quinta-feira,28 março 2024
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Contratos de Locação por prazo determinado em Shoppings: a cobrança da multa rescisória no atual cenário de crise

I – Introdução
Sabe-se que a atividade primordial dos Shopping Centers reside na geração de riqueza por intermédio do comércio varejista, viabilizada pela locação de espaços comerciais dentro do empreendimento.

O instrumento jurídico apto a concretizar a negociação entre o empreendedor e o lojista para a locação do espaço comercial é o contrato de locação, que pode ser por prazo determinado ou indeterminado.

Acaso seja o contrato de locação firmado por prazo determinado, a locatária, almejando pôr fim a relação contratual entabulada, deve pagar multa rescisória, prevista tanto no contrato quanto na lei de locações.

Diante do atual cenário de crise econômica por que passa o Brasil e o mundo, e da impossibilidade dos lojistas “manterem seu ponto”, muitas lojas estão fechando e, via de consequência, muitos contratos de locação se veem resilidos.

O presente artigo busca elucidar o que pode ser feito na situação atual em relação a cobrança da multa rescisória oriunda dessas locações desfeitas e os desdobramentos jurídicos que daí podem advir.

II – O contrato de locação em Shopping Centers

Os contratos de locação de espaço comercial em Shoppings são considerados atípicos[1] e regulamentados tanto pelo Código Civil quanto pela Lei de Locações (L. n. 8.245/1991).

Cabe ao Código Civil a atuação subsidiária nas relações travadas entre empreendedores e lojistas, ao passo em que fica franqueada à Lei de Locação, pelo Princípio da Especialidade, a regulamentação principal desse tipo de relação locatícia.

O art. 54 da Lei de Locações, considerado a base dos contratos de locação de Shoppings, determina que “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação […]”.

É possível, pois, dividir o contrato de locação em dois polos, que representam a locatária e a locadora.

A locadora, representante dos empreendedores do Shopping, tem como objetivo o exercício da atividade econômica varejista, gerando riquezas. Para isso, projeta, executa e administra o Shopping center, que se constitui um empreendimento onde se localizam diversas lojas, dispostas de modo a atrair com mais eficiência a clientela.

A locatária ingressa nessa relação contratual visando, primordialmente, lucrar, usando, para tanto, a estrutura do empreendimento; o pagamento dos encargos locatícios a Locadora é a sua contrapartida.

Os encargos de locação oriundos da relação entabulada entre locadora e locatária, nessa modalidade de contrato, diferem daqueles cobrados nos contratos de locação típicos.

Cabe ao lojista o pagamento de Aluguel Mensal Mínimo, Aluguel Percentual, Contribuição para o Fundo de Promoção e Propaganda, Condomínio e encargos específicos (luz, gás, tributos, água, etc.), inerentes à sua operação.

Além das rubricas acima mencionadas, poderá a locadora cobrar da locatária a Contribuição Incremental, que consiste na cobrança do valor do Aluguel Mensal Mínimo em dobro em determinada época do ano em razão do maior faturamento da operação.

A cobrança de todos os encargos já explanados é lícita, porquanto as partes disponham de liberdade para a celebração de suas avenças.

O contrato de locação de Shoppings é corolário dos Princípios do “Pacta sunt servanda”, da Autonomia da vontade, da Boa-fé objetiva e da Função Social do Contrato, que deverão nortear todo o pactuado entre as partes, do início ao fim da relação contratual.

III – A relação prazo de duração do contrato versus a multa contratual

Em que pese o contrato de locação, este pode ser ajustado por qualquer prazo a que convencionem as partes, haja vista ser oriundo da vontade dos contratantes, que são livres.

Um contrato de locação, uma vez estabelecido por prazo determinado, não poderá ser retomado pelo locador, conforme reza o art. 4º da Lei de Locações:

Art. 4º. Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2º do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.

Frise-se que a locação de imóvel por prazo determinado somente será desfeita nas hipóteses contidas abaixo, a saber:

  • Por mútuo acordo;
  • Por infração legal ou contratual;
  • Por inadimplência do pagamento do aluguel e demais encargos da locação;
  • Para a realização de reparação urgente determinada pelo Poder Público, que não possam ser executadas com a locatária na posse do imóvel ou se puder, em que ela não consinta;
  • Pelo desemprego da locatária, se o pagamento do aluguel provinha de seu salário;
  • Para uso próprio do proprietário, do cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendentes ou descentes dele, desde que não disponham de imóvel residencial próprio;
  • Pela ocorrência de interesse ou necessidade de demolição e edificação licenciada ou para a realização de obras aprovadas pelo Poder Público, que aumentem a área construída, em, no mínimo, vinte por cento ou, se o imóvel for destinado a exploração de hotel ou pensão, em cinquenta por cento;
  • Se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos.

 

Privilegiando o Princípio da Autonomia da Vontade, na hipótese em que a locatária queira pôr fim a relação locatícia, deverá fazê-lo juntamente com o pagamento de uma multa rescisória.

Por multa rescisória, entende-se o valor expresso em moeda corrente previsto em contrato e que serve como uma indenização ao locador pela resilição contratual antecipada (art. 4º, L. n. 8.245/1991). O valor da multa rescisória, por força do insculpido na lei é “proporcional ao período de cumprimento do contrato” e na falta de estipulação, “a que for judicialmente estipulada”.

De modo geral, é possível dizer que o padrão é o de que a multa rescisória aplicada na resilição de contrato de locação seja de três vezes o valor do aluguel vigente, tendo, inclusive, arbitramento em sede judicial para que atinjam esse valor, conforme o julgado abaixo ementado:

Locação de loja em Shopping Center. Embargos à execução de título extrajudicial. Sentença de parcial procedência. Apelo de ambas as partes. Multa contratual pela rescisão antecipada do contrato. Previsão no equivalente a 10 (dez) aluguéis que é excessivo e desproporcional e deve ser reduzido, nos termos do art. 413 do CC. Multa reduzida para o equivalente a três aluguéis. Precedentes deste tribunal em hipóteses específicas de locação em Shopping Center. Na rescisão antecipada do contrato incide a regra do art. 4º da Lei de Locações. Pagamento da multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada. Proporcionalidade na aplicação da multa que não decorre do contrato, mas da lei. Embargos de execução julgados procedentes. Os honorários aos advogados da autora não comportam a majoração postulada na apelação. Apelação do embargado não provida. Apelação da embargante parcialmente provida. [GRIFO NOSSO]
(TJSP, Apelação Cível AC n. 1003735-70.2019.8.26.0224, rel. Morais Pucci, 35ª Câmara de Direito Privado, data de publicação: 06/06/2020)

O contrato de locação que tenha prazo indeterminado não possui incidência de multa rescisória, tendo em vista não haver estipulação de prazo para a sua duração, podendo a locatária resilir a referida avença a qualquer tempo.

IV – A locatária deseja entregar o imóvel antes de findo o prazo contratual. Quais as implicações da cobrança da multa rescisória no atual cenário de crise?

No início da quarentena imposta pelos governos – uma medida extrema para conter o avanço da Covid-19 – foram expedidos diversos decretos que visavam proibir o funcionamento de atividades não essenciais e isso incluiu os Shopping Centers.

Muitas medidas foram tomadas e formou-se uma parceria inédita entre os empreendedores e os lojistas, em que ambos resolveram se apoiar para não sucumbir à crise que a paralisação das atividades causou.

Assim sendo, tentando sobreviver em meio à pandemia e às medidas sanitárias rigidamente impostas, os empreendimentos se valeram, majoritariamente, dos canais de vendas on-line e do serviço de entrega de bens e alimentos (delivery).

Contudo, mesmo diante das alternativas criadas, alguns lojistas não conseguiram manter suas operações nos espaços locados, vindo a resilir os contratos de locação. Sem fluxo de caixa, os locatários viram-se também sem dinheiro para pagar as multas rescisórias previstas em contrato e passaram a invocar alguns institutos jurídicos como o da Teoria da Imprevisão, da Teoria da Onerosidade Excessiva, do Caso Fortuito e da Força Maior para se esquivarem ao pagamento desses encargos.

Primeiramente, destaque-se que não há vedação legal alguma no ordenamento jurídico brasileiro que impeça que o Shopping Center faça a cobrança desses valores relativos à multa rescisória, tampouco a sua previsão contratual é vedada.

Do entendimento dos tribunais, sublinhe-se que embora não haja um padrão de raciocínio majoritário seguido pelos magistrados brasileiros, salta aos olhos que alguns Tribunais veem tomando a posição de viabilizar, flexibilizar e até mesmo facilitar a redução da multa rescisória que decorra de revezes financeiros da locatária, verificada a sua boa-fé no caso concreto, ainda que previsto o encargo em instrumento contratual.

No rastro dessa tendência, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministro João Otávio de Noronha, afirmou, na ocasião de um debate virtual, que o magistrado possui espaço em seu mister para criar soluções que se prestem a conciliação dos interesses sob os efeitos econômicos da pandemia da Covid-19, todavia, deve-se ter cautela para que não seja criado um “Princípio da Covid-19” que seja usado como pretexto para que se interfira nas relações contratuais, que são eminentemente privadas.

Para o indigitado magistrado, os conflitos que decorrem da crise sanitária instalada desde março desse ano deverão ser resolvidos por meio da repactuação dos acordos, porém, não cabe aos juízes atender aos pedidos dos locatários ex officio sem antes verificar o real desequilíbrio financeiro deles. Ele acredita que uma forma de proteger o sistema é lançar mão da mediação em larga escala, pois esse método preserva a economia e a ordem jurídica vigentes.

Alguns juízes têm se pronunciado sobre isso também, e eles preveem que as demandas no Judiciário por conta das perdas financeiras em razão da pandemia só tendem a crescer; os casos deverão ser analisados de per si, para que sejam verificadas tanto a razoabilidade quanto a proporcionalidade do fato ao caso concreto apresentado.

Além da razoabilidade e da proporcionalidade analisados, é necessário que sejam mensurados o nexo de causalidade e o prejuízo efetivamente sofrido, como, por exemplo, se a loja ficou impedida de funcionar durante toda a quarentena ou por todo o período de funcionamento do Shopping, se o lojista pôde vender seus produtos por meio do sistema drive-thru ou delivery, etc. A solução não será uma fórmula pronta e o diálogo e a ponderação serão de extrema valia.

Assim sendo, do ponto de vista contratual, a multa é devida e lícita, porém, caso o assunto seja levado ao Judiciário, a tendência é a de que o lojista consiga significativa redução ou até mesmo exoneração do pagamento da multa rescisória, o que é um risco para o Shopping.

Em um momento em que ninguém pode perder mais, o aconselhável é que ambos – lojista e Shopping – , diante da resilição de um contrato de locação em que haja previsão do pagamento de multa rescisória, negociem e que a locadora conceda até mesmo melhores condições de pagamento do referido encargo, como o parcelamento, por exemplo, visando minimizar e mitigar eventuais demandas judiciais.

V – Referências

ABRASCE. Aspectos Jurídicos em Shopping Centers. São Paulo: ABRASCE, 2011.
BRASIL. Constituição (1988). 22ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília: 2002.
BRASIL. Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991. Brasília: 1991.
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. AC n. 1003735-70.2019.8.26.0224. Apelante: Daiani Cristina Venditti – ME. Recorrida: General Shopping Brasil Administração e Serviços LTDA. Relator: Morais Pucci. São Paulo, 06 de junho de 2020. Disponível em: < https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/856871497/apelacao-civel-ac-10037357020198260224-sp-1003735-7020198260224 >. Acesso em 03 nov. 2020.
DUTRA, Nathalia Carvalho; ROSA, Fernanda C. Frustockl; MATANZAS, Andressa; LEITE, Carolina Flores Copetti. Aspectos dos Contratos de Locação em Shopping Centers diante do novo Coronavírus. São Paulo, 20 jul. 2020. Baptista Luz Advogados. Disponível em: <https://baptistaluz.com.br/institucional/contratos-de-locacao-em-shopping/ >. Acesso em 03 nov. 2020.
JÚNIOR, Nélio Silveira Dias. Na locação de prazo determinado, o locador não reaverá o imóvel antes de seu término. Rio Grande do Norte. Silveira Dias Advocacia. Disponível em: < https://silveiradias.adv.br/na-locacao-de-prazo-determinado-o-locador-nao-reavera-o-imovel-antes-de-seu-termino/ >. Acesso em 03 nov. 2020.
MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 12ª Ed. São Paulo: Atlas, 2018.

[1] São assim chamados porque constituem negócios jurídicos complexos que não se enquadram no simples conceito de locação comercial, posto terem particularidades que só a eles competem.

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