quinta-feira,28 março 2024
ColunaCorporate LawAviso fúnebre: a morte da coisa julgada em matéria tributária

Aviso fúnebre: a morte da coisa julgada em matéria tributária

Etimologicamente, a expressão coisa julgada ou “res iudicata” significa “bem julgado”, isto é, o resultado final do processo, após o exaurimento dos recursos existentes na lei processual, ganha o atributo da definitividade e da imutabilidade.

A coisa julgada confere à decisão de mérito os atributos da estabilidade e da imutabilidade do que foi decidido, impedindo-se o reexame ou sua eventual modificação, salvo o ajuizamento da via excepcional da ação rescisória.

A proteção à coisa julgada tem assento constitucional a par dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, na medida em que a Constituição Federal aponta que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, inc. XXXVI) e que compete aos tribunais julgar originariamente a ação rescisória dos seus julgados (arts. 102, I, “j”, 105, I, “e”, e 108, I, “b”).

Tradicionalmente, o STF consagrava o entendimento de que a sentença de mérito transitada em julgado só podia ser desconstituída mediante ajuizamento de ação rescisória, e a superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade da lei utilizada como fundamento, não se revela apta, por si só, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, em abstrato, da Suprema Corte (ARE 662.597, rel. Min. Celso de Mello).

A rigor, na ação direta de inconstitucionalidade e na repercussão geral, o STF, respectivamente, declara se o ato normativo é, ou não, compatível com a Constituição Federal, e fixa a tese jurídica acerca da aplicação da matéria constitucional, mas não há, na Constituição Federal ou no Código de Processo Civil, previsão, explícita ou implícita, de que tais mecanismos tivessem o condão de alterar decisão já alcançada pela coisa julgada. Ou seja, a ação direta de inconstitucionalidade e a repercussão geral não são meios de impugnação às decisões judiciais transitadas em julgado.

Entretanto, o STF, em 08.02.2023, acabou por relativizar a coisa julgada em matéria tributária, ao decidir que a coisa julgada, sobre tributos recolhidos de forma contínua, perde automaticamente seus efeitos, caso a Corte se pronuncie em sentido contrário em controle concentrado de constitucionalidade ou em repercussão geral. Confira-se: “as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo” (Temas 885 e 881). Ao invés de prestigiar a segurança jurídica, o STF acaba por aniquilar a proteção constitucional da coisa julgada em matéria tributária, já que a superveniência de decisão em controle de concentrado de constitucionalidade ou em repercussão geral, quando contrária ao que foi decidido em decisão transitada em julgado, passa agora a ter o condão de desfazer as situações jurídicas até então tidas como imutáveis e imodificáveis.

Vale dizer, “o vírus do relativismo [da coisa julgada] contaminará, fatalmente, todo o sistema judiciário. A simples possibilidade de êxito do intento revisionista, sem as peias da rescisória, multiplicará os litígios, nos quais o órgão judiciário de 1º grau decidirá, preliminarmente, se obedece, ou não, ao pronunciamento transitado em julgado do seu tribunal e até, conforme o caso, do STF” (Araken de Assis, “Eficácia da coisa julgada inconstitucional”, RJ 301/12).

Portanto, a nova orientação do STF, ao acolher a lição da relativização da coisa julgada em matéria tributária, subverte, por completo, o direito fundamental à segurança jurídica, eis que a ação direta de inconstitucionalidade e a repercussão geral não se constituem em meios de impugnação às decisões judiciais já transitadas em julgado.

Mestre e Doutor pela PUC-SP. Professor da graduação e do Mestrado na UFRN. Advogado.

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