quinta-feira,28 março 2024
ColunaElite PenalA Caixa de Pandora do Direito

A Caixa de Pandora do Direito

Por Julia Reader*

Olá queridos amigos, Juristas e simpatizantes do nosso fantástico mundo das Leis…estou voltando hoje do Recesso, espero que vocês tenham curtido e estejam revigorados para 2015, eu estou!

Amigos, antes de tratar do tema de hoje eu gostaria de fazer uma nota pessoal.

Eu tenho uma visão monolítica do Direito, nunca me separo como pessoa, nem dos casos em que atuo, nem do que escrevo, quem acompanha a coluna já deve ter notado, mas gostaria de frisar isso especialmente hoje.

O Tema que será abordado por mim hoje é um dos temas que me levou a escolher a minha profissão, um tema do qual o ser humano e a advogada vão falar ao mesmo tempo, mais junto do que nunca, um tema do qual eu sempre fui ativista, mesmo antes de saber oficialmente que eu cursaria Direito.

Porque essa nota, se isso ficará tão claro no texto?

Talvez por um cuidado excessivo, mas, sobretudo por respeito a quem vai ler esse texto, e principalmente por respeito a quem não tem a opinião formada.  Quem é ativista a favor vai continuar, muito provavelmente sendo, pois eu não viso, nem nunca visei na vida doutrinar e nem converter ninguém às minhas ideias.

Endoutrinação é antítese de tudo que eu acredito. Então, para finalizar, essa nota se destina a quem não tem opinião  formada sobre o assunto, ou não deseja ler opiniões nesta linha de raciocínio, este texto é um trabalho contra a pena de morte, escrito por alguém que luta contra pena de morte.

Superado o primeiro disclaimer, eu gostaria de mais uma nota. Eu não pretendo abordar somente Direito Penal, ou legalês, eu gostaria de convidar vocês a uma reflexão jusfilosófica, e também jusnaturalista…quem gostou do roteiro de bordo é imensamente bem vindo ao voo!

Atenção Tripulação… Decolar!

DA CAIXA E DOS MALES
Epimeteu mantinha em seu poder uma caixa, que havia sido dada pelos deuses anteriormente. Ora, conta a lenda que dentro desta caixa, continham todos os males, e que jamais deveria ser aberta pois, se aberta todos os males escapariam e trariam ao mundo sofrimento e desolação. Epimeteu avisou sua mulher de que jamais tocasse na caixa.
Porém a curiosidade de esposa não a impediu de abrir a caixa, em um dia depois de ter amado o marido, ele caiu em um sono profundo. Pandora se dirigiu até a caixa e a abriu, espalhando sobre os homens todos os terríveis males que haviam sido contidos na caixa, tais como mentiras, velhice, doenças, pragas, vícios etc. Sobrando dentro da caixa apena a esperança. Desde então a humanidade vem sofrendo com todos estes males sem que seja possível erradica-los.[1]

Pena de Morte – A Caixa de Pandora do Direito

caixa-pandora-direito Somos todos filhos de Pandora, e ainda nos digladiamos com a culpa da nossa mãe arquetípica pela abertura da fatídica caixa…. quando nos deparamos com um fato que fere a nossa tão precária ordem social, entramos em frenética luta de desidentificação com a figura do transgressor.

Essa desidenticação ocorre de varias formas, dependendo do momento histórico, da forma de governo, secular ou teocrático, da economia, do grau de instrução da população, mas a consciência social para restaurar a paz coletiva luta com todas as suas forças para se provar que aquele  individuo é algo diferente de nós, e passamos a ver o ser humano que cometeu um crime primeiro como “o criminoso”  e depois o vemos como o próprio  crime.

A Execução Do Brasileiro Marco Archer, no ultimo sábado, causou reações apaixonadas, no cenário Nacional e Internacional.

Falar de Pena de Morte é um assunto muito complicado, pela extensão, tem varias vertentes que merecem ser abordadas, então não pretendo esgotar o tema aqui, apenas convida-los a refletir comigo. Vamos começar entendendo o caso da Indonésia:

Marco Archer Cardoso Moreira foi preso em 2003 após tentar entrar no país com pouco mais de 13 kg de cocaína escondidos no interior de uma asa-delta. No momento em que foi pego, ainda no aeroporto, conseguiu escapar e ficou foragido por duas semanas.

Seu julgamento por tráfico de drogas e posterior condenação à morte aconteceram em 2004. Desde então, teve seu caso acompanhado por um advogado e também pelo governo brasileiro. Tentou ainda por duas vezes que fossem aceitos os pedidos de clemência que tinha direito. Os apelos, contudo, foram em vão.

Nascido no Rio de Janeiro, o brasileiro estava com 53 anos de idade. Na ocasião de sua prisão, declarou que começou a traficar para pagar dívidas com um hospital. De acordo com a Folha”

Na tarde deste sábado, Moreira e outros cinco homens condenados pelo mesmo crime foram mortos por fuzilamento é feita da seguinte forma: doze soldados se posicionam de frente para o preso. Cada um deles conta com uma arma, porém apenas duas delas estão carregadas. Se a pessoa alvejada sobrevive, recebe um tiro na cabeça.[2]”

A Problemática:

O Governo brasileiro por meio do Itamarati, dos Órgãos consulares na Indonésia e da Própria presidente Dilma, intercederam pedindo clemência ao cidadão brasileiro, o que foi veementemente negado pelo governo da Indonésia com a Alegação de Respeito a Soberania e a Vigência das leis locais.

Ocorre que a Indonésia, por livre vontade foi signatária da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Um aparte que se faz justo é que esta convenção não tem nenhum artigo expresso em que o pais se obriga a abolir a pena de morte, porém em seu artigo 3° diz expressamente:

 

III -Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoa

E toda a convenção segue o espirito do respeito aos direitos humanos e da não utilização de penas cruéis e degradantes, como também se pode observar:

Artigo V – Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante

 

Ou seja, Como cobrar respeito internacional se a Indonésia brinca com sua credibilidade ao signatar uma convenção e ignorar completamente esse compromisso em cenário internacional?

 

Nesse momento temos mais um brasileiro no corredor da morte na Indonésia, e milhares de pessoas além da fronteira da nossa língua aguardando execução nos EUA, na China, na Arábia Saudita,  na África (algumas ainda são legalmente queimadas por bruxaria) e em tantos lugares mundo a fora, então aproveitando esse momento de um caso que nos comoveu, seja contra ou a favor a pena de morte, a exposição do caso certamente ascendeu novamente os ânimos de todos, prós e contrários, então vamos pensar um pouco na pena de morte lato sensu

Eu Gostaria de contar a vocês a historia de uma menina…o nome dela era Delara…

Delara Darabi  em farsi; Rasht , 29  de setembro de 1986  – Rashtuma mulher iraniana executada após ser condenada pelo assassinato de uma prima abastada de seu pai. Ela tinha 17 anos de idade na época do crime. A princípio, Darabi confessou o assassinato, mas negou-o posteriormente, insistindo que o namorado dela, Amir Hossein, de 19 anos de idade, havia cometido o crime durante um assalto para roubar o dinheiro da vítima, de 65 anos de idade. A vítima, que foi esfaqueada até a morte, era mãe de três crianças.

Darabi passou cinco anos na cadeia após sua condenação. Durante, esse período, insistiu que havia sido convencida a assumir o crime no lugar do namorado, pois ele afirmou que ela não seria executada por ser menor de idade.

No corredor da morte, Darabi desenvolveu gosto pela pintura e concluiu várias obras que retratavam seu encarceramento e afirmavam sua inocência. Uma exposição de suas obras foi feita em Teerã como parte de uma campanha em prol de sua libertação. O advogado de Darabi, Abdolsamad Khoramshahi, apelou contra a sentença, argumentando que ela havia sido condenada tendo por base somente sua confissão e que seu julgamento havia falhado em considerar tal evidência vital.

Darabi tornou-se pintora e escreveu alguns poemas durante sua curta vida. Usou suas pinturas e poemas para expressar seus sentimentos

Darabi tentou suicidar-se cortando os pulsos em 20 de janeiro de 2007. Todavia, sua colega de cela percebeu o ocorrido e pediu socorro. Ela foi levada para um hospital, onde se restabeleceu!

foi morta no dia 1º de maio de 2009 na prisão de Rasht, sem prévia notificação ao seu advogado, após um último e desesperado telefonema feito por ela aos seus pais, pedindo-lhes que a salvassem poucos minutos antes de sua execução por enforcamento.[3]

O Caso de Delara foi um dos tantos casos que mostram, esse de uma maneira um pouco mais gritante, como o sistema da pena de morte é perigoso, quais provas  seriam suficientes para uma pena que não permite anulação? Qual juiz humano é capacitado o suficiente, dentre seu histórico de vida, suas experiências, vivencias e preconceitos, qual júri é tão idôneo para determinar uma pena que após aplicada não permite revisão?

Convido você a pensar na lógica da pena de morte comigo.

Matar alguém é um ilícito penal. Para ser levado ao corredor da morte alguém têm que comer um ilícito penal,  a lógica da pena de morte acaba fazendo o caminho daqueles exercícios que usamos para ensinar raciocínio lógico  a  uma criança:
Maria: Você será morta para mostrar a você e a toda sociedade que você não deveria ter matado o João!

O Primeiro argumento que escuto de quem defende a pena capital é que diminui a violência, pois o criminoso iria pensar bem antes de praticar o crime.

O argumento que vem logo depois é manter um condenado preso pesa aos cofres públicos, então matar seria mais barato…

Vamos pensar um pouco? Em  outubro de 2011 a revista superinteressante publicou um excelente estudo sobre pena de morte, vou fazer a menção ao endereço nas referencias e recomendo fortemente a quem puder ler, para esse artigo nos é pertinente um trecho, que fala justamente sobre  esses argumentos de ativistas pró pena de morte:

nos 36 estados americanos que adotam a pena, o índice de assassinatos por 100 mil habitantes é maior que o registrado nos outros 14 estados que não condenam à morte. Na França, especialistas em segurança pública garantem que a violência não explodiu depois que a guilhotina foi aposentada, em 1977. No Irã, o exemplo é inverso: a pena de morte foi reintroduzida em 1979, com a revolução islâmica, mas não significou nenhuma redução das taxas de criminalidade. Por fim, pesa contra a pena de morte um argumento econômico: ela é muito mais cara que o encarceramento. Um dos estudos mais recentes sobre o tema, feito no estado americano do Kansas em 2003, revelou que o custo de uma sentença capital era até 70% mais alto que uma condenação ao cárcere. Um único caso de pena de morte sugava dos cofres públicos, em média, US$ 1,26 milhão (valor gasto do início do processo até a execução), contra US$ 740 mil de um caso comum (até o fim da pena). Na Califórnia, o atual sistema penal, que inclui a pena de morte, custa cerca de US$ 137 milhões ao ano. Sem ela, estima-se que custaria apenas US$ 11,5 milhões.[4]

Um outro conceito que escuto é que a pena de morte deveria ser exceção só reservada aos grandes crimes, algo como a punição capital da suprema maldade, este talvez seja o conceito que mais me apavora, pois ai voltamos a falar do malfadado Direito Penal do Inumano

Seguindo essa linha de raciocínio que não é incomum, se a pena de morte é reservada para quem quebra o pacto social de maneira mais extrema, para os crimes mais graves, se ela é a suprema punição, quais seriam esses crimes mais graves?  Quem teria a idoneidade tão imaculada para determinar?

O conceito acima abordado flerta perigosamente com o conceito de inimigo, e o conceito de inimigo varia perigosamente de acordo com quem está no poder. Se o poder é teocrático  os inimigos serão os inimigos da deidade, se o poder é secular os inimigos serão aqueles que ameaçam aquela ideologia.

Cito agora Mia Couto a titulo de reflexão sobre inimigos ( creio que quem acompanha já deve conhecer a minha paixão pelo Mia e pelo Galeno rsrs)

 O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.[5]

Avançando na problemática após conversamos sobre a lógica um outro problema é a questão politica, em muitos Países a pena de morte é usada como forma de repressão Estatal a opositores políticos, vou citar aqui alguns dados da página da Anistia Internacional de Portugal:

No Japão, as execuções são realizadas em segredo, sendo os prisioneiros informados apenas horas antes de serem mortos e os membros da família não são antecipadamente informados.

Na China e no Vietname, a informação relativa à pena de morte, tal como o número anual de execuções, é considerada como segredo de estado. Os pedidos feitos pelas Nações Unidas para que esta informação seja divulgada têm sido imediatamente negados.

Desta forma, as pessoas nesses países não têm acesso à informação e o debate acerca da questão dos direitos humanos é suprimido. Pela lógica, tal secretismo com certeza enfraquece qualquer alegado efeito preventivo que as execuções pudessem exercer.

Em Singapura a situação é idêntica. Este país apoia a pena de morte mas não divulga os números relativos à sua aplicação. O governo controla a imprensa e as organizações da sociedade civil, o que limita a  liberdade de expressão e se  constitui como como um obstáculo à monitorização independente do respeito pelos direitos humanos, incluindo a aplicação da pena de morte[6]

Falamos sobre a logica da pena de morte, da não diminuição da violência, da oneração que isso gera a sociedade, mas e ai, qual é a solução? Eu gostaria de levar você querido amigo, que veio por essa rota até agora comigo, por um plano de voo totalmente diferente, convido o a voar comigo para a Noruega, um lugar longe de toda essa Barbárie, onde ao em vez de vingança o sistema prisional visa a ressocialização, onde se investe no ser humano por trás do erro, e onde o índice de ressocialização até nos crimes mais bárbaros chega a 80%, vamos voar?

A taxa de reincidência de prisioneiros libertados nos Estados Unidos é de 60%. Na Inglaterra, é de 50% (a média europeia é de 55%). A taxa de reincidência na Noruega é de 20% (16% em uma prisão apelidada de “ilha paradisíaca” pelos jornais americanos, que abriga assassinos, estupradores, traficantes e outros criminosos de peso). Os EUA têm 730 prisioneiros por 100 mil habitantes. Essa taxa é bem menor nos países escandinavos: Suécia (70 presos/100 mil habitantes), Noruega (73/100 mil) e Dinamarca (74/100 mil). Mais ao Sul, a europeia Holanda tem uma taxa de 87/100 mil, e uma situação peculiar: o sistema penitenciário do país tem “capacidade ociosa” e celas estão disponíveis para aluguel. A Bélgica já alugou espaço em uma prisão da Holanda para 500 prisioneiros. Ou seja, o melhor espelho para os interessados de qualquer país em melhorar seus próprios sistemas, está na Escandinávia e arredores, não nos Estados Unidos.

A diferença entre os países está nas teorias que sustentam seus sistemas de execução penal. Segundo o projeto de reforma do sistema penal e prisional americano, descritos na Wikipédia, eles se baseiam em três teorias: 1) Teoria da “retribuição, vingança e retaliação”, baseada na filosofia do “olho por olho, dente por dente”; assim, a justiça para um crime de morte é a pena de morte, em sua expressão mais forte; 2) Teoria da dissuasão (deterrence) que é uma retaliação contra o criminoso e uma ameaça a outros, tentados a cometer o mesmo crime; em outras palavras, é uma punição exemplar; por exemplo, uma pessoa pode ser condenada à prisão perpétua por passar segredos a outros países ou a pagar indenização de US$ 675 mil dólares a indústria fonográfica, como aconteceu com um estudante de Boston, por fazer o download e compartilhar 30 músicas – US$ 22.500 por música; 3) Teoria da reabilitação, reforma e correição, em que a ideia é reformar deficiências do indivíduo (não o sistema) para que ele retorne à sociedade como um membro produtivo.

As duas primeiras explicam o sistema penal e o sistema prisional dos Estados Unidos. Existem esforços para implantar e manter programas de reabilitação, mas eles constituem exceção à regra. Na Noruega, a terceira teoria é a regra. Isto é, a reabilitação é obrigatória, não uma opção. Assim, o “monstro da Noruega” , como qualquer outro criminoso violento, poderá pegar a pena máxima de 21 anos, prevista pela legislação penal norueguesa. Se nesse prazo, não se reabilitar inteiramente para o convívio social, serão aplicadas prorrogações sucessivas da pena, de cinco anos, até que sua reintegração à sociedade seja inteiramente comprovada.

Fundamentalmente, acreditamos que a reabilitação do prisioneiro deve começar no dia em que ele chega à prisão”, explicou a ministra júnior da Justiça da Noruega, Kristin Bergersen, à BBC. “A reabilitação do preso é do maior interesse público, em termos de segurança”, disse. O sistema de execução penal da Noruega exclui a ideia de vingança, que não funciona, e se foca na reabilitação do criminoso, que é estimulado a fazer sua parte através de um sistema progressivo de benefícios — ou privilégios — dentro das instituições penais. O país tem prisões comuns, sem o mau cheiro das prisões americanas, dizem os jornais, e duas “instituições” que seriam lugares para se passar férias, não fosse pela privação da liberdade: a prisão de Halden e a prisão de Bostoy, em uma ilha…. Como escreveu o articulista da Time Magazine: “Acho que devemos parar de criticar a Noruega e nos fazer um grande favor, observando como uma sociedade civilizada lida com seus criminosos, mesmo com ‘monstros como Anders Breivik [7]

Citei esse exemplo maravilhoso da Noruega, inviável no atual cenário brasileiro é verdade. Mas este exemplo nos deixa um matéria  muito válido para pensar, talvez o mais importante de todos quando se trata de pena de morte, o sistema de retribuição e vingança já provou desde o código de talião que não funciona. Se cobrarmos olho por olho, acabaremos todos cegos!

Execuções Desumanas:

Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas publicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Villa Rica aonde em lugar mais publico della será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes pelo caminho de Minas no sitio da Varginha e das Sebolas aonde o Réu teve as suas infames práticas e os mais nos sitios (sic) de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens applicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável Réu; “( Sentença de Tiradentes a morte)

 

Temos muito orgulho da nossa tecnologia, nos orgulhamos da nossa ciência, olhamos no espelho e nos sentimos sobremaneira civilizados com a nossa filosofia, nossos foguetinhos que pousam no espaço, a nossa literatura, nossa religião.

O homem funde a cuca se não for a júpiter Proclamar justiça junto com injustiça Repetir a fossa Repetir o inquieto Repetitório.

Restam outros sistemas fora Do solar a colonizar. Ao acabarem todos Só resta ao homem (estará equipado?) A dificílima dangerosíssima viagem De si a si mesmo: Pôr o pé no chão Do seu coração Experimentar Colonizar Civilizar Humanizar O homem Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas A perene, insuspeitada alegria De con-viver.( O Homem e suas Viagens Poema de Carlos Drumond Andrade)[8]

 

Com pena de morte a nossa doença social repete o mesmo processo, evoluímos em higiene, desde a época das barbáries, da crucificação dos cristãos, da queima às bruxas, da sentença de Tiradentes, ficamos mais higiênicos, mais tecnológicos, mais científicos, nossos sistemas de matar chocam menos as plateias da execução. Vou contar a vocês a história de um cara, o nome dele é Romel.

As principais armas da acusação contra Romell Broom foram os depoimentos das duas testemunhas que estavam com a adolescente estuprada e morta em 1984. Naquela época não existia teste de DNA e a defesa questiona até hoje a validade do processo. Broom se declara inocente. Naquele que seria seu último telefonema, ele disse a um irmão que já estava cansado depois de tantos anos na cadeia e que o melhor que poderia acontecer em sua vida é que ela acabasse o mais rapidamente possível. Mas o inesperado aconteceu. Às 14h01, os funcionários da penitenciária fazem a primeira tentativa de injetar o coquetel da morte. Ao ver a dificuldade dos funcionários para encontrar uma veia, o prisioneiro ajuda, oferece o outro braço. Mas depois de várias tentativas, às 14h30, os funcionários param. O prisioneiro sua frio, pede um copo d’água. O relatório registra a indecisão dos funcionários ao tentar injetar a agulha também nas pernas. E novamente no braço. O prisioneiro se desespera. Pelo vidro, as testemunhas percebem que algo está errado.
São feitas novas tentativas, ao todo 18 perfurações, e os funcionários já não sabem como injetar o coquetel da morte. Às 16h24, chega a notícia: o governador mandou adiar a execução.

Tortura Na cidade onde aconteceu o crime, a população se divide entre aqueles que exigem rigor e pressa no cumprimento da pena de morte e os que acreditam que uma nova tentativa de execução seria punição abusiva e cruel, mesmo se tratando de um homem acusado de estupro e assassinato.

É uma questão intrigante, que esbarra na Constituição dos Estados Unidos. Recentemente, por sete votos a dois, a Suprema Corte dos Estados Unidos concluiu que a injeção letal é uma forma humana de se matar um criminoso. Na entrevista ao Fantástico, a advogada de defesa disse que o que aconteceu na câmara de execução foi tortura: “Entendo que houve uma violação da Constituição. A pena de morte deve ser executada de forma rápida e indolor. Claramente não foi isso o que aconteceu. A execução acabou se transformando em uma sessão de tortura”, disse Adele Shank. Foi a segunda vez na história recente dos Estados Unidos que um condenado escapou da pena de morte. Em 1946, um assassino de 17 anos resistiu a um choque de 2,5 mil volts na cadeira elétrica. E só foi morto um ano depois. A repercussão do caso Broom levou o estado de Ohio a adiar duas execuções marcadas para este ano. No fim de novembro, o problema vai para Suprema Corte dos Estados Unidos. Especialistas dizem que se o estado foi incompetente na tentativa de executar uma pena de morte, não é culpa do condenado. Por enquanto ninguém sabe o que fazer com o homem que resistiu à pena de morte. Julie Walburn, a porta-voz do sistema penitenciário, disse que estão sendo analisadas formas alternativas de se injetar o coquetel e não descartou nenhuma possibilidade: “Todas as opções estão sobre a mesa”, disse.[9]

Caso Clayton Lockett

Falha Segundo o departamento prisional, os agentes penitenciários usaram nova combinação de drogas em injeções letais, que estouraram uma das veias do prisioneiro. Clayton Lockett começou a respirar com dificuldade, contorcendo-se e tentando levantar a cabeça do travesseiro, depois de três minutos de receber a primeira das três injeções que tomaria segundo a AP. Após 10 minutos ele foi declarado inconsciente.

Lockett morreu nesta terça (29) de ataque cardíaco depois que a sua execução, em prisão do estado de Oklahoma, fracassou.[10]

Eu não Citei o crime que essas pessoas cometeram, pois para mim, na discussão da pena de morte, o crime, a culpa ou a inocência são irrelevantes, a pena de morte é uma punição irreversível, ela leva o Estado  a  agir como criminoso, agredindo de forma irreversível aquele que estava sob sua tutela, aquele que mesmo tendo delinquido estava detido, hipossuficiente, sem qualquer condição de causar dano, ou de se defender, em ultima analise a pena de morte é uma injusta agressão estatal.

Para finalizar o pensamento acima, deixo como convite a reflexão um pensamento de John Donne:

A morte de todo ser humano diminui-me, porque eu faço parte da humanidade; eis porque nunca pergunto por quem dobram os sinos: eles dobram por mim.

 

A única solução viável contra a violência não é imediata, todos nós desejaríamos um passe de abra cadabra e um mundo seguro, mas cada um de nós sabemos em nosso intimo que a solução não é essa.

Podemos regredir a idade média que com muita propriedade foi chamada de Idade das trevas e enforcar cada ladrão de galinha, podemos até reinstalar uma ditadura que roube arbitrariamente cada um dos nossos direitos, podemos acreditar que estamos em guerra e que se abdicarmos os Direitos Humanos, que se deixarmos outrem decidir sobre o Direito à vida redimiremos Pandora, ora podemos, mas em nosso intimo sabemos o que vai acontecer, a violência não vai diminuir, pelo contrario, apenas criaremos uma nova forma de violência somada a que já nos assola.

O Caminho é outro, o caminho é nos reconciliarmos com Pandora, primeiro bem ressabiados, olhando de longe, depois um dia tocaremos de leve e sairemos correndo, outra vez, tocaremos mais demoradamente e nos distanciaremos já sem correr, até que um dia, tomados de coragem a olharemos nos olhos e com a alma cheia de espanto perceberemos que aqueles olhos outrora tão assustadores carregam tanta humanidade quanto os nossos, e nesse dia quem sabe nós reencontraremos a esperança, e e essa esperança a muito perdida nos ajude a encontrar um caminho, não de sangue, e nem divino, mas humano, imperfeito, lado a lado com os nossos, afinal De tudo que foi libertado por nossa mãe arquetípica até hoje só não tivemos coragem de encarar nossa tão humana, falível, mas ainda assim, divinamente humana esperança!

Queridos amigos chegamos ao fim deste voo, para mim o mais difícil de ciceroneá-los até hoje! espero que concordando ou não, a reflexão tenha sido válida para todos.

Antes de voltarmos a terra firme eu gostaria de agradecer a companhia até aqui o nosso encontro esse ano vai ser de 10 em 10 dias e a proposta continua a mesma, analisarmos temas humanos pela ótica jurídica e temas jurídicos pela ótica humana, sempre com pitadinhas de psicologia, cinema, filosofia, arte e por ai vamos,

Por fim a equipe de cinema desse voo gostaria de deixar duas sugestões à tripulação.

A primeira e minha preferida, confesso é A Vida  de David Gale, o filme mais genial que eu já assisti sobre pena de morte, quem puder, o filme não é apelativo e o roteiro é realmente muito bom!

O Segundo é um filme bem emocional e perturbador, não recomendado para quem não tem os nervos de aço rsrs.  A Espera de um Milagre Sem fazer spoiler esse filme se passa inteiro no corredor da morte, assista por sua conta e risco.

Dúvidas? críticas? sugestões? Deixe seus comentários aqui!

Até a próxima!  😉

 

 


Referencias usadas neste Artigo disponíveis em:

[1]  http://www.espiraistempo.com.br/2012/02/mitologia-grega-caixa-de-pandora.html)

[2]http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/brasileiro-e-fuzilado-na-indonesia-relembre-o-caso)

[3]  http://pt.wikipedia.org/wiki/Delara_Darabi

[4] http://super.abril.com.br/cotidiano/pena-morte-686419.shtml

[5] https://praler.wordpress.com/tag/murar-o-medo/

[6] https://contrapenademorte.wordpress.com/sobre-a-pena-de-morte/execucoes-secretas/

(pg da Anistia internacional portuguesa com riquíssimas informações sobre o tema)

[7] http://www.conjur.com.br/2012-jun-27/noruega-reabilitar-80-criminosos-prisoes

[8] https://www.youtube.com/watch?v=QIe7gfP2gH0 (lindo poema de Drumond, nessa versão  em vídeo)

[9]http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1345674-5602,00-CONDENADO+ESCAPA+DA+PENA+DE+MORTE+APOS+TENTATIVAS+COM+INJECAO+LETAL.html

[10] http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/04/condenado-morte-morre-de-ataque-cardiaco-apos-sua-execucao-fracassar.html

 

*Julia Reader é advogada militante, atuando na área de direito penal, formada pela Estácio de Sá de campo Grande/MS.

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1 COMENTÁRIO

  1. Uma pessoa como vc sim, deveria estar no lugar de Juiz! Vontade de pesquisar e ir alem dos fatos relatados, que consegue ver além da otica criminal….
    Receba os parabéns de uma leiga, civil, que se emocionou com a sua viagem proposta!

    Saudações
    Luciana

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