quinta-feira,28 março 2024
ColunaElite PenalContrabando de gasolina e princípio da insignificância

Contrabando de gasolina e princípio da insignificância

Primeiramente, vale relembrarmos a diferença do crime de contrabando com o crime de descaminho. No crime de contrabando (Art. 334-A, CP), ocorre a importação ou exportação de mercadoria proibida, e o bem jurídico tutelado é bem mais amplo, afeta bens jurídicos mais valiosos do que o erário, como a moral, a saúde, a proteção da indústria nacional etc. Já no crime de descaminho (art. 334, CP), a mercadoria não é proibida, mas há a falta de pagamento de direito ou imposto devido, ou seja, o agente busca iludir, no sentido de não declarar ou não pagar fraudulentamente o tributo. No descaminho a lesão ao bem jurídico é eminentemente econômica ou tributária.

O STF e o STJ têm decidido que a incidência do princípio da insignificância depende de alguns requisitos: 1) conduta minimamente ofensiva do agente, 2) ausência de periculosidade social da ação, 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica.

A adoção do princípio da insignificância exclui a tipicidade material, tornando-o atípico.

Lembrando que a atipicidade material é reconhecida no descaminho nas situações em que, descartada a habitualidade criminosa, sendo possível aplicação do princípio da insignificância quando o valor do tributo não ultrapassa o patamar de de R$ 10.000,00, conforme entendimento consolidado do STJ (AgRg no REsp 1.691.263/RS, DJe 31.10.2017) e para o STF, não ultrapassar o patamar de R$ 20.000,00 (HC 136.843/MG, DJe 10.10.2017).

Em que pese, no crime de contrabando, que, diferentemente do descaminho, não envolve simplesmente o não pagamento de tributo, os tribunais superiores não admitem a aplicação do princípio da insignificância.

Conforme orientação do STJ:

“Inaplicável o princípio da insignificância ao crime de contrabando de gasolina, uma vez que a importação desse combustível, por ser monopólio da União, sujeita-se à prévia e expressa autorização da Agência Nacional de Petróleo, sendo concedida apenas aos produtores ou importadores, de modo que sua introdução, por particulares, em território nacional, é conduta proibida. Precedentes” (AgRg no REsp 1.309.952/RR, DJe 14/04/2014).

Quanto à aplicabilidade do princípio da insignificância ao crime de contrabando, a Segunda Turma do STF já havia negado pedido de habeas corpus em que se alegava crime de bagatela num caso de condenação por contrabando de cigarros pela Justiça Federal de Santa Catarina. Tal decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus (HC 110964/SC)[1].

No caso, o colegiado considerou que, embora a jurisprudência da Suprema Corte, amparada no artigo 20 da Lei nº 10.522/2002, seja no sentido de possibilitar o enquadramento do crime de descaminho no princípio da insignificância, quando o valor dos impostos sonegados for inferior a R$ 10 mil, no caso analisado se referia ao crime de contrabando, cujo objeto material sobre o qual recai a conduta é a mercadoria, total ou parcialmente proibida.

De início, destacou-se a jurisprudência do STF no sentido da incidência do aludido postulado em casos de prática do crime de descaminho, quando o valor sonegado não ultrapassar o montante de R$ 10.000,00 (Lei 10.522/2002, art. 20). Em seguida, asseverou-se que a conduta configuraria contrabando, uma vez que o objeto material do delito em comento tratar-se-ia de mercadoria proibida. No entanto, reputou-se que não se cuidaria de, tão somente, sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas, principalmente, de tutelar, entre outros bens jurídicos, a saúde pública. Por fim, consignou-se não se aplicar, à hipótese, o princípio da insignificância, pois neste tipo penal o desvalor da ação seria maior. O Min. Celso de Mello destacou a aversão da Constituição quanto ao tabaco, conforme disposto no seu art. 220, § 4º, a permitir que a lei impussese restrições à divulgação publicitária. (HC 110964/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, 7.2.2012)

No julgamento, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, explicou em seu voto que “o objetivo precípuo dessa tipificação formal é evitar o fomento de transporte e comercialização de produtos proibidos por lei. Assim, não se trata tão somente de sopesar o caráter pecuniário do imposto sonegado, mas sim de possibilitar a tutela, dentre outros bens jurídicos, da saúde pública”.


Na mesma linha, recentemente, o TRF da 1ª Região decidiu que o princípio da insignificância não se aplica no crime de contrabando de gasolina (APELAÇÃO CRIMINAL N. 0000067-53.2013.4.01.4200/RR. j. 28/11/2017).

No caso analisado, o réu havia interposto apelação contra sentença que o condenou pela prática do delito de contrabando, descrito no art. 334, § 1º, c, do Código Penal, à pena de 1 ano de reclusão, substituída por uma pena restritiva de direito.

Em seu recurso, o réu questionou a insignificância e a atipicidade material da conduta.

Entendeu o TRF que caracteriza o crime de contrabando a presença da elementar do tipo “importar ou exportar mercadoria proibida”, conforme dispõe a primeira parte do art. 334 do Código Penal. A importação de gasolina é proibida, pois tal atividade constitui monopólio da União (arts. 177, II, e 238 da CF e art. 4º, III, da Lei n. 9.478/1997), salvo prévia e expressa autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, e que a lei autoriza apenas as empresas ou consórcio de empresas a efetuar o transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, para suprimento interno ou para importação e exportação (art. 56 da Lei nº 9.478/1997).

Assim, cuidando-se de produto cuja importação é proibida, em proteção à indústria nacional, não há falar-se em alíquota de importação, o que torna inviável a aferição do montante do tributo iludido, para o fim de eventual aplicação do princípio da insignificância, que sequer tem sido admitido nos casos de contrabando, independentemente do montante do tributo eventualmente devido.

Por fim, considerou que não se aplica o princípio da insignificância ao crime de contrabando de gasolina, porquanto o bem jurídico tutelado pela norma penal transcende o aspecto meramente patrimonial, calcada no interesse arrecadador do Fisco, eis que busca resguardar também questões correlatas à segurança, saúde, proteção da indústria nacional, dentre outras.

Confira ementa:

PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO DE GASOLINA. ART. 334, §1º, C, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. JUSTIÇA GRATUITA. PARCIAL PROVIMENTO.
1. O réu interpôs apelação contra sentença que o condenou pela prática do delito de contrabando, descrito no art. 334, §1º, c, do Código Penal, à pena de 01 ano de reclusão, substituída por uma pena restritiva de direito. Em seu recurso, o réu questiona a insignificância da conduta.

2. No caso, no dia 06 de novembro de 2012, o réu manteve em depósito e utilizou em proveito próprio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira, consistente
em 700 (setecentos) litros de gasolina provenientes da Venezuela.

3. O delito de contrabando (CP, art. 334) consuma-se com o mero ingresso da mercadoria proibida no território nacional e com a manutenção dela em depósito. Trata-se de crime formal, que independe de resultado naturalístico para sua configuração e, portanto, prescinde da apuração do débito tributário na esfera administrativa para sua consumação. Não há necessidade do lançamento definitivo do débito tributário. Precedentes.

4. A importação de gasolina é proibida, pois tal atividade constitui monopólio da União (arts. 177, II, e 238, da CF e art. 4º, III, da Lei 9.478/1997), salvo prévia e expressa autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. A lei autoriza apenas as empresas ou consórcio de empresas a efetuar o transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, para
suprimento interno ou para importação e exportação (art. 56 da Lei 9.478/97).

5. Cuidando-se de produto cuja importação é proibida, em proteção à indústria nacional, não há falar-se em alíquota de importação, o que torna inviável a aferição do montante do tributo iludido, para o fim de eventual aplicação do princípio da insignificância, que sequer tem sido admitido nos casos de contrabando, independentemente do montante do tributo eventualmente devido.
6. Ademais, não se aplica o princípio da insignificância ao crime de contrabando de gasolina, porquanto o bem jurídico tutelado pela norma penal transcende o aspecto meramente patrimonial,
calcada no interesse arrecadador do Fisco, eis que busca resguardar também questões correlatas à segurança, saúde, proteção da indústria nacional, dentre outras. Precedentes do egrégio STJ e
do TRF/1ª Região.

7. Comprovadas a autoria e materialidade do crime de contrabando de gasolina, deve ser confirmada a sentença condenatória.

8. Apelação parcialmente provida apenas para deferir o pedido de justiça gratuita.
(APELAÇÃO CRIMINAL N. 0000067-53.2013.4.01.4200/RR. j. 28/11/2017)

 


 

[1] HC 110964/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, 7.2.2012. (STF Informativo nº 654 )

CEO / Diretora Executiva do Megajuridico. | Website

Advogada com atuação especializada em Direito de família e sucessões. Designer. Apaixonada por tecnologia e inovação, gosta de descomplicar o direito através do Legal Design e Visual Law.
Diretora de Inovação da OAB/RJ NI. Presidente da Comissão Especial de Legal Design e Inovação Jurídica da OAB/RJ NI. Diretora adjunta de Comunicação da ANACRIM/Baixada.
Mediadora judicial certificada pelo TJRJ e CNJ. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil.

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