sexta-feira,29 março 2024
ColunaTribuna do CPCBluewashing: uma afronta aos direitos trabalhistas

Bluewashing: uma afronta aos direitos trabalhistas

Coordenação: Francieli Scheffer H.

Uma certa empresa anuncia que sua atividade empresarial atua pautada na promoção e respeitos aos direitos sociais, priorizando práticas organizacionais de equilíbrio trabalho-família, por exemplo. Atualmente, você pretende ampliar os seus negócios, então, inicia uma vasta pesquisa de mercado considerando vários aspectos, entre eles, se o negócio pesquisado atua na promoção de respeito aos direitos humanos. Para você, a informação de que ao consumir nessa empresa estaria contribuindo para promoção de impacto social faria alguma diferença?

Em virtude das novas exigências globais, a resposta seria afirmativa, vez que com o passar dos anos, as pessoas começaram a avaliar, o que as empresas onde consumiam estavam fazendo para colaborar com a situação socioambiental, portanto, a preocupação com a responsabilidade social passou a ganhar força, tanto para investidores quanto para consumidores.

Diante das novas exigências globais e por pressão da sociedade, os consumidores passam a exigirem das empresas a adoção de práticas sustentáveis, tanto do ponto de vista ambiental quanto social. As pessoas passaram a procurarem por empresas que agreguem a sua prestação de serviço aspectos identitários, bem como de cunho emocional e social. Com isso, a imagem da empresa passou a ser algo relevante para conquistar consumidores.

Para alcançarem princípios relacionados com o Pacto Global e terem uma melhor reputação, as empresas passaram a mostrar o qual são sustentáveis, propagando falsos discursos mercadológicos para atrair pessoas. Ademais, a urgência das empresas por atender essa demanda, aliada à pesquisa com lacunas, vem acarretando soluções ineficazes em relação à direitos sociais, oportunizando a prática de “bluewashing”.

Assim, o termo “bluewashing, muito usado recentemente, significa “lavagem azul”. sendo similar ao termo “greenwashing”. Ocorre, porém, que “greenwashing”é definido como a prática empresarial na qual as propagandas não passam de divulgações falsas, no que tange à ação de proteção ambiental pelas organizações, de modo a traduzir-se em um verdadeiro abuso de confiança do consumidor., além da prática antiética no mercado.

Já o termo “bluewashing” é aplicável ao campo social. e se configura quando a empresa se autodenomina “azul”, levando a sociedade a acreditar que a empresa é socialmente responsável, observadora da legislação trabalhista. As empresas propagam que estão comprometidas com salários justos ou apoiam sua força de trabalho, no entanto, vivência na prática uma afronta aos direitos sociais, como por exemplo, a prática de trabalho infantil no bojo da empresa (HIRATA,2020).

Importante ressaltar que embora, a lavagem azul” não seja tão conhecida quanto a “lavagem verde”, ambas caracterizam -se como “maquiagens”, sendo a “lavagem azul” uma maquiagem de responsabilidade social que tentam se vangloriam do seu compromisso social. As empresas anunciam com mensagens éticas, que estão comprometidos com salários justos ou apoiando sua força de trabalho, porém, a maioria desses anúncios são campanhas de curto prazo ou medidas superficiais.

A origem do termo “bluewashing”, refere-se à cor corporativa azul da Organização das Nações Unidas (ONU), remonta às intervenções humanitárias. A partir de 1999, no entanto, também se tornou interessante para as empresas que queriam adquirir uma imagem mais ética e social. Então foi apresentado o Pacto Global das Nações Unidas, uma iniciativa para criar uma cultura global de valores. O Pacto é um pacto global celebrado entre a ONU e as empresas. O objetivo é tornar conjuntamente a globalização mais ecológica e socialmente aceitável, alinhando suas ações com dez princípios nas áreas de direitos humanos, direitos dos trabalhadores, proteção ambiental e prevenção à corrupção, quais são:

1. As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente.
2. Assegurar-se de sua não participação em violações destes direitos.
3. As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo
do direito à negociação coletiva.
4. A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório.
5. A abolição efetiva do trabalho infantil.
6. Eliminar a discriminação no emprego.
7. As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais.
8. Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental.
9. Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis.
10. As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina.

Para tanto, a adoção do conteúdo dos Princípios Orientadores é benéfica para as empresas na medida em que eles apresentam ganhos a sua imagem, redução de riscos junto aos investidores e acionistas, além de ganho de valores agregados e melhoria de seu capital intangível. Assim, as empresas que seguem suas recomendações estão à frente das outras, quando podem demonstrar seu comprometimento com o respeito aos direitos humanos (PAMPLONA, 2021).
Dessa forma, demonstrar o conhecimento e o cumprimento dos Princípios também proporciona a fidelização dos consumidores preocupados com a conduta empresarial e seus impactos na vida das pessoas. Os consumidores, cada vez mais informados, levam em consideração os compromissos das empresas de respeito aos direitos humanos ao estabelecer suas preferências de consumo.

Ademais, a cor azul vem do logotipo azul das Nações Unidas, embora o termo “bluewashig” tenha a sua acepção mais ampla, conforme discorre Roberto Wakahara :

No entanto, para fins deste artigo, utilizaremos o termo bluewashing em sua acepção mais ampla, em que qualquer forma de se incrementar a imagem social da empresa perante a sociedade que seja falsa constituirá bluewashing. Assim, não importa se a divulgação da informação de que a empresa é socialmente responsável foi por adesão a programa da ONU, por adesão a programa social local ou por qualquer outra forma, como uma mera propaganda.

Algumas empresas que foram acusadas de usarem o bluewashing para aumentar as vendas e dar maior visibilidade melhor para sua marca:

1. Primark esteve sob escrutínio público muitas vezes com escândalos de trabalho infantil.O varejista de fast-fashion pode oferecer preços muito baixos porque emprega trabalhadores dos países mais pobres do mundo, como Índia e Camboja, e sob péssimas condições de trabalho.
2. A empresa de alimentos e bebidas Nestlé foi acusada de usar trabalho infantil, métodos de produção antiéticos e estratégias de marketing enganosas.
3. Grande varejista de moda & Outras Histórias costumavam fazer falsas alegações de produção, fingindo que seus produtos foram criados em fábricas suecas sob leis de proteção do trabalho. Na realidade, eles são projetados na Suécia, mas produzidos na China, Bulgária e Bangladesh.
4. A gigante de cosméticos L’Oreal falhou em combater a escravidão moderna em suas cadeias de suprimentos, sendo criticada por não divulgar como mitiga riscos em suas operações para garantir que suas cadeias de suprimentos estejam livres do trabalho infantil e da escravidão moderna (Assoune).

Pode-se detectar bluewashing identificando alegações que não são apoiadas por qualquer evidência. Uma empresa ou organização está se lavando quando afirma que um produto ou serviço é socialmente responsável sem qualquer informação de suporte.

Portanto, a melhor maneira de evitar o bluewashing é investigar e pesquisar, separando as empresas que estão realmente fazendo esforços daqueles que estão apenas fingindo para angariarem mais lucros.

Por fim, ao divulgarem ações sustentáveis, as companhias recebem grandes retornos em reputação e imagem pública, pois denotam preocupação com questões importantes para a sociedade e atrai um interesse maior dos investidores. Logo, a prática de bluewashing além de acarretar prejuízos reputacionais a atividade empresarial, empregados da empresa ou mesmo prestadores de serviços autônomos ou terceirizado, enseja, também, violação aos direitos dos trabalhadores para auferir mais lucro, configurando uma afronta a legislação trabalhista e aos direitos humanos.


Referências Bibliográficas:

Hirata, Carol. Bluewashing e direito do trabalho. Disponível em: https://blog.grancursosonline.com.br/bluewashing-e-direito-do-trabalho/. Acesso em 12 de agosto de 2021.
PINZEGHER. Igor Pacheco . O que é bluewashing? O termo bluewashing é derivado de outro, mais antigo: greenwashing. Disponível em: https://igorpacheco96.jusbrasil.com.br/artigos/818942357/o-que-e-bluewashing?ref=serp. Acesso em : 12 de ago de 2021.
ASSOUNE, Alex. A verdade sobre bluewash eles não querem que você veja.Disponível em: https://www.panaprium.com/blogs/i/bluewash. Acesso em 21 de ago de 2021.
WAKAHARA, Roberto. Bluewashing, desrespeito aos direitos fundamentais laborais e propaganda enganosa = Bluewashing, disrespect to labor fundamental rights and misleading advertisement. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 50, p. 165-175, jan./jun. 2017.
PACTO GLOBAL. Disponível em https://www.pactoglobal.org.br/10-principios. Acesso em 20 de ago de 2020.
PAMPLONA,Danielle Anne. Empresas e Direitos Humano.Enap,2021.

Layse Maurício Fortes Gonçalves

Mestre em Relações Sociais e Trabalhistas. Advogada e consultora em ESG Social.

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