Inicialmente, é importante destacar que matéria de ordem pública costuma ser analisada sob diversos contextos, contudo não há conceitos pontuais ou definições capazes de elucidar os efeitos que o assunto produz, não sendo diferente no processo do trabalho.
Ordem pública se expressa pela verificação da regularidade e desenvolvimento de atos e procedimentos, chamando a atenção dos envolvidos na relação processual para a presença de defeitos tidos como graves, intransponíveis, bem como para a necessidade de afastá-los, para se garantir a legalidade.
As questões de ordem pública são relacionadas às condições da ação, os pressupostos processuais e outros requisitos processuais e materiais capazes de impedir o alcance de um pronunciamento de mérito, como os específicos de admissibilidade e os recursais.
No processo civil, o estado de coisas denominado de ordem pública se expressa pelo controle da regularidade e desenvolvimento de atos e procedimentos, chamando a atenção dos envolvidos na relação processual para a presença de defeitos tidos como graves, intransponíveis, bem como para a necessidade de afastá-los, para se garantir a legalidade. Em outros termos, é com o resguardo da integridade e da adequação dos atos processuais e dos procedimentos que se assegurará o estado de ordem pública processual. (CABRAL, Trícia Navarro Xavier 2015)
Em resumo, o regular prosseguimento do processo e dos atos processuais em que será assegurado o estado de ordem pública processual é requisito de cabimento e processamento dos embargos à execução.
Das hipóteses de cabimento dos embargos à execução com garantia parcial:
Inicialmente, uma das hipóteses em que pode se discutir a matéria em sede de embargos à execução com garantia parcial é quando a parte sofre constrição parcial em suas contas bancárias sem ter conhecimento de um processo tramitando.
A matéria a ser trazida em sede de embargos à execução, neste caso, diz respeito a regularidade da citação, sendo imprescindível o conhecimento da questão, pois a discussão travada seria sobre a regularidade da citação inicial do executado, pressuposto indispensável para a validade do processo que dispensa a garantia integral do Juízo, por violar a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa.
Nesse sentido se manifestou o Tribunal Regional da 4ª região em julgado recente:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. PARCIAL GARANTIA DO JUÍZO. Hipótese que, embora não garantida integralmente a dívida, devem ser apreciados os embargos à execução da sócia executada, uma vez que o conteúdo da medida processual questiona a regularidade da própria execução. (TRT-4 – AP: 00204147120145040008, Data de Julgamento: 25/03/2020, Seção Especializada em Execução)
Outra hipótese de cabimento é acerca da ausência ou insuficiência de garantia que é relevada pela doutrina e jurisprudência nos casos em que a controvérsia verse sobre a própria condição de executado, (discussão sobre ilegitimidade passiva), como se manifestou o Tribunal Regional da 1ª Região, vejamos:
EMBARGOS. À EXECUÇÃO. GARANTIA PARCIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. REJEIÇÃO LIMINAR DESCABIDA. A ausência/insuficiência de garantia do Juízo não é impedimento ao julgamento dos embargos à execução quando seu objeto envolve matérias de ordem pública, dada a sua relevância, caso dos autos, consistente na ilegitimidade para compor o polo passivo, incluído no curso da execução como sócio de empresa declarada sucessora do grupo econômico réu, restando imperioso o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem para o enfrentamento do mérito da ação incidental. Decisão que merece reforma. (TRT-1 – AP: 00019058020105010246 RJ, Relator: CELIO JUACABA CAVALCANTE, Data de Julgamento: 24/09/2019, Nona Turma, Data de Publicação: 11/10/2019)
Mais uma possibilidade de se socorrer desta medida é quando há alegação de legitimidade da penhora de pessoa física e comprovação de insuficiência de recursos para suportar o ônus da execução sem comprometer a sua própria existência quando houver constrição de salários, pensões ou aposentadorias, e desta forma se posicionou o Tribunal Regional da 3ª região:
GARANTIA PARCIAL DO JUÍZO. CONHECIMENTO DO AGRAVO DE PETIÇÃO E DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. Se a própria legitimidade da penhora é questionada, deve-se admitir a oposição de embargos com a garantia parcial do juízo. Entender de outra forma implicaria afrontar o direito à ampla defesa e ao acesso ao Judiciário, impossibilitando um executado de se ver livre de uma cobrança possivelmente injusta, pois seus argumentos não serão ouvidos, nem mesmo em primeira instância. (TRT-3 – AP: 00272200410903000 0027200 98.2004.5.03.0109, Relator: Convocada Olivia Figueiredo Pinto Coelho, Nona Turma, Data de Publicação: 25/08/2017)
EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONHECIMENTO. GARANTIA PARCIAL DA EXECUÇÃO. É razoável admitir embargos à execução se não há bens da executada suficientes para garantir o juízo integralmente, sob pena de cerceio de defesa. (TRT-3 – AP: 00115975720165030143 0011597-57.2016.5.03.0143, Relator: Ricardo Antonio Mohallem, Nona Turma)
Nas hipóteses das ementas acima, restou comprovada a realização de bloqueios via BACEN-JUD na conta-salário do executado, sem que atingissem o valor total da execução, de forma que, se mantida a exigência de garantia total do débito para que o executado pudesse discutir judicialmente a legalidade da penhora de seu salário seria verdadeira afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, porquanto, estar-se-ia a exigir a garantia integral da execução em prejuízo de verba alimentar do devedor, necessária à sua subsistência própria e de sua família. Configuraria, igualmente, afronta ao princípio constitucional da razoabilidade.
Existem outras possibilidades de nos socorrermos dos embargos à execução com garantia parcial e como não é possível esgotar o tema, este artigo pontua a algumas situações que são frequentemente reconhecidas pela jurisprudência e se enquadram na excepcionalidade, permitindo o conhecimento dos embargos sem que a execução esteja integralmente garantida, assegurando a efetividade da tutela jurisdicional, preservando os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Conclusão:
A discussão travada nos embargos à execução com garantia parcial deriva dos mesmos fundamentos que teriam cabimento no incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora originária, caso tivesse sido instaurado, sendo passível a interposição de Agravo de Petição para impugnar decisão que acolhe ou rejeita o esse incidente, ou seja, que determina a inclusão incidental de um sujeito ou indefere tal pleito.
Assim, plenamente possível a aplicação analógica do disposto no inciso II do § 1º do art. 855-A da CLT, para que seja possível conhecer dos Embargos à Execução, independentemente da garantia integral do juízo, sendo possível a interposição de agravo de petição em caso de rejeição da medida ou em casos que o juízo de primeiro grau a recebe-la como simples petição.
Referências:
CABRAL, Trícia Navarro Xavier, As questões de ordem pública no CPC/15. Disponível em: https://processualistas.jusbrasil.com.br/artigos/423615492/as-questoes-de-ordem-publica-no-cpc-15. Acesso em 12 jan. 2021
DIDIER JR., Fredie Didier. Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 41.
Tribunal Regional da 4ª região, processo n° 0020414-71.2014.5.04.0008, Relatora: Lucia Ehrenbrink, publicado em DOU 25/03/2020
Tribunal Regional da 1ª região, processo n° 0001905-80.2010.5.01.0246, Relator: Celio Juaçaba Cavalcante, publicado em DOU 11/10/2019
Tribunal Regional da 3ª região, processo n° 0027200-98.2004.5.03.0109, Relatora: Olivia Figueiredo Pinto Coelho, publicado em DOU 25/08/2017
Tribunal Regional da 3ª região, processo n° 0011597-57.2016.5.03.0143, Relator: Ricardo Antonio Mohallem, publicado em DOU 06/11/2018
Fernanda Prado dos Santos
Advogada graduada pela Universidade Candido Mendes, Pós-graduada em Direito e processo do trabalho pela IBMEC/RJ, sócia, fundadora do escritório Fernanda Prado Sociedade Individual de Advocacia. Mentora de advogados no projeto mentoria na OAB/RJ, presidente da comissão nacional de estudos em direitos sociais, diversidade e inclusão na ABA, Certificada em Compliance trabalhista pela LEC e palestrante.