sexta-feira,29 março 2024
ArtigosCristofobia, racismo e ultraje a culto

Cristofobia, racismo e ultraje a culto

Sob o pretexto de realizar um ato de protesto relativo ao homicídio de um imigrante congolês no Rio de Janeiro, um grupo liderado por um Vereador do PT, portando bandeiras desse partido e do PCB, invadiu a Igreja Nossa Senhora do Rosário em Curitiba, com uso de hostilidade e intimidação aos fiéis, gritando palavras ofensivas aos católicos e à Igreja Católica, tais como as imputações de “racistas” e “fascistas”. Assim também impediram o andamento da missa que era ali realizada.

É extremamente nítido que a motivação do ato criminoso perpetrado pelo Vereador e seus sequazes nada tem realmente a ver com um protesto contra eventual racismo ligado ao lamentável episódio utilizado como suposto argumento. Primeiro porque segundo consta a violência contra a vítima ocorreu devido a desentendimentos acerca de dívida trabalhista, bem como agressores e agredido eram negros. Usar o coringa erístico do chamado “racismo estrutural” é não somente desonestidade intelectual, como também banalização do real problema do racismo. Segundo porque os fatos se deram no Rio de Janeiro e não têm a menor ligação com catolicismo, missa ou a cidade de Curitiba. Aliás, se algum protesto ligado a racismo devesse ser realizado, a Igreja Nossa Senhora do Rosário deveria ser o último local a ser escolhido, pois que se trata historicamente de um templo construído pelos escravos negros para os escravos negros, inaugurado em 1737. Ao reverso de ligar-se a qualquer espécie de discriminação ou preconceito, o local é um símbolo concreto de inclusão religiosa, pois que erigida em oposição à alegação absurda de que os negros não teriam alma e seriam como os animais. Aliás, essa oposição à reificação de qualquer povo sempre foi a tradicional posição da Igreja Católica, conforme documentos oficiais dos quais é exemplo evidente a Bula “Sublimis Deus”, datada de 02.06.1537, da lavra do Papa Paulo III, cujo teor se transcreve:

O Deus sublime amou tanto o género humano, que criou o homem de tal maneira, que ele não só é participante dos bens terrenos, como as outras criaturas, mas também pode atingir o inacessível e invisível Bem Supremo, e vê-lo face a face. E, tendo sido o homem criado para alcançar a vida e a felicidade eterna, como disso é testemunha a Sagrada Escritura, e não podendo ninguém alcançar este vida e felicidade eterna a não ser pela confissão da Fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, é necessário que o homem seja de tal condição e natureza que possa receber a Fé em Cristo, e que todo aquele que recebeu uma natureza humana seja capaz de receber a própria Fé. Nem é crível que alguém seja de tal forma destituído de entendimento que se convença de que pode alcançar um fim, mas não pode de maneira nenhuma atingir os meios extremamente indispensáveis. Por isso a própria Verdade, que nem se engana nem pode enganar, ao enviar os pregadores da Fé para o ofício da pregação, se sabe que disse: «Ide e ensinai todos os povos». Ele disse «todos», sem faltar ninguém, sendo todos capazes da aprendizagem da fé.
Vendo isto com maus olhos o inimigo do género humano, que sempre se opõe às boas obras, para que estas desapareçam, excogitou um meio até agora inaudito para impedir que a palavra de Deus fosse pregada aos gentios, em ordem à sua salvação, e moveu alguns dos seus sequazes que, ávidos de satisfazer a sua cobiça, se atrevem a afirmar que os Índios ocidentais e meridionais e outros povos, que nestes tempos chegaram ao nosso conhecimento, devem ser indistintamente reduzidos aos nossos interesses, como mudos animais, sob o pretexto de que são inaptos para a Fé Católica. Então reduzem-nos à escravidão, castigando-os com os mesmos maus tratos com que castigam os brutos animais que os servem.
Nós, portanto, que exercemos na terra as vezes de Nosso Senhor, embora sejamos indignos, e que procuramos com todo o empenho as ovelhas do seu rebanho a nós confiadas e que estão fora do seu redil, para as trazer para este redil, atendendo a que os referidos Índios, como verdadeiros homens, não só são capazes da Fé Cristã, mas também, como nos foi referido, acorrem muito prontamente à fé, e querendo nós ainda tomar providências a respeito disto com remédios convenientes, com a autoridade apostólica, pela presente Carta decretamos e declaramos que os mencionados Índios e todos os outros povos que no futuro chegaram ao conhecimento dos Cristãos, embora estejam fora da Fé de Cristo, não estão privados da sua liberdade e da posse das suas coisas, nem disso devem ser privados; pelo contrário, livre e licitamente podem usar, usufruir e gozar dessa mesma liberdade e posse, e não devem ser reduzidos à escravidão. E tudo o que se fizer ao contrário disto, seja nulo e sem efeito, sem qualquer valor ou autoridade. Decretamos e declaramos ainda que os referidos Índios e outros povos devem ser chamados à Fé de Cristo pela pregação da palavra de Deus e pelo exemplo de uma boa vida.
Um pouco adiante, em 1550, tornou-se célebre o debate entre Bartolomeu de Las Casas, frade dominicano espanhol e o filósofo e teólogo Juan Ginés de Sepúlveda. O primeiro defendeu a humanidade de todos os povos, contraditando a tese do segundo que julgava legítima a violência e dominação de nativos de terras colonizadas. Prevaleceu o entendimento de Las Casas. E mais, a argumentação de Las Casas reforçou a mão de todos quantos, no seu tempo e nos séculos seguintes, exerceram a sua atividade com base na convicção de que todos os povos do mundo são seres humanos, estando por isso dotados de todas as potencialidades e de todas as responsabilidades inerentes aos homens.

Mas, se o motivo para o ato criminoso não foi uma alegada revolta legítima contra o racismo e suas terríveis consequências, por que tudo aconteceu como aconteceu?

É do escritor Stendhal [Henry Beyle] uma frase que nos pode esclarecer bastante as circunstâncias e motivações desse caso:
“Ao homem foi dada a palavra para esconder seu pensamento”.

As reais motivações do grupo criminoso são ocultadas pelo pretexto da morte trágica e violenta de um imigrante, o que torna toda a conduta ainda mais abjeta e reprovável. Parafraseando o ditado popular, nem mesmo de boas intenções, das quais o inferno está cheio, se podem valer os infratores.

O fato de tratar-se o líder da horda de um Vereador do PT e de terem consigo várias bandeiras do PCB é muito esclarecedor, pois que seus grandes ídolos genocidas sempre aconselharam a ocultação dos verdadeiros desígnios como um meio eficiente para chegar a seus objetivos.

Stálin é apontado como um mestre da discrição, o qual aconselhava e praticava a conduta de “jamais dizer o que você está pensando”. Efetivamente, segundo o estudioso da era de Stálin, Robert Conquest, ele era dotado de uma “obscura e excepcional discrição”, de forma que “nunca dizia o que tinha em mente, nem mesmo as metas políticas”.

Como lembra Fiuza, essa técnica de ocultação e desvio de atenção comumente utilizada é similar àquela “história do ladrão que sai correndo gritando ‘pega ladrão’, para que todos olhem para o lado errado”.

Parece que os discípulos aprenderam parcialmente as lições do mestre. Só não são perfeitos porque aqui e ali deixam escapar uma indiscrição que revela seus reais desígnios. Neste caso, por exemplo, uma passeata do PT, antecedente ao fato, gravada em vídeo e áudio e veiculada nas redes sociais (datada de 20.03.2021), demonstra qual a real finalidade dos atos criminosos praticados com a invasão da Igreja. O grito de guerra não poderia ser mais claro e eloquente: “Igreja fascista tu tá na nossa lista” (sic).

Portanto, os atos criminosos foram tão somente a concretização de uma ameaça e de um objetivo político – ideológico que já havia sido exposto a quem quisesse ver e ouvir. A finalidade de toda a balbúrdia não era protestar contra o racismo, não era lamentar a morte de um homem a pancadas, mas apenas e tão somente atacar o cristianismo e mais especificamente, neste caso, a Igreja Católica e seus fiéis. A Igreja, o cristianismo imotivadamente rotulado de “fascista” estão na lista desses criminosos. Aliás, esse uso de rótulos pejorativos indefinidos e injustificados também faz parte da ocultação de desígnios, visando à desmoralização e desumanização de seus alvos, sem a necessidade de maiores fundamentos, com sustento tão somente em gritos de guerra e expressões dotadas de carga emocional, capazes de despertar os mais obscuros sentimentos humanos e “justificar” os atos mais absurdos. Como nos revela Benson, em seu romance distópico praticamente profético, esses recursos subterrâneos que manipulam a racionalidade e a emoção humanas, são capazes de obnubilar a “consciência do indivíduo” sobrepondo a “massa coletiva” à “personalidade” como fato e como direito. É dessa matéria que se compõem o ódio, a discriminação e a perseguição a bodes expiatórios, cuja inocência não tem mais qualquer relevância, já que sua execução sumária nada mais é do que a catarse insana de uma massa ignara. Resta claro, retomando as percucientes observações de Fiuza, que a autodesignada “resistência democrática” somente “estava pronta para lutar, com todas as suas forças, pela ditadura”.

Por cegueira ideológica, pois “o cego de caráter só enxerga o que quer”, e mesmo por desconhecimento mais amplo do assunto, há uma tendência a negar o fenômeno da “Cristofobia”, especialmente no Brasil, sob a pueril alegação de que a maioria dos brasileiros se autodeclara “cristão”. Isso é uma puerilidade porque é evidente o fato de que uma maioria silenciosa tem sido há muito tempo sufocada numa espiral do silêncio por uma minoria arrogante e barulhenta, não somente no âmbito da liberdade religiosa, mas em vários outros aspectos da vida pública e privada. Também demonstra um desconhecimento da matéria, porque trata da “Cristofobia” como um fenômeno que possui apenas um aspecto, qual seja, o da efetiva “perseguição religiosa” violenta e direta. Antequera expõe, em trabalho amplo sobre o tema, as várias formas de manifestação da Cristofobia, sendo possível vislumbrar inclusive uma gradação e uma progressão das condutas, seguindo das mais sutis e chegando, aos poucos, até as mais graves. A “perseguição religiosa” é apenas uma das facetas mais violentas do fenômeno, à qual se pode chegar por meio de lentos e sutis movimentos, os quais podem passar despercebidos na sociedade, até mesmo por ação deliberada de seus próprios promovedores. Antes da efetiva perseguição religiosa pode-se passar pela “hostilização religiosa” e pelo “assédio religioso”. Essas espécies de condutas cristofóbicas não são, porém, necessariamente estanques e sequenciais, podendo ocorrer concomitantemente. No Brasil vivemos, na maioria das vezes, uma situação de “hostilização religiosa”, o que não significa que a violência e a ameaça não possam acontecer em uma manifestação de efetiva “perseguição religiosa” (como no caso intimidador e violento em tela). Camus já alertou há tempos que a revolta em nome de uma suposta “liberdade” encontra-se no âmago de todas as revoluções. Acena-se com “liberdade” e “justiça”, mas sempre chega um ponto em que a “justiça” “exige a suspensão da liberdade”. É o momento em que o “terror” vem “coroar a revolução” com seu rastro de “assassinato e violência”. Essa gradação e natural escalada da “Cristofobia” não permite que as pessoas permaneçam inertes e inermes, vivendo uma ilusão idílica, em geral criada por setores ligados à própria prática opressora, e não reagindo e reprimindo os abusos perpetrados logo em seu início deletério, de maneira a evitar seu progresso natural.

É interessante notar que um verdadeiro “negacionismo” se impõe pelos supostos bem – pensantes diante do fenômeno da “Cristofobia”. É impossível que não haja a percepção de que o cristianismo, desde suas origens mais remotas, tem sido submetido a uma feroz perseguição. A figura do Cristo em seu humilhante julgamento e execução já é um fato inegável que marca toda a cristandade posterior e todo cristão. Afora o fato de que a religião teve de iniciar-se clandestinamente e sua história está repleta de mártires crucificados, queimados, empalados, jogados aos leões etc. Esse é um fato histórico que não pode simplesmente ser apagado ou ocultado por capricho. Nem pode ser circunscrito em sua atualidade a determinados locais por esta ou aquela razão, já que se sabe que a intolerância e a irracionalidade são germes que se propagam de forma insidiosa. A humilhação dos cristãos em seus diversos graus e formas se repete de forma recorrente ao longo do tempo, inobstante seja mesmo incompreensível a motivação para “humilhar quem já foi humilhado ao extremo”.

Apenas mais um dentre tantos exemplos históricos de humilhação cristã, encontra-se no seio dos regimes totalitários do século XX (Nazismo, Comunismo, Fascismo), alguns dos quais ainda se mantém até hoje. Mas, para dar um exemplo de crueldade extremada seria bom lembrar o tratamento conferido a crentes cristãos na Romênia durante o chamado “Experimento Pitesti”, quando presos políticos eram torturados até se renderem, renegando sua fé e sendo obrigados a, eles mesmos, torturarem outros presos na mesma condição. Trata-se de uma das mais bárbaras aplicações da tortura como “método de reeducação” e “adestramento”. Veja-se uma descrição feita por Ierunca:

La imaginación delirante de Turcanu se desataba especialmente cuando habia de vérselas con estudiantes que creiam en Dios y se obstinaban en no renegar. A algunos los ‘bautizaban’ todas las mañanas metiéndoles la cabeza en el cubo lleno de orina y excrementos mientras los otros entonaban a su alredor la fórmula del bautismo. Eso duraba hata que el agua habia burbujas. Cuando el preso recalcitrante estaba a punto de ahogarse, lo sacaban, le daban un breve respiro y luego volvían a sumergile la cabeza. Uno de esos ‘bautizados’ a los que se les aplicó sistemáticamente la tortura llegó a un automatismo que le duró dos meses: todas las mañanas, para regocijo de los reeducadores, iba a meter él solo la cabeza en el cubo.

Além do mais, o fenômeno antirreligioso é global, compõe uma agenda clara de organismos internacionais, e pretender isolar artificialmente, mediante o uso de um véu ideológico, um país ou região, significa simplesmente tornar seus habitantes vulneráveis à hostilização, assédio e perseguição, mediante uma indevida alienação. Como bem expõem Roccella e Scaraffia:

As religiões são, na realidade, as formas culturais e institucionais mais demonizadas pelos organismos internacionais, porque são consideradas inimigas – enquanto concorrentes – do pensamento único dos direitos e, enquanto portadoras de críticas às formas extremas de individualismo às quais chegaram as atuais formulações dos direitos.

É nesse quadro de hostilização e até mesmo de um início de perseguição, mediante violência e grave ameaça, que se devem analisar as condutas daqueles que invadiram a Igreja Nossa Senhora do Rosário em Curitiba. A questão racial e a tragédia da morte violenta ocorrida no Rio de Janeiro, não passam de pretextos, mero disfarce para os reais objetivos desta e de futuras ações criminosas.

Neste ponto já é possível ingressar no estudo jurídico específico dos crimes cometidos pelos invasores.

O primeiro e mais evidente crime configurado é aquele previsto no artigo 208, CP, cujo “nomen juris” é “Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo”, tratando-se claramente de um “Crime contra o sentimento religioso”. Invadindo a Igreja mediante uso de força e intimidação por ameaças, além de ofensas verbais diretas, não resta dúvida de que escarneceram publicamente dos fiéis e do sacerdote que ali exercia suas funções. A doutrina chama a atenção para a exigência de “uma finalidade especial” do agente, qual seja, o dolo específico voltado para o menoscabo da “crença ou função religiosa da vítima”, o que certamente está presente no caso concreto, até pela escolha do local para a prática da simulação de protesto racial. Impediram o seguimento da cerimônia religiosa (missa) que ali se realizava. E não importa se a missa estava em seu início, no seu final ou mesmo se não era realizada missa. Se havia (e havia) fiéis em culto, oração, contemplação, estes foram impedidos e tolhidos covardemente de sua liberdade religiosa e de culto. Ensina Greco que a palavra “cerimônia” contida no tipo penal, se refere a um ato revestido de “solenidade”. Já a expressão “culto religioso”, igualmente prevista, serve para identificar “o regular ato de adoração, sem a presença de solenidades, exigidas para determinadas ocasiões especiais”. A colagem de cartazes pela Igreja toda sem autorização de quem de direito vilipendia publicamente ato e objetos de culto religioso. Isso porque o verbo “vilipendiar” deve ser interpretado “no sentido de menoscabar, desprezar, enfim, tratar como vil, publicamente, ato ou objeto de culto religioso”. Frise-se que o emprego de força para a entrada no local deve ser devidamente apurado porque causa de aumento de pena de um terço, além da responsabilização penal pela violência à pessoa ou a coisas (eventuais lesões corporais – artigo 129, CP ou danos – artigo 163, CP) em sistema de cúmulo material. Em não havendo lesões corporais ou danos (crimes), mas apenas vias de fato (contravenção penal do artigo 21, LCP), serão estas últimas absorvidas como infração penal – meio para a prática do crime previsto no artigo 208, CP, embora sejam suficientes para configurar a exasperação penal pelo emprego de “violência”. Essa é a lição, por exemplo, de Magalhães Noronha, ao afirmar que o cúmulo material somente se configura “se a violência constitui crime (lesão corporal, dano etc.)” (grifo no original). No mesmo diapasão se manifesta Bitencourt, para quem a violência real majora a pena em um terço, mas se a violência “constituir crime em si mesma, haverá soma de penas”.

Vale transcrever a lição dos autores Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fabio M. de Almeida Delmanto a respeito da importância do bem jurídico relativo ao “sentimento religioso” e à “liberdade religiosa”:

Tamanha é a importância da espiritualidade em nossas vidas que, no preâmbulo da Constituição da República, ao lado do reconhecimento de que o Estado brasileiro baseia-se nos “valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”, está consignado que o legislador constituinte promulgou a Magna Carta sob a proteção de Deus. De forma coerente com o reconhecimento de que nosso Estado é laico, sendo vedado “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público” (art. 19, I), a Carta Política garante, por meio de cláusula pétrea insculpida no seu art. 5º., VII, o pluralismo religioso, ao dispor que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. Segundo o Papa João Paulo II, na lembrança de Giorgio Feliciani, a liberdade religiosa identifica-se com “um dos pilares que sustentam o edifício dos direitos humanos”, ou, mais precisamente com sua “pedra angular”, sendo que a liberdade de crença deve se impor não somente pelos Estados, mas por todas as pessoas das diversas religiões, as quais devem respeito e colaboração recíprocos, reconhecendo, ao fervorosamente defenderem suas crenças, “o direito inalienável e o solene dever” de cada indivíduo “de seguir a própria reta consciência na busca da verdade e na adesão a essa”.

Contudo, as práticas criminosas dos autointitulados “manifestantes” (sic) não param por aí. Fato é que, ao utilizarem o subterfúgio de um suposto protesto racial, instrumentalizaram ardilosamente o tema do racismo exatamente para praticarem o crime de racismo contra os católicos e cristãos em geral.
Com a repetição das imprecações já ocorridas em outras manifestações políticas, conforme demonstrado neste texto, rotulando os cristãos e mais especificamente os católicos como “fascistas” e “racistas”, considerando as consequências desse tipo de rotulação discriminatória, não resta dúvida de que praticaram e incitaram a discriminação ou preconceito de religião, exatamente nos termos do previsto no artigo 20 da Lei de Racismo (Lei 7.716/89), violando ainda preceito constitucional garantista insculpido no artigo 5º., XLII, CF, razão pela qual a pena aplicável ao caso é imprescritível e o delito é inafiançável.
Poderia ser cogitada infração ao artigo 140, § 3º., CP (Injúria – Preconceito), pois ali também a lei se refere a ofensas que envolvam elementos referentes à religião. Essa tipificação, segundo entendimento firmado pelo STJ e pelo STF, não retiraria do caso a classificação como crime de racismo imprescritível e inafiançável, nos termos do artigo 5º., XLII, CF. Não obstante, entende-se que tal crime seria, “in casu”, absorvido pelo crime de racismo (artigo 20 da Lei 7.716/89), isso porque não se trata de simples ofensas à honra de caráter individual e determinado. As ofensas proferidas não atingiram somente os católicos ali presentes, nem somente os católicos enquanto categoria religiosa, mas tinham a intenção de se dirigir a todos os cristãos, ensejando exatamente a discriminação ou preconceito generalizado que se pretende coibir com o disposto na Lei 7.716/89 e no artigo 5º., XLII, CF. Ademais, como já visto, o ato não é isolado, mas componente de uma atuação de natureza política que tem por finalidade o ataque e a destruição moral, senão material, do cristianismo e dos cristãos. “Xingamentos ou adjetivações com expressões discriminatórias ou preconceituosas”, configuram a Injúria Racial. A individualização ou determinação da pessoa ofendida afasta o racismo, mas a expressão de “aversão”, “ojeriza” ou “preconceito” em relação a um “grupo ou coletividade”, ao reverso, configura perfeitamente o crime de racismo, tal como ocorre no caso em estudo.
Estefam chama a atenção para a distinção entre a Injúria Racial e o crime de racismo. O autor ensina que na injúria há o “assaque de expressões ofensivas” que atingem a autoestima subjetiva da vítima. Já no racismo se nega o exercício de algum direito da vítima ou se incita o preconceito por motivo de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional (grifo nosso).
Na mesma senda manifesta-se Nucci, na esteira da jurisprudência pátria:

Se o agente pretender ofender um indivíduo, valendo-se de caracteres raciais, aplica-se o art. 140, § 3º., do Código Penal. No entanto, se o seu real intento for discriminar uma pessoa, embora ofendendo-a, para que, de algum modo, fique segregada, o tipo penal aplicável é o do art. 20. Confira-se: “Configura crime de racismo a oposição indistinta à raça ou cor, perpetrada através de palavras, gestos, expressões, dirigidas ao indivíduo, em alusão ofensiva a uma determinada coletividade, agrupamento ou raça que se queira diferenciar. Comete o crime de racismo, quem emprega palavra pejorativas, contra determinada pessoa, com clara pretensão de menosprezar ou diferenciar determinada coletividade, agrupamento ou raça” (TJSC, Ap. 2004.031024-0, 1ª. C. , rel. Amaral e Silva, 15.02.2005, v.u.) Igualmente: TJRS, Ap. 70011779816, 7ª. C. , rel. Sylvio Baptista, 04.08.2005, v.u.

Observe-se também que a imputação do artigo 208, CP não impede a persecução penal referente ao artigo 20 da Lei 7.716/89. Bens jurídicos diversos estão em jogo (sentimento religioso e liberdade religiosa num caso; preconceito racial e/ou religioso no outro). Conforme bem destacam Amaury Silva e Artur Carlos Silva, em obra especializada, o legislador cria uma série de proteções ao livre exercício da religião, as quais não são excludentes e quando há preconceito “direcionado contra a opção religiosa”, é de se aplicar a Lei 7.716/89. Afinal, o ultraje ao culto poderia ter sido perpetrado sem necessariamente haver condutas de evidente discriminação religiosa generalizada, as quais não são meio necessário para tal prática criminosa.
De acordo com o exposto, portanto, os invasores da Igreja Nossa Senhora do Rosário em Curitiba podem ser responsabilizados, procedida a devida apuração e processo legal, por crimes de Ultraje a Culto (artigo 208, CP), em cúmulo material (inteligência do artigo 208, Parágrafo Único, CP) com eventuais lesões corporais (artigo 129, CP) e/ou crime de dano (artigo 163, CP), tudo isso em concurso formal impróprio por diversidade de desígnios (artigo 70, “in fine”, CP), com consequente cúmulo material de penas, com o crime de racismo previsto no artigo 20 da Lei 7.716/89.
É evidente que os atos ilícitos praticados pelo Vereador do PT e sua turba não são geradores somente de responsabilidade criminal.
Há também a responsabilidade civil por danos materiais e/ou morais devidamente apurados em regular Processo Civil, seja em relação aos fiéis que foram ofendidos e coartados em suas liberdades, seja pela Arquidiocese como representante local da Igreja Católica. Por isso respondem solidariamente todos os participantes do ato ilícito, nos termos dos artigos 186, 187, 264 e 275 c/c 927 do Código Civil.
Acaso algum ou alguns dos ofensores for funcionário público também deverá responder por seus atos na esfera administrativa, mediante o devido Processo Administrativo Disciplinar, podendo chegar a receber a penalidade de demissão ou demissão a bem do serviço público. Considerando que, segundo consta, as pessoas envolvidas são de Curitiba-PR, a responsabilização, conforme a lotação do funcionário, deve dar-se com sustento no “Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado do Paraná” (artigos 214, VI e VII, 220, II e 221, I) ou no “Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Curitiba” (artigos 214, VI, 219, II e IV e 220, primeira parte). Em havendo funcionários de outras localidades serão aplicáveis também penalidades administrativas com base nos respectivos diplomas disciplinares, inclusive no que tange a funcionários federais, o “Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União” (artigo 201, V, 207, III e 209, primeira parte).
Por seu turno, o Vereador envolvido deve responder a procedimento político – administrativo para cassação de seu mandato por evidente infração ao necessário “decoro parlamentar”. A apuração e penalização deve dar-se de acordo com o “Regimento Interno da Câmara Municipal de Curitiba” (Resolução 8/12), com fulcro no disposto no artigo 14, que remete ao respectivo “Código de Ética e Decoro Parlamentar”, parte integrante do “Regimento Interno” como anexo, nos termos da redação dada pela Resolução 2/17 (vide artigos 3º., II, V, XIV e XV; artigo 6º., IV; artigo 10, I e IV todos do “Código de Ética e Decoro Parlamentar”). Caberá à Mesa da Câmara Municipal de Curitiba dar o devido andamento ao caso, fazendo valer as normas legais aplicáveis. A omissão ou leniência da edilidade diante desse quadro é inadmissível, configurando conivência com os atos criminosos perpetrados pelo Vereador e ofensa grave ao povo curitibano e, em última análise, à população brasileira, especialmente a cristã.
Por derradeiro vale destacar que as responsabilidades criminal, civil, administrativa e político – administrativa são independentes e cumulativas, não constituindo “bis in idem” com relação aos infratores.

 

REFERÊNCIAS
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Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós Graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

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