quinta-feira,28 março 2024
ColunaElite PenalBusca pessoal e abordagem policial tem previsão legal?

Busca pessoal e abordagem policial tem previsão legal?

A busca pessoal, conhecida também como revista pessoal, “dura”, “abordagem”, “geral”, é o ato de procurar, no corpo ou “a borda” do indivíduo realizador de conduta possivelmente criminosa, elementos que comprovem esse comportamento.

busca pessoal abordagem policial
A busca pessoal pode necessitar de mandado judicial , caso contrário deve basear-se em fundada suspeita de estar a pessoa em posse de arma ou objeto apto a comprovar a materialidade de um delito.

O ato realizado pela Policia Militar que utiliza este procedimento como instrumento de promoção da segurança pública. Contudo, a utilização deste meio de proteção atinge determinados direitos individuais, instituindo assim, conflitos entre o direito da coletividade e a observância do princípio da dignidade da pessoa humana.

Para que haja amparo legal na ação policial, deverá haver fundada suspeita, conforme determina o artigo 244 do CPP:

                       Artigo 244 – “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.”

Este artigo está inserido no capítulo das provas no processo penal, e a ausência de justificativa, poderia tornar a prova adquirida desta maneira, como ilícita. Alguns doutrinadores tem a revista pessoal como meio de provas.

Rogério Sanches aponta que, “a busca pessoal, ou revista pessoal, realizada no corpo da pessoa, tem por objetivo encontrar alguma arma ou objeto relacionado com a infração penal.”[1]

Segundo Guilherme Nucci, a suspeita para a revista pessoal sem mandado judicial há de ser “fundada”, ou seja, baseada em elementos visíveis e concretos, passíveis de confirmação por testemunhas.[2]
Exemplo: revista-se, sem mandado, o suspeito de portar arma de fogo ou carregar consigo qualquer tipo de droga.

No contexto da busca pessoal insere-se a revista a veículos em geral, pastas, mochilas, malas, lanchas etc.
Estão fora da busca pessoal, tratando-se como busca domiciliar, os veículos que proporcionam abrigo para o motorista (trailer, boleia de caminhão, barco com cabine etc).

Portanto, a fundada suspeita não pode orientar-se por elementos subjetivos, já que, em virtude do caráter lesivo a direitos individuais, é importante a existência da reverência ao princípio da legalidade, como visto em decisão do Supremo Tribunal Federal:

               A “fundada suspeita”, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um “blusão” suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido para determinar-se o arquivamento do Termo. (Habeas Corpus nº 81.305-4. Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 22-02-2002)

 

O Abuso de autoridade:

Entretanto, há um liame que diferencia a abordagem legal, da abordagem ilegal, quando ocorre utilização indevida, por despreparo de alguns policiais, ou quando, dolosamente, marginais transvestidos de Estado se utilizam desse recurso legitimado pela sociedade para exercer condutas criminosas, depreciando a dignidade e os direitos individuais do homem e marginalizando um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de satisfazer seus sadismos, ou propagar a violência gratuita, através de agressões, abusos e humilhações físicas e morais, além de outras condutas inaceitáveis.

Segundo Hely Lopes Meireles, esse abuso de autoridade é gênero, do qual são espécies o desvio de finalidade e o excesso. O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. [3]

Somente é permitida a busca pessoal diante de uma suspeita fundamentada, palpável, baseada em algo concreto.

Ressalta-se que “suspeita” difere de “fundada suspeita”. Segundo a doutrina, a suspeita é uma “desconfiança ou suposição”, é algo intuitivo e frágil por natureza, pois, enquanto “suspeita” remete ao “desconfiar”, a sua realização fundamentada sustenta uma materialidade, uma concretização da suspeita de uma determinada conduta para a sua formação, não sendo admitida a busca que não atenda este requisito, pois, “se a busca pessoal for feita sem que haja fundada suspeita, a conduta do agente policial poderá se caracterizar como crime de abuso de autoridade.

Sobre o abuso de autoridade, em face a busca pessoal, a Lei 4.898/65 versa através do artigo 3º e 4º:

      Art. 3º – “Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei nº 6.657,de 05/06/79)”

Art. 4º – “Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;
d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;
e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;
f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;
g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;
h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei nº. 7.960, de 21/12/89).”

De acordo com o artigo 5º da lei 4.898/63 “Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração“.

Para que exista legitimidade na busca pessoal, é de extrema importância à observância da fundada suspeita, expressão permeada de subjetividade e sem definição legal, possibilitando interpretações questionáveis e realizações de condutas ilícitas.

Busca pessoal em mulheres:

No caso de busca pessoal em mulheres, o artigo 249 do Código de Processo Penal  dita que:

Artigo 249 – “A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência.”

busca_pessoal_em-mulheres Significa que se houver fundada suspeita, e não havendo policiais mulheres, uma mulher poderá ser revistada por policiais do sexo masculino, desde que não ocorram abusos, tudo com o devido respeito e discrição por parte do policial. Na ocorrência de abusos por parte do policial, e se ele agir sem respaldo legal poderá seu ato ser considerado abusivo, sendo caracterizado crime de abuso de autoridade, previsto na Lei 4.898/65.

 

Blitz de trânsito:

blitz_transito Cabe salientar que a blitz de trânsito, aquela que fiscaliza documentos e condições do veículo tem previsão legal no Código de Trânsito. Ilegal é o bloqueio policial que submete o cidadão a uma revista pessoal como ação preventiva de delito.

Não é legal e legítima a solicitação do agente policial para que o condutor de um veículo saia do mesmo para se submeter à revista pessoal, salvo quando ocorrer a “fundada suspeita” de que esteja transportando produto de natureza ou de origem criminosa.
Não se admite critérios subjetivos , assim é admissível a recusa do condutor em sair do veículo, não constituindo esta simples recusa em crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal e pelo mesmo motivo não há que se falar em crime de desacato.

 

Como o cidadão deve agir em caso de abordagem policial:

Primeiramente, o cidadão deve permitir, sem resistir, que o policial o reviste, mesmo que considere a revista desnecessária. Mesmo quando impelido e coagido a ser submetido à busca pessoal e ou a prisão ilegal, sem que a autoridade policial apresente mandado judicial ou um motivo legal e plausível, deve manter-se calmo, para evitar incorrer no crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal, ou incorrer no crime de resistência previsto no artigo 329 do mesmo código, se houver resistência somada com ameaça ou agressão.
Entretanto, o cidadão ofendido deve exercer os seus direitos e sempre denunciar o fato à Ouvidoria de Polícia e também ao Promotor de Justiça, no Ministério Público de sua cidade.
Ocorrendo abuso de autoridade, é recomendável tomar nota dos nomes dos policiais envolvidos, testemunhas (que podem ser outras pessoas submetidas ao mesmo tipo de ação abusiva e ilegal), se puder, anote o numero da placa da viatura e tudo mais que possa ser útil para uma futura ação penal contra os autores do fato e ou contra o Estado quando for o caso.
Mesmo sem ter todas informações acima, comunique o ocorrido ao Ministério Público ou à Corregedoria de Polícia.

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), lançou uma cartilha que ensina como o cidadão deve agir em abordagens policiais. A cartilha tem por objetivo informar a população sobre seus direitos e deveres no relacionamento com as Polícias.
Confira a cartilha no link abaixo:
Cartilha do CNMP

 

Referências:

[1] CUNHA, Rogério Sanches. Processo penal: doutrina e prática. São Paulo: JusPodivm.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Disponivel em:https://www.facebook.com/guilhermenucci2. Acesso em 08/08/13.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 38ª Ed. 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):
TELES, Vanessa. Busca pessoal e abordagem policial tem previsão legal? MegaJurídico. Disponível em <http://www.megajuridico.com/busca-pessoal-e-abordagem-policial/>. Acesso em: ___.
CEO / Diretora Executiva do Megajuridico. | Website

Advogada com atuação especializada em Direito de família e sucessões. Designer. Apaixonada por tecnologia e inovação, gosta de descomplicar o direito através do Legal Design e Visual Law.
Diretora de Inovação da OAB/RJ NI. Presidente da Comissão Especial de Legal Design e Inovação Jurídica da OAB/RJ NI. Diretora adjunta de Comunicação da ANACRIM/Baixada.
Mediadora judicial certificada pelo TJRJ e CNJ. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil.

Receba artigos e notícias do Megajurídico no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/megajuridico.
spot_img

13 COMENTÁRIOS

  1. Bom artigo.

    Vale notar que a cartilha do CNMP é extremamente imprecisa e falta informações essenciais, por exemplo, cita as situações de forma informal mas não embasa com as leis correspondentes de cada situação ou ainda como no fim deveria existir a lista de Ministério Públicos para onde as vítimas de abuso de autoridade poderiam ir para fazer suas denúncias e reclamações contra agentes públicos, que na cartilha é uma página em branco apenas com o título.

    A cartilha recomenda que o cidadão se sujeite a revistas pessoais mesmo que julgue ser ‘desnecessário’ (isto é, potencialmente ilegal por parte do agente) e depois entre em contato com o Ministério Público para fazer uma denúncia, mas no fim não dá a lista de contato e telefones para fazer tal denúncia. O cidadão não deve se submeter a uma ação ilegal por parte de agentes públicos de segurança, ponto final. Deve dizer que não dá consentimento a buscas ou revistas pessoais ou de seus bens sem mandato judicial, flagrante ou devida suspeita. O cidadão não deve resistir a uma revista pessoal (legal ou ilegalmente) forçada pois isto pode ser construído como resistir à prisão ou obstrução de uma investigação, no entanto, entenda que se for resistência durante revista ilegal sem consentimento, não será possível que um tribunal identifique isto como resistir a prisão ou obstrução pois não pode ocorrer uma prisão ou investigação conduzida de forma ilegal.

    Outro erro grotesco na cartilha é afirmar que uma testemunha tem o dever de cooperar com uma investigação. Ora, isto fica a critério da testemunha, esta não pode ser coibida a participar de algo que não estabeleceu algum tipo de contrato mesmo que informal. Quem determina se a testemunha deve ou não ser forçada a cooperar são os tribunais, especificamente os juízes, se determinarem que é necessário e isto após pedido da promotoria. Os agentes públicos de segurança (vale incluir, apenas a polícia civil investigativa) podem no máximo determinar quem é uma testemunha e identificá-la para que os tribunais intimem ou convoquem. A testemunha tem o direito de ficar em silêncio durante contato com agentes públicos, este direito existe em todo momento, independente de ser acusado, cúmplice, vítima, testemunha ou simplesmente estar em uma abordagem policial, que é apenas um contato consensual.

  2. Acho incoerente a postura de uma gama de cidadãos que s expõem seus melindres de que foram ou serão constrangidos diante do trabalho da Polícia, declarando-o arbitrário, etc. Ora se não tá bom assim, então tira o rabo da cadeira e vai pra rua brigar pelo que realmente importa, que é a urgentíssima reforma do judiciário e da porra do CPP.

  3. Fui abordado de forma que mão na cabeça é para bandidos pq não pega os documentos primeiro depois trata a gente se for bandido

    • A abordagem é o momento mais crítico na ação do policial, tem que tomar todas as ações de segurança, mão na cabeça é para tirar toda e qualquer possibilidade de um possível autor atentar contra a vida do policial e de terceiros, abordagem é o primeiro passo para realizar prisões, encontrar armas, drogas, qualquer ilícito, se retirar o poder da polícia de abordar, acabou o Brasil, já estamos sendo comandados por bandidos, onde estão legislando leis para acabar com a polícia, e facilitar a bandidagem.

  4. Bom segundo a definição da digníssima doutora que escreveu este “artigo”, o policial que aborda e evita crimes é ” UM marginal transvestidos de Estado se utilizam desse recurso legitimado pela sociedade para exercer condutas criminosas, depreciando a dignidade e os direitos individuais do homem e marginalizando um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de SATISFAZER SEUS SADISMOS, ou PROPAGAR A VIOLÊNCIA GRATUITA”. espero que essa pessoa que diz que tem o objetivo de seguir a carreira na magistratura nunca consiga este intuito para o bem da sociedade de boa conduta.

    • Ela se referiu aos policiais corruptos ou incompetentes que não atuam na lei e sim por suas opiniões e propensões pessoais, e portanto de fato usam a cor da lei mas de forma ilegal, sendo portanto criminosos. É fato notório que muitos policiais são agressivos e excedem as suas jurisdições, isto se chama abuso de autoridade. Vc não apresentou nenhum argumento sobre o texto e está atacando a autora sem qualquer mérito para tal, apenas recortou uma parte que não gostou pq não entendeu ou simplesmente acha que policial não pode ter limites para cumprir a sua “função”. Entenda que a função deles é naturalmente limitada pela lei, qualquer coisa além disto estão agindo fora e contra a lei como qualquer outro criminoso. Um criminoso fardado é uma vergonha para a corporação e para o bem público.

  5. Policiais são seres humanos e passiveis de erros, inclusive grotescos. Muitos, digo muitos, abordam o cidadao de maneira truculenta. Muitos, tambem, ficam atras de propinas, fazem abordagens atras de propinas. Então, devem informar o motivo da abordagem, mas tem que ser um motivo justo e objetivo. O simples “achar”, ou rotina, torna ilegitima a abordagem.

  6. Quem gosta de ser incomodado por uma abordagem policial? eu não gosto e ninguém gosta. Mas prefiro ser abordado por um policial que por um marginal. Esses comentários refletem a pura hipocrisia brasileira. Se a policia aborda fere os princípios da dignidade e se não aborda é omissa. Quer saber de uma coisa, foda-se quem acha ruim. mudem o CPP ou vão morar em outro país.

  7. Tomara que esta forma de pensar faça com que os policiais deixem de abordar “cidadãos” e que estes se sintam cada vez mais livre para cometer atos ilícitos. É menos trabalho para os agentes e quem sofrerá as consequências é a classe que menos recebe e mais trabalha que ficará a merce da criminalidade, já que querem retirar a unica arma que o policial pode usar na prevenção do crime.

  8. Acho que a lei deveria ser mudada para retirar o termo fundada suspeita ou simplesmente não permitir a busca pessoal. Se o policial acha que o indivíduo é suspeito e o indivíduo vai fazer questão de não sofrer a busca, não vejo porque a autoridade tem que “perder”. O que está acontecendo é quando o indivíduo abordado é advogado ele resiste e não dá nada. Quando é um cidadão comum e resiste é preso. E o policial nem sempre está cometendo abuso não. Acho que ou deveria dar aos policiais toda a faculdade de revistar quem eles quiserem na hora que bem entenderem ou simplesmente não permitir nenhum tipo de busca. O que está errado é o policial ser punido por exercer sua função. Quando um bandido aborda o mesmo advogado este não esboçará nenhuma reação para não morrer. Quando é o policial ele vem falar em dignidade… kkk. As leis são muito complicadas, muito filosóficas… Ou permite ou não permite, é minha opinião…

  9. excelente uma verdadeira aula sobre direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana de modo bem simples…

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

spot_img

Mais do(a) autor(a)

spot_img

Seja colunista

Faça parte do time seleto de especialistas que escrevem sobre o direito no Megajuridico®.

spot_img

Últimas

- Publicidade -