quarta-feira,27 março 2024
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Da ilegitimidade passiva dos profissionais da área da saúde para responder diretamente por danos causados na qualidade de Agente Público

Introdução

Antes de adentrar ao conceito do instituto da Responsabilidade Civil, é importante esclarecer o conceito de obrigação, que é um dever jurídico temporário existente entre duas ou mais pessoas, pelo qual uma (devedora) se compromete a dar, fazer ou deixar de fazer algo em benefício da outra (credora), geralmente em troca de uma contraprestação.

A importância da definição e do estudo das obrigações como introdução ao instituto da responsabilidade civil se revela do fato de que esta nasce do descumprimento daquela. É um preceito secundário, uma consequência do descumprimento do preceito primário, que faz surgir para o devedor o dever não só de arcar com a prestação originalmente estabelecida (se ainda possível), mas também de reparar os danos decorrentes de seu descumprimento ao tempo e modo devidos.

Nas palavras da Prof. Maria Helena Diniz, a responsabilidade civil é “a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”[1].

Assim, se a lei veda que as pessoas causem danos umas às outras, mesmo que estritamente moral, a responsabilidade civil reside no dever de o causador de um dano, ou quem pelo causador for responsável, reparar o dano que a vítima do descumprimento da obrigação primária sofreu, em sua exata e integral extensão, compensando assim o prejuízo (material ou imaterial) causado.

É a responsabilidade civil, portanto, instrumento de normatização e pacificação social voltado a resolver conflitos com a reposição da vítima, como possível, ao status quo ante.

Nestes termos, existindo para o Estado o dever – a obrigação – de promover, proteger e recuperar a saúde de todos, quando um de seus agentes, por ação ou omissão, causa dano à saúde de alguém, ao Estado cabe a obrigação secundária – a responsabilidade civil – de indenizar a vítima, reparando os danos à ela causados por seu agente, assegurado o direito de regresso, sobre o qual também trataremos mais adiante.

Elementos Constitutivos da Responsabilidade Civil

Nos conceitos de responsabilidade civil majoritariamente aceitos pela doutrina se pode perceber que o instituto é formado essencialmente por quatro requisitos, quais sejam, a conduta ilícita, a culpa, o nexo causal e o dano, que em conjunto caracterizam a responsabilidade civil subjetiva e faz nascer para o devedor da obrigação inicial que restou descumprida, a obrigação de reparar ao credor da obrigação inicial os danos que de sua conduta decorreram.

Conduta

A conduta se caracteriza em um agir ou não agir quando devido. É o descumprimento da obrigação inicial em si e, como ensina Rui Stoco, “o elemento primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior”[2]. Chama-se de conduta toda ação ou omissão humana e voluntária que produza um resultado jurídico.

Culpa

O segundo elemento da responsabilidade civil subjetiva é a culpa, que apesar de ser de complexa conceituação, se traduz, em sentido amplo, na “inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar”[3].

Não é necessário, neste sentido da culpa, que o agente causador do dano tenha a intenção de provocar o dano, mas tão somente que da sua ação decorra o resultado danoso, podendo o dano decorrer inclusive de mero descuido em evitar algo que sabia que poderia ocorrer (imprudência), falha na execução de uma obrigação por desconhecimento de normas técnicas (imperícia) ou até mesmo de uma falta de atenção à norma técnica (negligência).

Nexo Causal

O elo entre a conduta e o dano que dela adveio é o chamado nexo causal. É o elemento intermediário, a relação lógica de causa entre a conduta e o dano, sendo por meio da análise deste elemento que se pode concluir quem foi o causador do dano[4].

Dano

O dano é o último dos pressupostos. Se não houver dano, não haverá responsabilidade civil, pois esta surge para reparar a diminuição que uma pessoa teve em seu patrimônio ou o sofrimento que experimentou em razão da conduta de outrem.[5].

Responsabilidade Civil Objetiva

Ocorre que, com o desenvolvimento industrial da sociedade e natural advento de relações jurídicas cada vez mais complexas e plurais, percebeu-se que exigir a comprovação de culpa em determinados casos já não era a melhor solução para a pacificação social, pois inúmeros danos deixavam de ser reparados em razão das dificuldades práticas de se comprovar que o agente praticou a conduta danosa.

O legislado passou então a reconhecer a obrigação do causador de um dano repará-lo, independentemente da comprovação de culpa, sempre que sua conduta ou atividade implicar risco aos direitos de outrem, o que a doutrina jurídica chama de responsabilidade civil objetiva.

Responsabilidade Civil do Estado

A responsabilidade civil do Estado é a obrigação que os órgãos públicos e tem de indenizar terceiros pelos danos que lhes forem causados por seus agentes no exercício de sua função.

Há ainda que se mencionar que o entendimento majoritário da doutrina é que a responsabilidade do Estado, em relação às condutas omissivas, é objetiva, como já ressaltou o STJ no julgamento do REsp nº 1.069.996/RS: “(…) A jurisprudência dominante tanto no STF como deste Tribunal, nos casos de ato omissivo estatal, é no sentido de que se aplica a teoria da responsabilidade objetiva”.

Em relação aos atos comissivos, em regra o Estado responderá de forma subjetiva, sendo necessária a demonstração de culpa do agente público na prestação de serviço defeituoso, como via de regra ocorre nas demandas judiciais que tratam sobre erros médicos, como repetidamente decide o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[6].

Conclusão – Ilegitimidade Passiva do Agente Público

Neste sentido, lembrando que existe entre as pessoas a obrigação de não causar danos umas às outras, sempre que a obrigação for descumprida, surgirá a responsabilidade civil. A exceção se aplica ao agente que, no exercício da função pública, causa danos a terceiros, como definido pelo STF no julgamento do RE nº 1.027.633/SC, o que nos leva à conclusão de que as ações movidas por particulares em busca de reparação por danos causados por agentes públicos devem ter como sujeito passivo a entidade estatal à qual o agente público estiver vinculado, não sendo possível ao particular acionar diretamente o agente público, sendo garantido ao Estado, caso comprovada a culpa do agente em processo específico, o direito de regresso.

 


[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – teoria geral das obrigações, 23 ed., p.34.

[2] STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisdicional. 4ª ed..

[3] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: Responsabilidade Civil. 8ª ed. p. 23.

[4]“(…)Nexo de causalidade entre a conduta e o resultado é indispensável mesmo na responsabilidade objetiva.(…)”, TJ/SP. Apelação Cível 0152990-63.2006.8.26.0002.

[6] TJ/SP. Apelação Cível 1003440-17.2016.8.26.0037;

Vitor Camargo Oliveira Santos

Advogado do Vigna Advogados Associados, pós-graduando em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito – EPD.

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