Coordenação: Francieli Scheffer H.
Introdução
Com o mundo assolado pela pandemia numa proporção nunca vista antes, os operadores do direito travam uma luta particular, também inusitada mas natural no mundo moderno.
O correto enquadramento daqueles que trabalham utilizando as plataformas digitais na atividade de serviço de transporte de pessoas e encomendas tem sido um grande desafio nos Tribunais pátrios e estrangeiros.
Na contramão do que vem entendo os Tribunais estrangeiros, notadamente o da Europa e dos USA, no Brasil, nossa Corte Trabalhista, o TST, vem seguindo a tese patronal de que presente estão trabalhadores autônomos, afastando o vínculo empregatício.
Afinal, quais são os argumentos fáticos que embasaram as decisões da Corte Trabalhista?
Base para o reconhecimento de trabalho autônomo
Podemos citar alguns dos pontos abordados nos julgamentos das ações que já passaram pelo crivo do TST. São eles:
- o trabalhador tem possibilidade de ficar “off line” pelo tempo que quiser;
- o trabalhador pode determinar a sua rotina, horários de trabalho e o local onde quer prestar os serviços;
- o sistema de avaliação entre motoristas e usuários não caracteriza a subordinação, mas apenas uma ferramenta de feedback para os usuários finais quanto à qualidade da prestação de serviços do condutor;
- o ganho do trabalhador se dá em percentual por demais vantajoso se comparado com os ganhos que normalmente auferem outros profissionais autônomos, a exemplo de manicures consideradas parceiras nos salões de beleza.
Nessa toada, importante destacar o julgamento da 4ª Turma do TST, em março de 2021 que se baseou, entre outros fatores, na análise econômica do direito.
EMENTA: ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NA DECISÃO DO TST SOBRE O RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO ENTRE MOTORISTA E A UBER
No caso em questão, mesmo com o julgamento em primeiro instância reconhecendo o vínculo trabalhista, o TRT da 3ª Região acabou por reformar o decisium e o TST manteve a decisão do Regional. O voto vencedor trouxe alguns argumentos inovadores:
a) as plataformas geram postos de trabalho e oportunidades, o que pode ser obstado “em caso de equivocado enquadramento em moldes antiquados, estabelecidos para relações de produção próprias da 1ª Revolução Industrial, quando já vivenciamos a 4ª Revolução Industrial, da Era Virtual”;
b) que a autonomia do motorista é evidente, uma vez que este pode “escolher os dias, horários e forma de labor, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário”, não tendo “nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber ou sanções decorrentes de suas escolhas”;
c) que “é impertinente a alegação de que o motorista não assume os riscos do negócio”, uma vez que o trabalhador é o responsável pelo custeio da prestação do serviço, cabendo-lhe “a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros, ainda que a empresa provedora da plataforma possa a vir ser responsabilizada solidariamente em alguns casos”;
d) possibilidade do motorista se cadastrar na plataforma como Microempreendedor Individual-MEI;
e) não incide no caso o controle preconizado no art. 6º da CLT;
f) não há fraude por parte da empresa ao não reconhecer o vínculo de emprego;
g) não cabe ao poder judiciário ampliar conceitos jurídicos, a exemplo da subordinação jurídica, somente com o fim de enquadrar trabalhadores como empregados.
A alínea “a” da fundamentação ora transcrita, tem sua base em princípios econômicos, como também históricos e, por certo, devem ser observados e o direito moderno não se esquiva de sua análise e aferição. Mas, tanto quanto demais princípios, este também há de ser sopesado no contexto histórico que vivemos.
Ademais, a contrarium sensum, tomando por base o aventado na alínea “g” do comentado acórdão, não se trata de ampliar conceitos jurídicos, mas, adequá-los ao que o mundo contemporâneo vivenciado.
A história nunca esteve dissociada do direito, são afins e correlatas. O conceito de subordinação, quando inexorável a subordinação por algoritmo, por certo já não é o mesmo.
Ainda falta um caminho longo a percorrer para que os operadores do direito entendam uma “bússola” tão peculiar e importante, tão singular e fascinante. Mas não é o primeiro e nem será o último desafio que a Justiça do Trabalho se depara.
Referências:
https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/justica-do-trabalho-reconhece-vinculo-de-emprego-de-motorista-com-a-uber
Administradora de empresas, palestrante e advogada trabalhista, com pós-graduação em Direito Empresarial e curso de extensão em contratos. Pós-graduanda em Direito Material e Processual do Trabalho, e Direito Previdenciário. É uma profissional com vasta experiência no consultivo e contencioso trabalhista. Diretora da Comissão de Direito Empresarial do Trabalho na 116ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nos triênios 2016/2018 e 2019/2021.