sexta-feira,29 março 2024
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Brasil e Colômbia: Avanços ao direito à identidade de gênero nas escolas

O debate sobre a identidade de gênero ainda é tabu no Brasil e em muitos países pelo mundo. Entender essa temática e sua correlação com o mundo jurídico torna-se imprescindível, visto que a ausência de manifestações do Poder Legislativo faz com que esse assunto esteja presente somente no Poder Judiciário.

De antemão, o gênero está diretamente relacionado às relações sociais de cada um, nos seus próprios sentimentos, fator que defini se um indivíduo vai se identificar com o seu sexo biológico, sendo assim cis gênero; ou se identificar com gênero diverso daquele atribuído ao seu nascimento, o que é conhecido como transgênero. Noutro giro, se não se identifica com ambos, nem homem, nem mulher, o que é definido como um indivíduo não-binário.

Indiferente é a aceitação ou opção religiosa de grupos que renegam essa realidade, pois diversidade de gênero existe e continuará existindo; cabendo a sociedade estar preparada para entender e proteger os Direitos dessa parcela da sociedade, em prol da defesa das minorias.

O que adentra no debate sobre esse ensino nas escolas, visto que nesse meio social as crianças e adolescentes teriam acesso ao conhecimento científico sobre essas relações, como forma de diminuição da estigmatização e preconceito, o que representa uma medida urgente, visto que mais de um terço de alunos LGBTQIA+ sofreram agressão física na escola, conforme aponta estudo apresentado pela Agência Brasil. [1]

A partir dessa defesa a dignidade, entre os anos de 2018 e 2020, o Supremo Tribunal Federal tem enfrentando reiteradas discussões sobre o tema, as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) de números 457, 460, 461, 465, 467 e 600, e outras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) [2], são um dos exemplos de julgamentos que ocorreram recentemente, já falei sobre isso ver (aqui).

Dentre as manifestações apresentadas, o STF entendeu que o ensino sobre a diversidade de gênero representa à livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, à liberdade de ensinar e aprender. E desse modo não poderia ser reprimida como muitas leis estaduais e municipais pretendiam. [3] O que representa um grande avanço do ensino e direito a identidade de gênero nas escolas, sobretudo como combate a desinformação e ao preconceito a comunidade LGBTQIA+.

Outro país que apresentou recente evolução sobre a temática foi a Colômbia em recente decisão da Corte Constitucional, proferida em outubro de 2020 [4]. O caso analisado fora o de José Manuel Echeverri Rodríguez, homem trans, em face da instituição de ensino José Félix de Restrepo Vélez de Sabaneta.

O questionamento realizado pelo aluno considerava o tratamento recebido pela instituição de ensino, durante seu processo de reafirmação de gênero, tal como recusa de professores e alunos a chama-lo pelo seu nome social, antes e depois da modificação legal em seu documento de identificação. Além do tratamento discriminatório e hostil perpetrado por parte de professores e represarias quando da não utilização do uniforme feminino e até mesmo fora proibido de sair da sala de aula durante o horário de descanso, por ordem da diretoria da instituição.

Fatos que o levaram a se ausentar de aulas e sofrer episódios de depressão, fatores que quase ceifaram sua vida em uma tentativa de suicídio no ano de 2019.

A busca para resguardar os seus Direitos no Judiciário Colombiano não fora simples, inicialmente a 5ª Vara de Criminal Municipal de Adolescentes com Função de Controle de Garantia de Medellín, não deu procedência ao pedido de José Manuel, ao entender que “A su juicio no se demostró transgresión alguna de los derechos fundamentales del accionante por ausencia de material probatorio suficiente que permita endilgar responsabilidad a la institución educativa.” Afirmando que não haviam provas suficientes para ensejar a responsabilização da escola e que não foi demonstrada transgressão dos direitos fundamentais do aluno.

A partir dessa reposta o caso chegou até a Corte Constitucional Colombiana, que criou o seguinte questionamento:

“Uma instituição de ensino viola direitos fundamentais à dignidade humana, à educação, ao livre desenvolvimento da personalidade, educação, igualdade e não discriminação, quando realiza ações que impedem um aluno trans de externalizar sua identidade de gênero?”

Esse fora o questionamento principal apontado pela Corte, a instituição de ensino estaria violando os Direitos de José Manuel Echeverri Rodríguez, ao realizar ações que o impedissem de externalizar a sua identidade de gênero?

Para analisar esse questionamento, o Corte Colombiano segmentou como suporte teórico básico a proteção da identidade de gênero à luz da Constituição; O direito à igualdade e orientação sexual e identidade de gênero como critérios suspeitos de discriminação; o direito fundamental à educação de crianças e adolescentes e sua conexão com o livre desenvolvimento da personalidade das pessoas com sexualidade e identidade de gênero.

Buscando pelo entendimento jurisprudencial do país, a Corte apresentou grandes entendimentos sobre a constituição no gênero, apontando o seguinte:

“Portanto, a discussão de gênero não termina com o sexo atribuído, mas é uma inter-relação complexa entre três eixos:

(i)  o corpo de cada pessoa, sua experiência com ele, como a sociedade atribui gêneros a corpos baseados em órgãos reprodutivos e como interage entre si com base nos corpos;

 (ii)[a] identidade, o que inclui a concepção interna e o sentimento de cada indivíduo de se sentir como um homem ou mulher, no sentido de uma harmonia interior entre aqueles que internamente sentem e sabem que é cada um; e

iii) Finalmente, a manifestação ou expressão, que consiste na forma como cada indivíduo apresenta seu gênero para o mundo, para a sociedade, culturalmente, em sua comunidade ou em sua família, bem como a forma como interagem com seu próprio gênero e o moldam ao longo dos anos, em um processo de desenvolvimento constante.” [5]

Desse modo, basta compreender essa realidade de diversidade de gênero, qualquer discriminação, desrespeito ou estigmatização sobre essas pessoas incorre em ofensa à Dignidade da pessoa Humana e a liberdade do cidadão e o livre desenvolvimento da personalidade das pessoas com sexualidade e identidade de gênero.

Nesse diapasão a Corte revogou o Acórdão proferido pela 5ª Vara de Criminal Municipal de Adolescentes com Função de Controle de Garantia de Medellín, e determinou que instituição de ensino José Félix de Restrepo Vélez de Sabaneta: se abstenha de desenvolver ações como a qual causaram danos ao José Manuel, tal como os comportamentos discriminatórios contra o aluno por razões derivadas de sua identidade de gênero; visto que esses atos discriminatórios afastam o seu dever institucional de promover um ambiente saudável para o desenvolvimento harmonioso e integral de crianças e adolescentes.

Um avanço para a sociedade colombiana, um precedente muito importante em prol da educação da população e do respeito às diversidades do país. Tal como as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal no Brasil, que demonstram a evolução da sociedade como um todo.

 

Referências Bibliográficas

[1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-11/mais-de-um-terco-de-estudantes-lgbt-ja-foram-agredidos-fisicamente-diz

[2] ADIs 5.537, 5.580 e 6.038

[3] Lei municipal 3.468/2015, de Paranaguá; Lei municipal 2.243/2016, de Palmas; Lei Orgânica de Londrina (PR); Lei estadual 7.800/2016 de Alagoas;

[4] Sentencia T-443/20.Referencia: Expediente T-7.793.605 Acción de tutela instaurada por José Manuel Echeverri Rodríguez contra la Institución Educativa José Félix de Restrepo Vélez de Sabaneta. Magistrado Sustanciador: José Fernando Reyes Cuartas, Bogotá, D.C., catorce (14) de octubre de dos mil veinte (2020).

[5] Acórdão T-675 de 2017.

 

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